As verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) são fundamentais para ajudar a resolver a atual crise da habitação em Portugal. No entanto, os valores que lhe estão destinados podem não ser suficientes para resolver este problema.
"Considerando o contexto e as necessidades habitacionais em Portugal, os 2,7 mil milhões de euros alocados ao setor da habitação no PRR – Plano de Recuperação e Resiliência podem ser vistos como um montante insuficiente para enfrentar os desafios atuais." Quem o diz é Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), quando questionado se o valor do PRR destinado à habitação era suficiente. E prossegue: "Se o Estado conseguir construir casas com 70 m2 a 140 mil euros, como mencionado, esse valor poderá não ser suficiente para atender às necessidades habitacionais urgentes. Por exemplo, se considerarmos o custo médio de construção de uma casa como 140 mil euros e o objetivo for fornecer habitação para os 26 mil agregados familiares identificados como urgentes, seria necessário um investimento significativamente superior aos 2,7 mil milhões de euros disponíveis."
Ou seja, os fundos do PRR representam "um passo na direção certa" para resolver a crise habitacional, mas é provável que "mais investimentos sejam necessários" para se ultrapassar este problema no nosso país. "O aumento dos fundos alocados para o setor habitacional permitiria uma resposta mais robusta, abordando não apenas a construção de novas habitações, mas também a reabilitação de áreas urbanas e a promoção de soluções inovadoras para garantir acesso à habitação a preços acessíveis", explica o responsável da APEMIP.
Já Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), diz que "está prevista a construção de 26 mil casas, ora, conhecendo a crise de habitação que se faz sentir em Portugal, é também sabido que este número de imóveis não será suficiente". "Aqui é mais uma vez importante referir que será vital para a solução contar com o privado", afirma.
Pouco impacto
Em relação ao impacto direto que o PRR teve em 2023 no setor imobiliário, não parece ter sido significativo. Essa ausência de impacto pode ser atribuída a vários fatores. Paulo Caiado explica quais: "Primeiro, a implementação de projetos de grande escala, como os previstos no PRR, é um processo complexo que pode demorar tempo significativo desde a conceção até à execução efetiva. Além disso, as questões relacionadas com a coordenação entre diferentes entidades governamentais, a alocação de recursos e a aprovação de projetos também podem ter contribuído para o atraso na materialização dos efeitos do PRR no setor imobiliário."
O responsável da APEMIP sublinha também ser importante notar que o PRR aborda "uma ampla gama de áreas e setores além do imobiliário, e os efeitos tangíveis podem manifestar-se de maneira gradual ao longo do tempo". Conforme os projetos contemplados pelo PRR avançam e se implementam, "é esperado que o setor imobiliário comece a sentir os impactos, seja através de investimentos em infraestrutura, reabilitação urbana ou outras iniciativas relacionadas".
Pelo exposto, percebe-se que a entrega de verbas do PRR ao setor no decorrer do ano passado não foi rápida nem sentida.
"Estes processos são habitualmente morosos, pois envolvem complexidade e diversas entidades, que têm de estar coordenadas. O tempo significativo desde a conceção até à execução não é habitualmente célere e esse é talvez um dos motivos pelos quais não foi, até ao momento, sentido o impacto desta iniciativa", explica o presidente da APEMIP.
Por sua vez, Hugo Santos Ferreira, da APPII, afirma que "o PRR não teve até ao momento qualquer impacto no setor imobiliário, não foi disponibilizado nem um cêntimo".
Para este ano...
O impacto que o PRR teve no setor imobiliário no ano passado foi reduzido ou inexistente, consoante a opinião de cada perito. E como vai ser em 2024? Quais as previsões? Para este ano, espera-se que a execução contínua dos projetos e investimentos planeados no âmbito do PRR "comece a gerar um impacto mais evidente no mercado imobiliário", vaticina Paulo Caiado.
"Com a implementação progressiva de iniciativas destinadas à construção de novas habitações, reabilitação urbana e modernização da infraestrutura, é provável que haja um impulso significativo na atividade do setor imobiliário", refere o presidente da APEMIP, acrescentando que o Plano tem o potencial de "estimular a procura por habitação, promover o desenvolvimento urbano sustentável e impulsionar investimentos em áreas urbanas em todo o país". No entanto, prossegue, "é importante acompanhar de perto o progresso e a eficácia das iniciativas do PRR ao longo do ano". "Questões como a execução eficiente dos projetos, a alocação adequada de recursos e a coordenação entre diferentes entidades governamentais serão determinantes para o sucesso do PRR no setor imobiliário e na economia, como um todo", assegura.
Portanto, embora as perspetivas para este ano "sejam positivas", é obrigatório manter uma vigilância ativa sobre o desenrolar das iniciativas do PRR e as repercussões no mercado imobiliário português. "A análise contínua desses fatores permitirá ajustar as previsões e as estratégias conforme necessário, garantindo assim um desenvolvimento sustentável e equitativo do setor imobiliário em Portugal", conclui Paulo Caiado.
Quanto a Hugo Santos Ferreira, da APPII, está a aguardar. "Resta-nos esperar para perceber como vão ser executados os fundos, mas, como referi, só conseguiremos solucionar de forma plena o problema de acesso à habitação que vivemos no nosso país, se contarmos com os privados", sublinha, prosseguindo: "Eles terão a capacidade, com o contexto adequado, de ser parte da solução e de construir mais casas acessíveis a todos os portugueses."
Estão as empresas imobiliárias em risco?
A incerteza que se vive no atual mercado imobiliário poderá deixar dúvidas sobre o futuro deste setor. Assim, questiona-se: será que esta volatilidade põe em risco as empresas imobiliárias?
"Sim, absolutamente!", responde Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII). Segundo o responsável desta associação, neste momento, em termos de investimento imobiliário, e após o anúncio do Pacote Mais Habitação "houve claramente um recuo". "Os investidores perderam a confiança de investir em Portugal, o que tem vindo a contrair a atividade das empresas deste setor. De salientar que no último ano sentimos um abrandamento do mercado imobiliário, houve menos transações, com enfoque em particular no último trimestre." Hugo Santos Ferreira aponta um ligeiro abrandamento do lado da procura, o que não significa que "as pessoas tenham deixado de necessitar de uma casa para morar, simplesmente, não as encontram a preços que possam pagar". "Isto porque com a subida dos juros houve uma franja da população que deixou de conseguir ter meios para pedir ou suportar empréstimos e que se deslocou para o mercado de arrendamento, criando ainda mais pressão. Tal facto vai naturalmente impactar negativamente as empresas do setor", afiança.
Por sua vez, Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), diz que o mercado imobiliário é caracterizado "pela sua estabilidade e é possível perceber isto numa simples análise histórica dos últimos 70 anos, na qual apenas em dois momentos – abril de 1974 e em 2010 – registaram uma redução transversal e generalizada dos valores das casas".
Para Paulo Caiado, o mercado imobiliário é "um dos mais estáveis que existem e essa estabilidade é em grande parte responsável pela valorização dos imóveis". Porém é imperativo que "as empresas imobiliárias se profissionalizem cada vez mais para enfrentar os desafios do mercado" e seria fundamental que "a legislação acompanhasse esse imperativo".