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25 de Abril, 50 anos, 25 ícones

A história do 25 de Abril de 1974 também se pode contar através de ícones: da incontornável G3 ao megafone, passando pelo "V" da Vitória. Há escolhas óbvias. Outras nem tanto.
Celso Filipe 20 de Abril de 2024 às 10:00
G3
G3

A G3 era a arma mais utilizada pelo Exército português em 1974. Quem combateu na Guerra Colonial dormia com ela a seu lado e, por isso, ficou conhecida como "namorada". Foi concebida na Alemanha e G3 é o acrónimo de Gewehr 3, que significa espingarda 3. Foi a arma-símbolo do 25 de Abril, utilizada pelos militares revoltosos.

Cravo Cravo
Cravo

O cravo vermelho tornou-se o símbolo maior do 25 de Abril e de uma revolução (quase) sem sangue. Vasco Lourenço, um dos capitães que protagonizou a revolução, tem duas explicações para que o cravo se tenha tornado, por acaso, a flor icónica do movimento revolucionário. A primeira é a de que, nesse dia de 25 de Abril de 1974, um restaurante situado na Rua Braamcamp, em Lisboa, comemorava o seu primeiro aniversário e o proprietário resolveu comprar cravos vermelhos para oferecer às clientes. Com o eclodir da revolução, o patrão decidiu fechar as portas e oferecer os cravos às trabalhadoras. Uma delas, chamada Celeste, ao passar pela Avenida da Liberdade, começou a distribuir cravos aos soldados, dando uma explicação para o gesto: "desculpem, mas não tenho mais nada para vos oferecer". Os soldados optaram, então, por colocar os cravos nos canos das armas. Uma outra narrativa sugere que as vendedeiras de flores do Terreiro do Paço resolveram vitoriar os revolucionários, oferecendo-lhes cravos. A realidade é que a história de Celeste e das vendedeiras do Terreiro do Paço se fundiram, transformando esta flor na principal imagem de marca do 25 de Abril.

Megafone
Megafone

O Largo do Carmo estava repleto de populares e militares. O ambiente era tenso. No quartel, membros do Governo, incluindo o presidente do Conselho, encontravam-se sitiados e era exigida a sua rendição. A pedido dos militares, Francisco Sousa Tavares sobe a uma das guaritas situadas no exterior do quartel e, de megafone em punho, fala às massas e anuncia: "povo português, vivemos num momento histórico como desde os dias de 1640 não se vive: é a libertação da pátria." Fica para a história como o primeiro político português a falar ao povo, tendo seguido de perto as operações comandadas pelo capitão Salgueiro Maia. Na edição de 24 de abril de 1980 do jornal "A Capital", Francisco Sousa Tavares, que também foi advogado e jornalista, recordava assim esse dia: "Levada pelo sopro da liberdade, a multidão acorria e o quadro do povo expressava ali a vontade da nação contra qualquer veleidade de repressão sangrenta. Maia, audacioso e sereno, pediu-me que falasse ao povo. Fi-lo por duas vezes, uma através dos microfones dum camião da Rádio e, mais tarde, com um megafone, empoleirado na guarita da sentinela do Carmo – imagem de Épinal da Revolução em que o povo e a tropa se abraçavam para libertar a Nação." Imagem de Épinal, explica o blogue "Crónicas Portuguesa", "é uma expressão de origem francesa, aplicada a uma imagem, quando esta assume um significado ingénuo, algo que nos mostra apenas o lado bom de um acontecimento. Francisco Sousa Tavares refere-se às fotografias que lhe tiraram quando, sentado na guarita do quartel do Carmo, falava com um megafone à multidão."

Chaimite
Chaimite

Às 18.30, o chaimite "Bula" entra no Quartel do Carmo para transportar Marcello Caetano, que entretanto se rendera aos militares revoltosos, à Pontinha. O chaimite é um dos ícones do 25 de Abril. Foi comandando uma coluna de chaimites que o capitão Salgueiro Maia partiu de Santarém, na madrugada de 25 de Abril, com destino a Lisboa e com uma missão – ocupar o Terreiro do Paço. Todos os 240 homens da Escola Prática de Cavalaria de Santarém se colocam a seu lado quando ele anuncia os seus objetivos e o porquê dos mesmos "Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado: os Estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser sair, fica aqui!". O chaimite, um veículo blindado ligeiro, começou a ser produzido em 1966 e esteve operacional, em diversas versões, durante cerca de 40 anos.

O V da Vitória
O "V" da Vitória

Fernando Madaíl, jornalista, num artigo publicado a 25 de Abril de 2009 no "Diário de Notícias", escreve que o "V", desenhado com os dedos indicadores e médio, que se tornou um ícone da revolução, foi um gesto instintivo do então alferes miliciano Maia Loureiro, o qual integrava a coluna de Salgueiro Maia. O "V" tomou conta dos portugueses e acompanhava palavras de ordem como "o povo unido jamais será vencido" e "o povo está com o MFA". Maia Loureiro explica então ao "DN" o porquê do gesto: "Tive a noção que tínhamos vencido. Aquele gesto saiu-me. Não pensei no Churchill nem em nada. Foi espontâneo."

Calças à boca de sino
Calças à "boca de sino"

As calças à "boca de sino", largas na extremidade, de forma a taparem os sapatos, eram uma das imagens de marca dos jovens revolucionários e de uma determinada intelectualidade urbana. Este tipo de calças estava também associado ao fenómeno ‘hippie’, nascido nos anos 60, que proclamava a "paz e o amor".

Sede da PIDE
Sede da PIDE

A sede da PIDE, na rua António Maria Cardoso, é palco de tiroteio na tarde do 25 de Abril. Os agentes da PIDE recusam a render-se e abrem fogo sobre a multidão que cerca o edifício. Fazem quatro vítimas civis: Fernando C. Gesteira, José J. Barneto, Fernando Barreiros dos Reis e José Guilherme R. Arruda. Uma placa colocada no edifício em 1980 por um grupo de cidadãos perpetua a homenagem aos únicos quatro mortos da revolução dos cravos.

O menino, o cravo e a G3
O menino, o cravo e a G3

A imagem de um menino a colocar um cravo numa G3 é emblemática do 25 de Abril. A fotografia que deu origem ao cartaz foi feita nesse mesmo dia por Sérgio Guimarães, falecido em 1986. António Ferra, no blogue "O funcionamento de certas coisas", relata como tudo aconteceu. "Perguntei-lhe [a Sérgio Guimarães] como a tinha feito e lembro-me de ele me contar que, no dia 25, pegou no filho do Pedro Bandeira Freire, que na altura teria dois ou três anos, e foi com ele ao aeroporto da Portela para fazer a célebre fotografia. Pediu a três soldados da Marinha, da Força Aérea e do Exército para segurarem na arma, e click com a Nikon. ‘Parece que o miúdo está a colocar o cravo na G3, mas não, ele está esticado para tirar o cravo que eu lá pus em cima’".

Junta de Salvação Nacional
Junta de Salvação Nacional

A Junta de Salvação Nacional foi a designação escolhida para identificar um grupo de militares designados para assegurar o funcionamento do Estado durante um período de transição. Esta Junta era presidida por António Spínola (general do Exército) e dela faziam também parte Francisco da Costa Gomes (general do Exército), Jaime Silvério Marques (brigadeiro do Exército), Manuel Diogo Neto (general da Força Aérea ausente em Moçambique), Carlos Galvão de Melo (coronel da Força Aérea), José Baptista Pinheiro de Azevedo (capitão de mar e guerra) e António Rosa Coutinho (capitão de fragata). António Spínola foi nomeado Presidente da República a 15 de maio e, em 11 de março de 1975, a Junta foi extinta, tendo sido substituída pelo Conselho da Revolução.

Posto de Comando do MFA
Posto de Comando do MFA

O Posto de Comando do MFA, instalado no Regimento de Engenharia 1, na Pontinha, foi o centro de coordenação da revolução. Neste posto encontravam-se o major Otelo Saraiva de Carvalho, o capitão-tenente Vítor Crespo, o major Sanches Osório, o tenente-coronel Garcia dos Santos e o tenente-coronel Fisher Lopes Pires. Mais tarde, juntar-se-ia a este grupo, vindo de Tomar, o major Hugo dos Santos. O capitão Luís Macedo, oficial da unidade, garantia a segurança do Posto de Comando, ao qual o major José Maria Azevedo dava apoio.

Murais
Murais

Os murais eternizaram-se como um elemento iconográfico do 25 de Abril de 1974, utilizado pelos partidos de esquerda e extrema-esquerda para promoverem o ideal revolucionário e o conceito de uma sociedade sem classes. Alastraram-se pelas paredes de todo o país, constituindo-se como uma forma de manifestação artística. O mural pintado na Avenida de Ceuta, em Lisboa, com palavras de ordem como "o sol brilhará para todos nós", "a terra a quem a trabalha" e "junta-te a nós camaradas" é um dos mais representativos dessa época.

Autocolantes
Autocolantes

Logo após o 25 de Abril, os autocolantes multiplicaram-se. Colados ao peito dos portugueses, identificavam as suas preferências políticas ou remetiam para mensagens fortes como "o povo unido jamais será vencido", "a reação não passará" ou "fascismo nunca mais". Eram produzidos por partidos políticos, associações de amizade, sindicatos e muitos outros tipos de organização.

Definitivos, Provisórios e Quinas
Definitivos, Provisórios e Quinas

Nos idos de 1974, duas marcas de tabaco faziam escola. Por não terem filtro e serem mais baratas. Os maços de cigarros Provisórios e Definitivos, preferencialmente consumidos pelos operários, foram também adotados pela intelectualidade revolucionária. Os cigarros eram acendidos com caixa ou carteiras de fósforos da marca Quinas.

Rádio Philips
Rádio Philips

Aparelho onde os militares que estavam no posto de comando da Pontinha acompanhavam as transmissões radiofónicas, o primeiro suporte de divulgação dos seus comunicados. Estes rádios, a válvulas, captam frequências em onda média e onda curta. Hoje, o FM (frequência modelada) é o método de transmissão mais usado pelas estações de rádio.

Rolo Fotográfico
Rolo Fotográfico

As câmaras fotográficas digitais pertenciam ao domínio da imaginação. As máquinas estavam equipadas com rolos, habitualmente com capacidade para registarem 24 ou 36 imagens. Os rolos eram depois revelados e só então se podiam visualizar as fotografias. Os repórteres fotográficos que captaram as mais icónicas imagens do 25 de Abril foram Eduardo Gageiro, Alfredo Cunha, Rui Ochôa, Bruno Neves e Inácio Ludgero.

Largo do Carmo
Largo do Carmo

Lugar simbólico do 25 de Abril. O largo permanece inalterado no plano arquitetónico. Foi no quartel localizado neste largo que o então presidente do Conselho, Marcello Caetano, se refugiou. E foi aqui que os populares se aglomeraram para vitoriar a revolução.

Programa do MFA Carregue na imagem para ver o Programa na íntegra

Programa do MFA

As bases programáticas do MFA foram redefinidas num documento que começou a circular a 5 de março de 1974. O programa assentava em três conceitos-chave: democratizar, descolonizar, desenvolver. O documento estava estruturado em três pilares: medidas imediatas, medidas a curto prazo, considerações finais. "O sistema político vigente não conseguiu definir, concreta e objetivamente, uma política ultramarina que conduza à paz entre os portugueses de todas as raças e credos", constata o MFA, acrescentando que "a definição daquela política só é possível com o saneamento da atual política interna e das instituições, tornando-as, pela via democrática, indiscutidas representantes do Povo Português".

Cassetes
Cassetes

Mais baratas do que os discos de vinil, as cassetes tornaram-se o formato preferido para gravar ou reproduzir música. Existiam no mercado cassetes de 30, 45, 60, 90 ou 120 minutos. Juntamente como os gravadores/leitores portáteis de cassetes, permitiam que a música fosse escutada em qualquer lugar.

Fernando Salgueiro Maia
Fernando Salgueiro Maia

O capitão Fernando José Salgueiro Maia liderou a coluna de blindados que, vinda de Santarém, fez cerco aos ministérios do Terreiro do Paço. Mais tarde, no quartel do Carmo, forçou a rendição de Marcello Caetano. É o rosto principal da história feita de imagens desse dia 25 de Abril.

Televisão
Televisão

O relógio Omega Memomatic, que patrocinava os espaços informativos da RTP, marca 18h40 quando Fernando Balsinha surge no ar para noticiar a revolução. O ponto da situação é feito, logo de imediato, por José Fialho Gouveia. Após cerca de quatro minutos de emissão, Fernando Balsinha anuncia que a RTP vai transmitir, de seguida, a sinfonia nº 3 de Beethoven e que a informação voltará de seguida. O Telejornal regressará às 21h30, outra vez protagonizado por Fernando Balsinha e Fialho Gouveia, com informação mais detalhada sobre o dia. Os estúdios da RTP no Lumiar haviam sido ocupados às 03h25 do dia 25 de Abril.

Rádio
Rádio

Meio de comunicação utilizado pelos revoltosos para desencadearem a revolução. A primeira senha foi emitida nos Emissores Associados de Lisboa. Faltavam cinco minutos para as 23 horas quando João Paulo Dinis pôs a tocar a canção "E depois do adeus", de Paulo de Carvalho. A segunda senha passou na Rádio Renascença, sob a forma de uma música, "Grândola Vila Morena", posta a tocar à meia-noite e vinte por Manuel Tomás, no programa "Limite". É também através da rádio que são emitidos os primeiros comunicados do MFA.

Sud-Express
Sud-Express

A 27 de abril, o líder socialista, Mário Soares, embarca em Paris no Sud-Express, com destino a Lisboa, onde chega um dia depois. Acompanham-no os dirigentes socialistas Fernando Oneto, Tito de Morais e Francisco Ramos da Costa. O Sud-Express, comboio que havia transportado muito emigrantes portugueses com destino a França, ganhou então o epíteto de "comboio da liberdade". As imagens de Mário Soares à chegada a Santa Apolónia tornaram-se iconográficas. A 17 de março de 2020, os comboios Sud-Express circularam pela última vez devido à pandemia de covid-19.

Música de intervenção
Música de intervenção

Canções de pendor social e político que, antes do 25 de Abril, eram arma de resistência e, depois dele, se transformaram em bandeiras de liberdade. Luís Cília, José Afonso, José Barata-Moura, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Brigada Victor Jara ou Fernando Tordo, entre muitos, eternizaram em música esse período da História de Portugal. "A Cantiga é uma Arma", canção gravada pelo Grupo de Ação Cultural, é uma das memórias vivas de então. "A cantiga é uma arma/eu não sabia/tudo depende da bala/e da pontaria/tudo depende da raiva/e da alegria/a cantiga é uma arma/de pontaria".

Palavras de ordem
Palavras de ordem

Depois do 25 de Abril, as manifestações tornaram-se recorrentes e palavras de ordem como "o povo unido jamais será mais vencido", "o povo está com o MFA", "nem mais um soldado para as colónias", "a terra a quem a trabalha", "fascismo nunca mais, 25 de Abril sempre" eram das mais gritadas pelos portugueses.

Prisão de Caxias
Prisão de Caxias

A 26 de abril, os presos políticos são libertados da prisão de Caxias, em Oeiras. Uma multidão espera-os cá fora. As imagens desses momentos ficaram para a posteridade. Ter opinião e expressá-la em liberdade deixou-se de ser crime. Mais tarde, foram também libertados os presos políticos que estavam em Peniche e no Tarrafal, ilha de Santiago, Cabo Verde.








Reedição de texto publicado inicialmente no Jornal de Negócios a 24 de abril de 2014 Fotografia Alexandra Silva, Arquivo Histórico da Presidência da República, Lusa, Mariline Alves, Pexels, Direitos Reservados | Pesquisa de Imagem Ana Sofia Pinto | Edição de Imagem Bernardo Franco | Web Design David Vinagre | Coordenação Catarina Cruz

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