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25 Abril: Otelo assume que se excedeu "largamente" na ocupação de terras

Otelo Saraiva de Carvalho reconhece que excedeu "largamente" as suas funções quando, após o 25 de Abril de 1974, tomou decisões como a ocupação de terras ou o despejo dos "senhores doutores" das casas de pescadores.

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26 de Março de 2014 às 07:47
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Numa entrevista a propósito dos 40 anos da Revolução dos Cravos, o operacional do Movimento das Forças Armadas (MFA), 77 anos, recordou à agência Lusa o "dinamismo" dos primeiros tempos após a queda da ditadura e o quanto era preciso decidir, às vezes "sem tempo para pensar".

 

"Tive de tomar decisões -- enquanto comandante da região militar de Lisboa, do Comando Operacional do Continente (COPCON) e conselheiro da revolução -- ao minuto. Muitas delas foram tomadas sobre os joelhos", afirmou.

 

Nessa corrente, confessa o agora coronel, ter-se-á excedido: "Eu excedi largamente as minhas funções. Fiz coisas..."

 

"Coisas" que fez porque "as pessoas não queriam assumir as suas responsabilidades". Por isso, viu-se "obrigado" a decidir, às vezes "sem ter dez minutos para pensar".

 

"Parecia o Passos Coelho: vamos vender os quadros do Miró, afinal não se podem vender...", ironizou.

 

Quatro décadas depois, reconhece excessos embora não se arrependa: "Era necessário tomar decisões, mesmo que elas fossem más. Tinham de ser tomadas. Depois logo se via."

 

"Foi o que aconteceu inúmeras vezes, uma delas com a reforma agrária, quando mandei ocupar as terras", contou. Nas duas semanas seguintes, "1,2 milhões de hectares de terras foram ocupadas no Alentejo". 

 

Quando os trabalhadores se queixaram de que os proprietários estavam a retirar das terras o gado e as máquinas, Otelo disse-lhes para ali permanecerem "com as caçadeiras" e para não recearem a acção da GNR.

 

"Eu tinha dito à GNR que mandei ocupar as terras no Alentejo e para ser dada a todas as GNR do Alentejo a ordem de que ninguém podia ir a mando de um latifundiário desocupar os trabalhadores que ocuparam as terras", adiantou, reconhecendo que a decisão gerou contra si "ódios por parte dos latifundiários".

 

Noutra ocasião, Otelo recebeu no COPCON a Mútua dos Pescadores da Costa da Caparica, que reclamava 24 casas na praia que tinham sido construídas para estes trabalhadores e suas famílias, mas foram "ocupadas por doutores, juízes e engenheiros amigos do Henrique Tenreiro [administrador das Pescas durante o Estado Novo] que tinha abafado as casas aos pescadores e dado casas de praia aos amigos".

 

Otelo chamou os fuzileiros para, organizados em pelotão, irem às casas dar um ultimato aos ocupantes para, no espaço de uma semana, abandonarem as casas. Caso contrário as suas coisas seriam colocadas na rua.

 

"Sei que tenho contra mim ódios terríveis, mas raramente tenho manifestações dessas", disse, elegendo a acusação de "terrorista", no âmbito do processo das Forças Populares 25 de Abril (FP 25), em que foi preso e condenado, como o anátema que mais o prejudicou.

 

"Eu, que nunca tive perspectivas nenhumas de terrorismo, que andei em luta contra o que eu classificava de terrorismo, de repetente ser classificado de terrorista... Teve um impacto enorme", disse.

 

Para o capitão de Abril, o fundamental do Processo Revolucionário em Curso (PREC) foi "essa demonstração de capacidade, de criatividade por parte do povo, do povo anónimo".

 

"O povo aí sentiu poder. Sentiu que ele, povo anónimo, tinha a possibilidade de participação. O povo entrava nas decisões. Não era 'dá cá o voto e vai-te embora, daqui a quatro anos a gente fala'. O povo participava diariamente e a vida política activa durante este período do PREC foi notável", frisou.

 

Otelo Saraiva de Carvalho tinha 37 anos, era major quando se deu o 25 de Abril e foi membro do Conselho da Revolução e comandante-adjunto do Comando Operacional do Continente.

 

Nas presidenciais de 1976, ganhas por Ramalho Eanes, foi o segundo mais votado, com 16% dos votos.  

 

Depois de um percurso político-militar atribulado, esteve preso na sequência do caso das FP-25 de Abril (1985), organização responsabilizada por vários actos terroristas, e libertado cinco anos mais tarde, após recurso da sentença de 15 anos.

 

Em 1996, foi amnistiado e em 2001 absolvido.

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