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Como seria o mundo sem estatísticas?

Sexta-feira foi o Dia Europeu da Estatística. O Negócios perguntou à presidente do INE e à directora da Pordata como seria viver numa sociedade sem acesso a informação sobre nós e sobre o nosso mundo.

Kacper Pempel/Reuters
22 de Outubro de 2017 às 11:36
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A pergunta pode parecer pouco urgente. Afinal, todos conseguimos imaginar as consequências terríveis de voltar a viver sem democracia, sem sistemas de protecção social ou sem electricidade. Mas estatísticas? A sua importância pode não ser assimilada de forma tão imediata. Mas, na realidade, perdê-las seria como voltar a uma espécie de analfabetismo massificado.

 

"Viveríamos completamente perdidos." É resposta imediata de Maria João Valente Rosa à pergunta: em que mundo viveríamos sem produção de estatísticas? À margem da conferência "Estatísticas Oficiais, um Bem Público", que teve lugar sexta-feira, 20 de Outubro, no Ministério das Finanças, a directora da Pordata argumenta que, sem esta informação sobre as nossas vidas, estaríamos "à deriva".

 

"Viveríamos completamente perdidos. Precisamos cada vez mais de estatísticas, porque elas nos dão a informação que precisamos sobre o que somos, como somos, o que fazemos, os reflexos dos nossos comportamentos...", explicou Valente Rosa. "Sem estatísticas viveríamos à deriva, com base nas nossas opiniões. Não seria bom para uma sociedade que se quer cada vez mais desenvolvida e que queremos que avance. E para saber se estamos a avançar, as estatísticas também são essenciais."

 

É uma visão dramática. Para a entendermos melhor é importante perceber como raio as estatísticas afectam a nossa vida. Pode começar no topo da pirâmide, nas decisões dos governos, mas desce todos os degraus até ao nosso dia-a-dia. Ou seja, elas ajudam-nos desde saber quantos desempregados existem ou se o investimento público caiu muito até conhecer as cidades com as casas mais baratas ou quanto é que estamos a ajudar o ambiente ao substituir banhos de imersão por duches.

 

Alda Carvalho, presidente do INE há 12 anos, sublinha que, "por definição, as estatísticas são instrumentos de conhecimento" e sem essa informação "não se conhece a realidade, nem se sabe o que se passa ao nosso lado". Em declarações feitas também no final da conferência, lembra que "quem toma decisões tem de saber sobre que realidade as vai tomar". "Se não tiver dados fiáveis, vão sair más decisões. E sobre quem vão recair essas más decisões? Sobre os cidadãos. Pensa-se sempre nos governos, mas também vai ao nível individual. Posso tomar uma decisão e reflectir-se no bem-estar e tranquilidade do meu vizinho."

 

Sem estatísticas, estaríamos dependentes daquilo que uma pessoa poderosa diz ser a verdade, o que retiraria poder à sociedade. "No passado, havia muita gente totalmente analfabeta. Essas pessoas estavam à mercê dos outros, daquilo que diziam que estava escrito nas paredes dos autocarros", aponta Valente Rosa. Num mundo sem estatísticas teríamos "regimes não democráticos, em que certas pessoas se sentem portadoras da verdade". "A democracia precisa muito de informação credível."

 

No entanto, mesmo com estatísticas - e há cada vez mais a serem produzidas -, os últimos anos fizeram muitos questionar se não entrámos naquilo a que muitas vezes se designa como sociedade "pós-facto", em que os dados são distorcidos e apresentados de forma a confirmar a nossa narrativa. Um situação agravada pela nova paisagem mediática, que permite o consumo de informação que não contradiz a minha visão do mundo. O que podem os responsáveis estatísticos fazer para contrariar esta trajectória?

 

"A palavra é educação. Reforço da literacia estatística. É importante que as escolas se compenetrem que as estatísticas devem entrar no seu mundo e que o Ministério da Educação cumpra o seu papel nesse ponto. Despertar [nas crianças] o interesse por conhecer os números, saberem desmontá-los e depois formular opiniões", refere Valente Rosa. "Precisamos de comunicar. Se calhar, em vez de falar em formação bruta de capital fixo, falar em investimento. Se calhar, vamos estar a comunicar com mais pessoas."

 

O passo seguinte é saber se os institutos responsáveis por produzir e divulgar estatísticas oficiais têm os meios adequados para responder a estes novos desafios. Há cada vez mais informação a circular, muita vinda de fontes não-oficiais. A era do "big data" está cheia de oportunidades, mas tratar essa torrente avassaladora de informação é um desafio enorme. Os institutos estão divididos entre aproveitar melhor esse novo potencial e lidar com as suas limitações. Ao mesmo tempo, exige-se que se produza mais dados e mais indicadores e a uma velocidade maior. É uma guerra cada vez mais dura, por vezes sem que sejam dadas mais armas para a combater.

 

Questionada sobre se o INE tem os recursos suficientes para responder a estes desafios, Alda Carvalho diz que o problema não é financeiro, mas de "insuficiência de recursos humanos". "A sociedade está a evoluir, a exigência tem aumentado e os recursos têm estado estabilizados", acrescenta. "Os nossos recursos têm feito um grande esforço de auto-formação. Há um problema - e isto é a minha opinião pessoal não compromete o INE - há pouca oferta de [pessoas] com a formação necessária para a produção de estatísticas oficiais." Leia-se, saem das faculdades poucos estaticistas. "Depois, aparece o problema da competitividade do INE com auditoras, consultoras, escritórios de advogados…" Quão urgente seria reforçar os recursos humanos do INE? "É para ontem."

 

Mesmo não sendo algo que imaginemos urgente, talvez fosse bom ficarmos de olhos postos na saúde das nossas estatísticas. Afinal, um marinheiro talvez também dê mais importância à sua bússola depois de a perder.

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