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As dúvidas sobre as quais o Tribunal Constitucional vai deliberar

O aguardado Acórdão do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento do Estado para 2013 deverá ser conhecido nos próximos dias. Veja aqui os principais argumentos aduzidos por Cavaco Silva, PS e PCP/BE/Os Verdes e sobre os quais os juízes se vão pronunciar.

29 de Março de 2013 às 13:33
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O aguardado Acórdão do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento do Estado para 2013 deverá ser conhecido nos próximos dias.

 

A posição dos juízes será decisiva, não só para avaliar as questões em concreto que estão sob avaliação, mas também porque ela condicionará a acção do Governo no futuro, nomeadamente em matéria de cortes nas pensões e nos salários da Administração Pública, que o Executivo quer tornar duradouros.

 

Devem-se a Cavaco Silva, PCP e Bloco de Esquerda e PS as principais dúvidas levantadas.

 

Reformados


Contribuição solidária ou expropriatória?


Os cortes sobre as pensões de reforma deverão ser as questões mais delicadas que os juízes terão entre mãos. Operam-se por duas vias: a contribuição extraordinária de solidariedade e a redução do subsídio de férias. Mas a primeira é a que mais críticas tem gerado. Para o Governo, ao aplicar-se uma taxa entre 3,5% e 10% às pensões de 1.350 euros em diante está-se a 1) cumprir o estabelecido pela troika; 2) a aplicar uma medida semelhante à sofrida pelos funcionários públicos desde 2011; 3) e a aplicar uma contribuição, análoga à contribuição para a Segurança Social.

 

Quem é contra a medida tem, contudo, entendimento contrário. Para o PS, a medida configura um imposto (e não uma contribuição) porque não há uma relação sinalagmática, isto é, o desconto pago não dá origem a qualquer direito, como contrapartida. Além disso, a medida é cega: "há uma completa indiferença à diferente natureza das pensões, de origem contributiva e não contributiva e prestações e rendimentos análogos", ou seja, não se distingue aqui quem descontou efectivamente para ter direito às pensões, de quem, num curto espaço de tempo de descontos, conquistou pensões vitalícias. Tratando-se de um imposto, é violado o princípio da unicidade. Os deputados entendem ainda que excede-se a linha vermelha do limiar do sacrifício admissível traçada pelo TC no anterior acórdão. Já para o PCP, BE e Os Verdes, está em causa uma discriminação sobre reformados e pensionistas, sem que haja razões "necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação dos objectivos" traçados.

 

Cavaco Silva também é especialmente duro nesta matéria – sendo esta a questão em relação à qual mais argumentos apresenta. Diz Cavaco Silva que "um qualquer ‘estado de necessidade’ financeiro ou fiscal não parece autorizar que as pensões de nível médio ou superior, por se reportarem a uma minoria (embora expressiva) de pensionistas, possam ser submetidas a um agravamento tributário profundamente desigual e até exorbitante".

 

O Presidente faz também eco das críticas em relação ao facto de a CES incidir este ano também sobre os complementos de reforma atribuídos por fundos de pensões privados, através de seguros de renda vitalícia, ou outros veículos. Esta remuneração, tradicional na banca, algumas empresas públicas e multinacionais, é também apanhada este ano, o que justificou o surgimento de grupos de contestação como o “Movimento dos Reformados Indignados”. Aqui, Cavaco Silva fala num processo "confiscatório", "desigual" e "arbitrário".

 

Para o Presidente “um qualquer Estado de necessidade financeiro ou fiscal não parece autorizar (…) a criação de impostos de classe”, diz.

 

Reformados


Tirar subsídio de férias viola confiança

 

Os pensionistas com reformas de 600 euros em diante perderão uma parte ou até um máximo de 90% do subsídio de férias em 2013 (em 2012 perderam parte ou a totalidade dos subsídios de férias e de Natal).


Para o PS, tirar rendimentos aos pensionistas trata-se de uma "ofensa qualificada ao princípio da protecção da confiança praticada sobre expectativas que são, entre todas, merecedoras de uma protecção reforçada".


O PCP, BE e Os Verdes alinham no mesmo argumento. Trata-se de uma medida que viola, "manifestamente o princípio da protecção da confiança como exigência indeclinável de realização do princípio do Estado de direito democrático". Dizem ainda estes três partidos que as pensões de reforma não podem ser vistas como "dinheiros públicos", uma vez que foram suportadas pelos descontos entregues ao Estado pelos beneficiários, quando foram trabalhadores. A situação é tanto mais grave quanto se considere que são cidadãos que, devido à idade, estão numa situação mais frágil e vulnerável.

 

Cavaco Silva está em sintonia. Para o Presidente da República, a medida traz uma discriminação em relação aos trabalhadores do sector privado. Além disso, acrescenta, embora se possa admitir que os funcionários públicos sofram cortes remuneratórios, o mesmo não acontece com os reformados" já que as pensões recebidas das instâncias públicas tiveram, como contrapartida, as contribuições que os mesmos e as entidades empregadoras efectuaram para a Segurança Social durante uma vida de trabalho".

 

Horas extra


Violação do direito à remuneração

 

A redução drástica do valor da compensação por horas extraordinárias à Função Pública (que foi cortada em 50% em 2012 e será novamente subtraída em 50% em 2013) é inconstitucional, sustentam o PCP, BE e Verdes. Alinhando a sua posição com a de alguns sindicatos da Função Pública, estes partidos de esquerda argumentam que é posto em causa o direito à remuneração, quando conjugado com outras medidas que afectam o salário dos funcionários públicos.

 

Função pública


3,5% a 10% passa a ser excessivo

 

Remonta a 2011 a primeira medida de austeridade imposta à Função Pública, que consistiu no corte de 3,5% a 10% a remunerações acima de 1.500 euros. Este corte tem-se renovado todos os anos (tendo sido adoptado agora um análogo, embora com agravantes para remunerações mais altas no caso dos pensionistas). Este corte foi considerado constitucional em 2011 pelos juízes do TC, que na altura consideraram que não afectava seriamente a vida financeira dos visados. Contudo, comunistas, bloquistas e Verdes questionam este corte para 2013, uma vez que, quando conjugado com várias outras reduções (horas extra, ajudas de custo e subsídio de férias), ultrapassam os limites da proibição do excesso.

 

Salários no Estado


Discriminação mantém-se

 

Em 2012 o Tribunal Constitucional declarou que os cortes nos 13º e 14º meses a funcionários públicos e pensionistas violavam a igualdade entre cidadãos e pisam o risco dos limites dos sacrifícios. Mas a solução encontrada pelo Governo para ultrapassar a questão ("devolvendo" um subsídio de Natal aos funcionários públicos, aumentando o IRS para todos) não resolve a discriminação. Antes pelo contrário, insiste no erro. O argumento é comum ao PS, PCP, BE e os Verdes, que consideram que a fórmula encontrada continua a constituir uma diferença de tratamento muito significativa em desfavor dos trabalhadores da Função Pública.

 

Cavaco Silva é contra o argumento de que os funcionários públicos podem pagar mais austeridade pelo facto de terem um vínculo estável ao Estado, porque, diz “a capacidade económica para pagar impostos não é determinada pela maior ou menos estabilidade do vínculo laboral”. E o Presidente da República não tem dúvidas em classificar o corte nos salários como um imposto, já que se trata de um “esforço contributivo que lhes é unilateralmente exigido”.

 

Apesar de a fórmula ter sido alterada em relação a 2012 (agora o corte só incide sobre um salário, no máximo) Cavaco quer saber se ele não continua a ser desproporcional em relação ao que sofrem, por exemplo, os trabalhadores do sector privado.

 

Segurança Social


Desemprego e doença fragilizados

 

Ao cortar o subsídio de doença e de desemprego em 5% e 6%, respectivamente, o Governo está a por em causa o direito de todos os trabalhadores à assistência material quando se encontrem em situação debilitada e a violar o direito à Segurança Social. A questão é suscitada pelo PCP e BE, que consideram que os cortes, embora aparentemente reduzidos, devem ser somados a todos os que já foram efectuados no passado, acentuando ainda mais a situação de vulnerabilidade deste grupo e na prática impedem uma protecção efectiva.

 

Impostos


IRS não é distribuído de forma justa

 

Tal como está configurado, o novo IRS não cumpre a regra de tributar cada agregado familiar de acordo com a sua capacidade contributiva. O argumento é do PCP, BE e Verdes, os únicos também a suscitarem, até agora, a apreciação da inconstitucionalidade do IRS. Dizem os partidos que a redução de escalões de oito para cinco põe em causa a progressividade do imposto; e que, a somar a isto, a redução das deduções à colecta, nalguns casos eliminadas (para o último escalão, por exemplo) noutros, colocadas em níveis simbólicos, acaba por ignorar a real capacidade contributiva dos contribuintes.


Os partidos de esquerda põem ainda em causa a clivagem entre o IRS sobre os rendimentos do trabalho e pensões e os que incidem sobre os rendimentos de capital (pagam taxa de 28%). Além de ferirem o princípio constitucional da unicidade do IRS, representam uma "manifesta falta de equidade na repartição dos sacrifícios", sustentam.

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