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Vítor Constâncio e Vítor Gaspar chocam sobre efeitos da desigualdade

Nas últimas décadas os macroeconomistas desvalorizaram a importância da desigualdade no crescimento das economias. A crise fez regressar tópico à agenda económica e política e no maior encontro europeu de economistas, que está a decorrer em Lisboa, Vítor Constâncio e Vítor Gaspar mostraram que a questão continua a não ser pacífica.

Miguel Baltazar
22 de Agosto de 2017 às 19:17
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Há uma piada conhecida entre economistas que diz que se juntar dois numa sala terá duas ou até três opiniões sobre um mesmo tema. Vítor Constâncio e Vítor Gaspar, dois dos economistas portugueses com maior projecção internacional, provaram esta terça-feira que é mesmo verdade.

Numa conferência em que participarem em Lisboa sobre desigualdade e políticas macroeconómicas, nenhum teve grandes dúvidas na defesa de apreciações opostas sobre o impacto da desigualdade no crescimento das economias: para Constâncio, a desigualdade prejudica o crescimento, e essa é uma das lições da crise que os economistas já aprenderam; já para Gaspar não há qualquer evidência que assim seja e tão importante quanto combater as desigualdades é garantir crescimento.

O vice-presidente do BCE e o director do departamento de Assuntos Orçamentais do FMI partilharam o palco numa sessão sobre o impacto das políticas macroeconómicas na desigualdade, organizada pelo BCE, durante o 32.º Congresso da Associação Económica Europeia (juntamente com o 70.º Congresso da Associação de Econometria), que decorre em Lisboa até ao final da semana. O embate reflecte divergências que o tema suscita no debate público e que, na sua versão mais básica, tende a dividir opiniões entre os dão prioridade ao crescimento e os que privilegiam a redução das desigualdades.

E se a perspectiva de Vítor Constâncio, uma espécie de terceira via segundo a qual mais igualdade favorece o crescimento, está a ganhar peso nos últimos anos, Vítor Gaspar e o FMI não pretendem atirar a toalha ao chão. O director do Fundo anunciou mesmo que está a preparar uma análise aprofundada para breve nas páginas do "Fiscal Monitor", a principal publicação sobre política orçamental do FMI.

Com base na análise de dezenas de economias durante várias décadas, Gaspar conclui que "na defesa do crescimento inclusivo é tão importante focar o ‘inclusivo’ como o ‘crescimento’", afirmou num dos grandes auditórios do ISCTE, onde decorre o evento. Reconhecendo que há uma tensão entre os dois conceitos, Gaspar recuperou Robert Lucas, um prémio Nobel que é figura central da economia neoclássica e das expectativas racionais, com contributos também na economia do crescimento, e em particular sua defesa de que o crescimento económico domina a desigualdade no longo prazo.

"É isto mesmo que vemos no longo prazo para a maioria das economias" nos dados que estudámos, afirmou, recorrendo à investigação que está a desenvolver em Washington. O economista do FMI vai mais longe: "Não encontramos qualquer evidência empírica robusta de que um ‘trade-off’ entre crescimento e desigualdade ou de que o crescimento é penalizado pela desigualdade", afirmou numa resposta à audiência.

As declarações surgiram minutos depois de Vítor Constâncio ter defendido o oposto, recorrendo a literatura dos anos 1990, nomeadamente Phillipe Aghion, o actual presidente da EEA, mas também outros artigos académicos mais recentes de economistas conhecidos pelo estudo de várias dimensões da desigualdade, como Amir Sufi e Amir Sufi, Thomas Piketty ou Branko Milanovic. Destes estudos, Constâncio conclui que "apontam para que exista uma relação entre a desigualdade e o crescimento, e que seja negativa", defendeu, elogiando o facto de, com a crise, os economistas terem recuperado estas lições e voltado a estudar o tema, introduzindo-o modelos macroeconómicos. "Os economistas estão a mudar e tirar as lições da crise", afirmou.

Antes, Constâncio tinha defendido que as políticas do BCE não agravaram a desigualdade na Zona Euro, nem em termos de riqueza, nem de rendimentos – uma tese que o banco central vem defendendo, contrariando outras investigações que acusam as politicas não convencionais de favorecerem os mais ricos por deterem mais activos financeiros. Na investigação feita em Frankfurt os preços das casas (que subiram em média 1%) valorizam mais que os outros activos e têm maior peso na riqueza dos mais pobres. Enquanto a redução do desemprego, que também beneficia mais os mais pobres, garante um efeito positivo mais forte das políticas do BCE nos rendimentos dos escalões mais baixos.

O vice-presidente da autoridade monetária tinha também apresentado vários canais pelos quais entende que a desigualdade pode prejudicar o crescimento, nomeadamente ao reduzir o volume de oportunidades e de capacidade de empreendedorismo por parte dos que têm menos rendimentos. A ideia de que os grupos sociais mais pobres ou discriminados – mulheres, negros e pessoas com baixos rendimentos – produzem menos invenções e patentes, e dão portanto um menor contributo para o aumento da produtividade, foi sublinhada no dia anterior por outro economista em destaque na conferência, John Van Reenen, professor no MIT, e especialista no estudo da produtividade. Neste contexto. o aumento da desigualdade nas economias avançadas pode estar associado ao crescimento mais lento da produtividade que tem preocupado economistas.

Há três ordens de razões para a ênfase que a desigualdade ganhou nos debates académico e político nos últimos anos. Por um lado, as grandes diferenças de rendimentos e riqueza podem ter contribuído para a própria crise, ao fomentarem a acumulação de endividamento pelos mais pobres e ao travarem o crescimento; por outro, poderão ter ajudado a agravar a recessão, uma vez que as medidas de austeridade podem ter impactos recessivos mais fortes em economias mais desiguais visto que os mais pobres têm mais propensão ao consumo; finalmente, a desigualdade é uma das causas frequentemente apontadas para o avanço das forças populistas em várias economias avançadas.
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