Notícia
1997. O sprint final para entrar no clube do euro
Em 1997, Portugal batia recordes de investimento, privatizações e valorização bolsista, com discussões profundas na área do trabalho. Mas o ano será lembrado como aquele que decidiu a entrada do país no euro.
O Negócios foi criado há 20 anos num momento de ebulição para a economia portuguesa. Num ano marcado por protestos e greves, foram lançados os alicerces de grandes obras públicas e as sementes de reformas estruturais a implementar no futuro. No entanto, a trave-mestra da história económica de 1997 foi o sprint final do país para entrar no exclusivo clube da Zona Euro.
Seria com os indicadores económicos desse primeiro ano de existência do Negócios que se decidiria a entrada de Portugal no "pelotão da frente", como dizia António Guterres. Entrar no euro era o principal desígnio desse primeiro Executivo. "Era a grande aposta do primeiro-ministro. Quase todos os dias, António Guterres pedia ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais para saber da evolução da receita de impostos", recorda Teixeira dos Santos, responsável pelo Tesouro nesse Governo. António Carlos Santos confirma. "Quase queria seguir a receita dia-a-dia", refere o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. "Tive de lhe dizer que não valia a pena" fazê-lo com essa regularidade.
A mensagem era clara: não podiam falhar. E isso significava cumprir as regras de convergência. Na vertente orçamental isso foi conseguido com uma dívida pública em torno de 55% do PIB e um défice abaixo de 3% (embora, à luz de novas regras, esteja agora registado como 3,7%). Ao controlo orçamental juntou-se um esforço diplomático junto do resto da Europa: podiam confiar em Portugal.
"É como quando encolhemos a barriga nas fotografias de casamentos. Fizemos tudo para aparecer bem no retrato, por cumprir os critérios macroeconómicos. Mas depois a barriga volta ao sítio. Foi uma fotografia do momento, mas a vida depois avança", sublinha Francisco Seixas da Costa, na altura secretário de Estado dos Assuntos Europeus.
Portugal teve de se vender à Europa, mas por esta altura já não era preciso vender a Europa a Portugal. Existia um consenso político – o PCP foi sempre a voz dissonante – e social. "A Europa já era popular antes da nossa entrada no Governo: um clube de ricos, com poucos pobres. Era fácil ser secretário de Estado dos Assuntos Europeus. Tínhamos o vento favorável da opinião pública, um ambiente muito pró-europeu na imprensa", lembra Seixas da Costa. Duas décadas depois, essa visão é um pouco mais sombria. "Havia uma dimensão de ilusão na entrada no euro. A ideia de que o euro nos ia proteger."
Recordes no investimento, bolsa e privatizações
A corrida para o euro foi marcante, mas 1997 foi fértil em muito mais temas económicos. Afinal, é por esta altura que é dado o tiro de partida nas obras do Alqueva, ao mesmo tempo que já estava a todo a gás a construção da Ponte Vasco da Gama (inaugurada no ano seguinte) e a Expo 98 ganhava forma. Este último projecto era visto como um risco no Terreiro do Paço. "Era uma preocupação orçamental", nota Teixeira dos Santos.
O investimento público desse ano foi o mais elevado das últimas duas décadas, ascendendo a 5,6% do PIB. Por comparação, no ano passado foi apenas 1,5%.
1997 foi também o ano das privatizações. EDP, Brisa e Portugal Telecom fizeram entrar mais de quatro mil milhões de euros nos cofres públicos, contribuindo para o controlo da dívida e o cumprimento dos limites de Bruxelas. Nunca os anéis do Estado renderam tanto.
Directamente relacionado com esta vaga de privatizações durante o Executivo Guterres, observou-se ainda um ambiente de euforia na Bolsa portuguesa, onde também se registou um máximo histórico: nunca o PSI-20 valorizou tanto como neste ano.
"Além do crescimento da bolsa, o processo de privatizações contribuiu também de forma decisiva para a sua consolidação, nomeadamente através do maior reconhecimento internacional o qual tem vindo a ser possibilitado pela realização de operações como as da Portugal Telecom, da Cimpor e, já no corrente ano, pela concretização do início do processo de privatização do Grupo EDP", pode ler-se no Orçamento do Estado para 1998.
Trabalhadores nas ruas
Do lado do mercado de trabalho, houve também mudanças profundas e muito polémicas. A começar pelo tempo que se passa no emprego. Nos 70 anos anteriores, o horário de trabalho semanal tinha-se fixado em 48 horas, tendo sido reduzido para 44 por Cavaco Silva, em 1991. Agora, com um Governo socialista minoritário, a exigência eram as 40 horas.
A proposta de redução foi aprovada em 1996 (com voto favorável do CDS e abstenção do PSD), mas só entraria totalmente em vigor um ano depois. Já a contestação começou logo em 1997. Em causa estava a contabilização das pausas, especialmente relevante no sector têxtil. As greves e as manifestações foram uma constante ao longo do ano. Meses antes, em declarações ao Negócios, Carvalho da Silva caracterizava este momento como "um dos três maiores combates sindicais e sócio-laborais dos últimos vinte anos".
Por esta altura começaram a entrar no debate alguns temas que se estendem até hoje, como é o caso da necessidade (ou não) de flexibilizar as regras do mercado de trabalho e de garantir a sustentabilidade da Segurança Social. Foi em 97 que se elaborou o Livro Branco da Segurança Social (publicado em Janeiro de 98), que lançaria as sementes das reformas executadas na década seguinte. Foi ainda o ano da introdução de prestações sociais históricas, como o Rendimento Mínimo Garantido.
"Foi um período muito intenso de debate de questões estruturantes sobre como seria a nossa vida no euro. Havia um grande entusiasmo e optimismo. Tudo parecia que ia melhorar", refere Paulo Pedroso, que haveria de ser nomeado secretário de Estado do Emprego dois dias depois do lançamento do Negócios.
"Estávamos a recuperar de um pico de desemprego e o emprego estava a começar a crescer", acrescenta. De facto, o desemprego tinha subido nos quatro anos anteriores e inicia em 1997 uma descida que o colocaria perto de 4% no final do segundo Executivo Guterres.
"Durante dois anos tivemos um estado de graça estranho, até na comunicação social. Havia uma exaustão do cavaquismo. Tínhamos a sensação de que tudo era possível", diz Seixas da Costa.
O contraste é óbvio com os dias que vivemos hoje. Os últimos dez anos colocaram o país a navegar à vista, com os governos a apagarem fogos atrás de fogos desde a crise financeira de 2008. Em 1997 havia entusiasmo em torno da ideia de que se estava a construir algo, mesmo que a estagnação e a crise económica tenham constituído um duro teste de realidade para as expectativas mais optimistas sobre Portugal e o euro. Se alguém consegue notar as diferenças é Teixeira dos Santos, que viveu de perto ambas as situações. "Nessa altura, havia num sentido de mobilização para uma causa que nos motivava, que era empolgante e nos dava ânimo", recorda. Nos maus momentos, o objectivo passa muitas vezes apenas pelo controlo de danos. "Na gestão de uma crise estamos comprometidos, mas o cenário não é cor-de-rosa. Pode ficar-se satisfeito, mas não se retira satisfação."
Como Portugal mudou nos últimos 20 anos?
Portugal é um país diferente do que era em 1997. A entrada no euro e a crise económica marcaram o percurso do país, com um crescimento económico desapontante, uma montanha de desemprego e uma dívida pública muito maior, mas uma população mais qualificada.
Que acontecimentos económicos marcaram 1997?
Foi um ano em constante ebulição, pelo menos no que diz respeito a temas económicos. Grandes obras, privatizações, bolsa eufórica, greves, reduções de horário de trabalho e, claro, a entrada na Zona Euro.
Entrada de Portugal na Zona Euro
Foi o tema económico mais marcante de 1997. Seria com os indicadores desse ano que se decidiria a entrada de Portugal na moeda única. António Guterres definiu-o como um objectivo claro do Governo e grande parte dos esforços do Executivo estavam focados em alcançá-lo.
Grandes obras públicas no terreno
Depois de muitos anos, o Alqueva começou a dar os primeiros passos, a Expo 98 entrava na recta final e a Ponte Vasco da Gama estava perto de ser inaugurada. No espaço de duas décadas, nunca um Governo investiu tanto num só ano.
Vaga de privatizações e euforia na bola
Os dois acontecimentos estão relacionados. 1997 também constituiu um ano recorde para a venda de activos do Estado o que, por sua vez, alimentou um clima de grande entusiasmo nos mercados de capitais. Nunca o PSI-20 voltaria a ganhar tanto num só ano.
Introdução das 40 horas no privado
Os trabalhadores viram as suas reivindicações satisfeitas com a redução do horário de trabalho para as 40h semanais. Ainda assim, devido a um problema com a contabilização das pausas, o ano foi marcado por muitos protestos, principalmente no têxtil. Este ano trouxe também a elaboração do Livro Branco da Segurança Social e a criação do Rendimento Mínimo Garantido.