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"A biodiversidade existe, mas sabemos pouco sobre ela"

Manuel Abreu, responsável pela Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar, diz que ainda não há dados suficientes para perceber qual é a sensibilidade dos organismos vivos às alterações climáticas

03 de Junho de 2011 às 10:41
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A biodiversidade existe, mas ainda se sabe pouco, de facto, acerca dela. O desenvolvimento de um sistema de informação avançado pela Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar tem contribuído para recolher um número elevado de amostras e dados e elevado o conhecimento sobre o oceano e as suas espécies. Manuel Abreu, o seu responsável, salienta que só a campanha nas Ilhas Selvagens multiplicou por 100 o conhecimento que existia sobre aquela região. Mais campanhas estão previstas com trabalho intenso em áreas específicas.

Quais têm sido os principais efeitos das alterações climáticas e do aquecimento global na biodiversidade do planeta?
Aquilo que tem sido observado é uma alteração das quantidades e distribuição da biodiversidade, que podem levar à extinção de algumas espécies. Mas a maior parte das áreas nunca foram estudadas, em particular no mar, que conheço melhor. Por isso, não sei se podemos partir do princípio que há zonas extraordinariamente afectadas, porque não há um ponto de partida conhecido que nos permita avaliar a evolução.

Há situações que conseguimos inferir sobre a biodiversidade que existiu, porque há testemunhos encontrados no terreno que mostram que era muito diferente da actual, mais rica ou menos rica. Mas, de facto, não sabemos qual é o verdadeiro impacto das alterações climáticas e do aquecimento global na biodiversidade.

Em termos globais, o que é que tem sido feito para minorar ou superar o problema?
Há uma série de precauções a ser levadas a cabo. Também iniciativas ligadas ao conhecimento, que está a ser adquirido hoje e terá resultados positivos para a preservação da biodiversidade daqui a algum tempo.

São acções que estão também a ser realizadas em Portugal. O país está mesmo a ser reconhecido, em termos globais, por estar a liderar, através do projecto de extensão da plataforma Continental portuguesa, acções para aumentar e melhorar o conhecimento do mar e preservar a sua biodiversidade. É, por isso, como somos líderes mundiais nesta área.

Tem-se dado mais atenção aos problemas da biodiversidade terrestre em relação ao que se passa na água, em particular nos oceanos? Será que a sua real importância ainda está por descobrir?
Isso é verdade por uma razão muito simples: é mais fácil andar em terra do que no mar. No entanto, em Portugal temos, por exemplo, o M@rbis - Sistema de Informação para a Biodiversidade Marinha, associado ao Sistema de Informação para a Biodiversidade da Europa (BISE), onde estão a ser introduzidos dados. Vai contar em breve com o apoio de colaboradores como o pessoal da Guarda Nacional Republicana, que vai ser formado por nós, para observar a biodiversidade na zona das suas patrulhas ao longo das praias. São iniciativas que vão ser muito importantes para aumentarmos o nosso conhecimento e que terão consequências positivas.

O que é que tem sido acrescentado pelas várias missões da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental Portuguesa em termos do avanço da biodiversidade marinha?
Um deles é a concretização prática do sistema de informação que apoia a decisão. Pela sua natureza, é pioneiro e reconhecido internacionalmente como muito avançado. Por isso, já tivemos contactos de outros países europeus, como a Alemanha, para ser adoptado como suporte de um conjunto de acções que a União Europeia está a realizar no seu território e fora.

Para além do sistema de informação, os avanços resultam da recolha de amostras e dados durante as missões incluídas no processo de extensão da plataforma continental portuguesa. Para se aferir do contributo do programa basta referir que a campanha das Ilhas Selvagens aumentou o conhecimento daquelas áreas quase cem vezes, um valor muito significativo. O programa vai continuar através de campanhas intensivas em determinadas áreas, onde for mais necessário.

Já foram encontradas novas espécies?
Há novas espécies e um conjunto de outras que, não o sendo, são novas para determinados locais. Há também uma série de promessas, amostras que foram recolhidas e que ainda hoje não sabemos o que são. É o caso de cerca de 70 peixes de profundidade recolhidos quando fizemos o cruzeiro num barco Meteor, que ainda não foram identificados. Independentemente de serem ou não novas espécies, é conhecimento novo que foi adquirido.

Qual é a importância da biodiversidade para o planeta? E para o homem em particular?
O conhecimento da biodiversidade dá-nos também o conhecimento do que é a vida. A partir dele percebemos melhor a forma como nos devemos comportar no planeta para o manter.

Temos também muito a beneficiar com tudo aquilo que pode ser o novo conhecimento de moléculas, que pode levar à descoberta de novos fármacos para a melhoria das condições de vida, por exemplo.

Para além deste aspecto simples ligado à saúde, há outros que podem ser promotores de desenvolvimentos industriais, porque tudo o que for sendo descoberto pode levar à transformação de processos de fabrico ou à criação de novos produtos alimentares. A sua importância económica, social e cultural, são aspectos muito importantes no processo de conhecimento da biodiversidade.

A biodiversidade está relacionada com evolução e adaptação. Ou seja, há sempre espécies em extinção e a possibilidade de surgirem novas espécies. Ou não é esse o caso?
É esse o caso, e é aquilo que temos estado a observar. Como eu disse, se há espécies que não conhecemos, há outras que conhecemos e estamos, pela primeira, vez, a descobrir associadas a determinados locais.

Há situações em que descobrimos a espécie ou a encontrámos no terceiro ano de visita ao local. Agora há que perceber se realmente a encontrámos por acaso, se ela passou a estar lá ou se já existia anteriormente. Isto só pode ser feito com a continuação dos estudos que estamos a levar a cabo.

Perante o cenário previsto de aumento de 2º C na temperatura média até 2050 pela Agência Internacional de Energia, não seria bom criar um banco de genes para assegurar a biodiversidade?
Essa ideia existe e há quem já esteja a fazer a recolha e a criar esse banco. Eu penso que isso é fundamental. Mas ainda não há dados suficientes para perceber qual é a sensibilidade dos organismos vivos à alteração da temperatura.

Muitas vezes associamos determinadas ocorrências apenas a alterações das características físicas dos sistema. Mas estas também mudam quando as condições de observação se alteram.

Ou seja, nós classificávamos determinadas áreas e atribuíamos determinadas distribuições de temperatura no oceano baseados numa grelha de observações que tinha, muitas vezes, uma observação em muitas centenas de milhas marítimas. Hoje, passámos a ter uma grelha mais fina em algumas dessas zonas e a perceber que há outros sistemas e dinâmicas.

É evidente que há influência da temperatura e é com certeza importante. Mas é preciso percebê-la. Depois de ser demonstrado que a variação da temperatura tem importância no comportamento e desenvolvimento dos ecossistemas, há que tomar cuidado, pelo menos para preservar aquilo que existe.

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