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Empresas podem medir temperatura dos trabalhadores
A autorização legislativa do governo consta de um decreto-lei que altera as medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da covid-19. O registo da temperatura "fica expressamente proibido" e os trabalhadores com temperatura acima do normal podem ser impedidas de aceder ao local de trabalho.
As empresas vão poder efetuar o controlo da temperatura corporal dos seus trabalhadores. A autorização do governo consta de um decreto-lei publicado em Diário da República onde são alteradas as medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da covid-19.
"No atual contexto da doença covid-19, e exclusivamente por motivos de proteção da saúde do próprio e de terceiros, podem ser realizadas medições de temperatura corporal a trabalhadores para efeitos de acesso e permanência no local de trabalho", refere o decreto-lei.
Contudo, o governo deixa claro que fica proibido o registo da temperatura, tal como tinha já alertado a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).
"O disposto no número anterior", que diz respeito às medições de temperatura corporal a trabalhadores, "não prejudica o direito à proteção individual de dados, sendo expressamente proibido o registo da temperatura corporal associado à identidade da pessoa, salvo com expressa autorização da mesma", refere o decreto-lei.
Numa nota divulgada no seu 'site' na semana passada, a CNPD avisa as empresas que preparam o regresso progressivo à laboração, que a prevenção da contaminação "não justifica a realização de atos que, nos termos da lei nacional, só as autoridades de saúde ou o próprio trabalhador, num processo de automonitorização, podem praticar".
A CNPD realçou que a entidade empregadora não pode "proceder à recolha e registo da temperatura corporal dos trabalhadores ou de outra informação relativa à saúde ou a eventuais comportamentos de risco dos seus trabalhadores".
A ministra da Saúde, também na semana passada, recomendou que os trabalhadores devem ter o cuidado de medir duas vezes ao dia a sua temperatura corporal e alertar a entidade patronal caso registe alguma alteração.
Marta Temido salientou que tinha de haver o consentimento expresso do trabalhador e que o controlo da temperatura tem de estar sujeito a dever de confidencialidade. O Governo tinha prometido clarificar esta matéria por via legislativa, o que agora aconteceu.
Dados sensíveis
O Governo, através do Ministério do Trabalho (MTSSS), já tinha defendido que "no atual contexto de saúde pública, e concretamente no plano da proteção de dados pessoais, não se afigura inviável" a medição da temperatura por parte das entidades patronais, "desde que não seja guardado qualquer registo da mesma".
A CNPD, na nota publicada na semana passada, sublinhou que os dados pessoais relativos à saúde "são dados sensíveis, reveladores de aspetos da vida privada do trabalhador que, em princípio, não têm que ser do conhecimento da entidade empregadora, nem devem sê-lo por poderem gerar ou potenciar discriminação".
A CNPD diz, contudo, que a prevenção de contaminação pode justificar a intensificação de cuidados de higiene dos trabalhadores (lavagem de mãos), bem como a adoção de medidas organizativas quanto à distribuição no espaço dos trabalhadores ou à sua proteção física, assim como algumas medidas de vigilância, conforme o estabelecido nas orientações da Direção Geral de Saúde.
A CNPD recorda que as entidades empregadoras se devem limitar "a atuar de acordo com as orientações da autoridade nacional de saúde para a prevenção de contágio pelo novo coronavírus no contexto laboral (...) abstendo-se de adotar iniciativas que impliquem a recolha de dados pessoais de saúde dos seus trabalhadores quando as mesmas não tenham base legal, nem tenham sido ordenadas pelas autoridades administrativas competentes".
Patrões pediram "cobertura legal" e sindicatos preocupados
A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) tinha no início desta semana enviado uma carta ao ministro da Economia, Siza Vieira, na qual pedia que o Governo desse "cobertura legal" à possibilidade de os empregadores medirem a temperatura de forma regular e sem a intervenção do médico de medicina no trabalho.
"Sem colocar em causa os direitos dos trabalhadores (…) solicita-se a Vossa Excelência os melhores ofícios no sentido de, por um lado, conferir cobertura legal à recolha da temperatura por parte das empresas aos seus trabalhadores e, por outro lado, sensibilizar a CNPD para promover o estabelecimento de orientações que, cumprindo a lei, ponderem todos os valores em presença", referia a carta.
Já a secretária-geral da CGTP não via motivos para alterar a lei. "Tem de ser garantido que qualquer recolha de dados é feita por profissionais de saúde no âmbito da medicina do trabalho, e garantindo o sigilo. Ao contrário do que diz o Governo, não basta que o trabalhador dê o seu consentimento expresso", disse Isabel Camarinha ao Negócios esta semana, explicando que podem existir pressões, ameaças e coação.
A UGT admitia que "o Governo legisle para que não se cometam atos ilegais", mas sempre no âmbito da atuação dos médicos de medicina do trabalho e das estruturas que representam os trabalhadores. Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT, mostra-se preocupado com o que acontece a um trabalhador que tenha febre. "Vai para casa? Recebe o salário por inteiro?" O dirigente sindical nota que só o delegado de saúde têm competência para decretar o isolamento profilático, pago a 100% e explica que nos casos em que as empresas detetaram sintomas nem sempre isso tem acontecido.