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Delator do UBS agora caça biliões escondidos nos paraísos fiscais

Incentivados pela indignação pública após terem sido divulgados documentos confidenciais de escritórios de advocacia offshore, os governos têm pressionando cada vez mais paraísos fiscais offshore para revelar detalhes que antes eram segredos.

04 de Agosto de 2019 às 11:00
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Para John Christensen, Jersey era a sua casa. Nascido na ilha pitoresca na costa sul da Inglaterra, o economista que trabalhava para o governo tinha uma vivenda na encosta com vista para França.

"Estava estabelecido", disse Christensen no mês passado durante uma entrevista num café de Londres. "Tínhamos um bom estilo de vida e muitos amigos."

A boa vida terminou há duas décadas, quando Christensen revelou um esquema fraudulento de negociação de divisas que envolvia uma subsidiária do UBS em Jersey, o que resultou na sua mudança para Londres. Christensen, de 63 anos, passou a maior parte do tempo desde então a desafiar governos e a fazer campanhas contra o sigilo bancário, inclusive em Jersey.

Representantes do UBS, que tem sede em Zurique, e do governo de Jersey não quiseram comentar.

Em 2003, Christensen cofundou a Tax Justice Network, um grupo de defesa independente que promove maior regulamentação dos paraísos fiscais. Ninguém sabe ao certo quanto dinheiro está escondido no exterior, mas economistas estimam algo entre 5 e 32 biliões de dólares, ou mais de um terço de todo o PIB global. Christensen acredita que o valor estará no topo deste intervalo.

"Vencemos muitos dos argumentos intelectuais e políticos", disse. "E ainda não vemos isso a acontecer na prática. Olhe onde estamos agora. As taxas de imposto sobre o capital colapsaram, a desigualdade disparou e estamos num lugar muito escuro para a democracia em geral."

Indivíduos abastados geralmente têm razões legítimas para usar centros financeiros offshore. Hedge funds dos EUA e outras firmas agrupam ativos em fundos das Ilhas Cayman para reduzir custos financeiros e administrativos. Os paraísos offshore também podem oferecer proteção contra regimes políticos instáveis nos países de origem dos investidores. Por outro lado, a falta de transparência fez desses lugares um destino para cleptocratas, narcotraficantes e lavagem de dinheiro com o objetivo de esconder ganhos ilícitos.

Incentivados pela indignação pública após terem sido divulgados documentos confidenciais de escritórios de advocacia offshore, incluindo o Mossack Fonseca, do Panamá, os governos têm pressionando cada vez mais paraísos fiscais offshore para revelar detalhes que antes eram segredos. Mas isso também tem resultado num jogo de gato e rato. Com os reguladores a chegar aos locais estabelecidos há muito tempo, os ricos avessos a impostos agora procuram outros lugares, com Hong Kong, Londres e EUA entre os beneficiados.

A Rússia, juntamente com os países do Golfo e grande parte da América Latina, lidera o volume de dinheiro que cidadãos escondem no exterior. O equivalente a 60% do PIB russo está no exterior, comparado com cerca de 15% na Europa continental e apenas uma pequena percentagem nos países escandinavos, segundo Gabriel Zucman, professor de economia da Universidade da Califórnia em Berkeley.

 

Os russos abandonam cada vez mais um dos seus destinos favoritos: as Ilhas Virgens Britânicas, de acordo com os advogados de Moscovo, Sergei Alimirzoev e Mikhail Zimyanin. O aumento da transparência financeira entre os governos e leis fiscais locais mais rígidas sobre empresas estrangeiras dificultam que russos ricos acumulem fundos livres de impostos no território de forma anónima, disseram os advogados, que ajudam a criar contas no exterior para clientes.

Territórios com a maior fatia da riqueza mundial 

A legislação adotada este ano nas Ilhas Virgens Britânicas e noutros paraísos fiscais também exige que empresas registadas localmente demonstrem atividade económica real - incluindo a contratação de funcionários e aluguer de escritórios - sob o risco de pagarem multas.

Para ajudar a abolir o sigilo offshore, Christensen e a Tax Justice Network estão a fazer campanha para registos públicos de proprietários de empresas. E os primeiros sinais de sucesso já são visíveis. Os territórios do Reino Unido no exterior e as dependências da Coroa, de Jersey às Ilhas Virgens Britânicas, devem introduzir essa legislação até o final de 2023. Mas, para Christensen, a mudança não está a acontecer suficientemente rápido.

 

"As forças aliadas levaram seis meses para planear e realizar com sucesso os desembarques do Dia D", disse Christensen no mês passado, depois de Jersey, Guernsey e a Ilha de Man anunciarem o mesmo cronograma para os registos públicos que os territórios do Reino Unido. "Thomas Edison levou dois anos a criar a lâmpada." 

 

Chá e bolos

 

Christensen tinha o cabelo escuro quando ajudou a expor o esquema cambial de Jersey, que acabou com o UBS e a auditora Touche Ross & Co. – agora da Deloitte - a pagarem quase 40 milhões de dólares em processos legais. Corridas de bicicleta regulares permitiram a Christensen manter o aspeto físico de há 20 anos, mas o cabelo agora é branco.

 

A Tax Justice Network teve origem quando três pessoas que moravam em Jersey visitaram Christensen em 2002. Entre chás e bolos, o trio expressou preocupações sobre o crescente peso da indústria financeira na economia de Jersey. O grupo de defesa foi criado um ano depois, através do dinheiro conseguido através de vendas de quintal.

 

Escrevendo relatórios, colocando questões em conferências e trabalhando com organizações sem fins lucrativos, a Tax Justice Network captou a atenção de deputados. As ideias de Christensen e dos seus colegas ajudaram a implementar reformas fiscais por parte da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico.

"O trabalho deles assenta em boas análises e factos apropriados", disse Margaret Hodge, deputada do Trabalhistas que há sete anos participou em audições no Parlamento britânico a gestores de companhias como o Google, Starbucks e Amazon.com.

 

"Sem eles, não teria alcançado os resultados que obtive no Parlamento", acrescentou.

Dinheiro chinês


Apesar dos "offshore" estarem a perder dinheiro para os Estados, os paraísos fiscais tropicais ainda têm muito dinheiro estrangeiro.

 

O ano passado, quatro chineses transferiram 17 mil milhões de dólares para empresas que eram detidas por entidades sedeadas nas caraíbas. O dinheiro de chineses representará cerca de um terço dos fundos que vão entrar nos centros financeiros offshore nos próximos cinco anos, de acordo com uma análise da Boston Consulting Group.

 

Este fluxo de dinheiro não deixou Christensen desanimado. Vai continuar a defender a sua causa junto de deputados, académicos e responsáveis de ONG na conferência anual da Tax Justice Network que decorre este mês.

 

Mesmo que a denuncia do caso de corrupção o tenha afastado da sua terra natal, não se arrepende. "Sabia que se não fizesse o que fiz, ficaria arrependido para o resto da minha vida".

Texto Original: UBS Whistle-Blower Hunts Trillions Hidden in Treasure Isles

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