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A queda de um império

Joseph Roth, nome maior da literatura austríaca do século XX, é agora recuperado em Portugal através da edição da sua obra-prima, “A Marcha de Radetzky”.

19 de Maio de 2018 às 17:00
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Joseph Roth
A Marcha de Radetsky
Vega, 288 páginas, 2018

Na escrita de Joseph Roth, há realismo e claridade. E muitas vezes as suas frases são metáforas inesperadas. Este notável romancista austríaco, que mostrou todo o seu talento nas décadas de 1920 e 1930, evidenciou-se pelos detalhes e imagens. Há quem compare a sua prosa à do grande poeta russo Osip Mandelstam, no seu grau tanto de abstracção como de capacidade de ver certeiro. O seu grau de magia criativa pode ser encontrado em todas as suas novelas, desde "The Spider's Web" (1923) até à última, "The String of Pearls" (publicada em 1939, mas escrita entre 1936-37).

"Hotel Savoy" (1924) é talvez o início a sua fase madura e conta-nos a história de Gabriel Dan que, depois de ter estado num campo de concentração na Sibéria, após a guerra, vai residir para o enorme Hotel Savoy, cheio de refugiados de guerra. As metáforas estão sempre lá: "O meu quarto - um dos mais baratos - fica no sexto andar, número 703. Gosto do número - sou supersticioso com eles - e o zero do meio é como uma senhora ladeada por dois senhores, um mais velho, outro mais novo".

Tal como Karl Kraus fora um mestre na arte dos folhetins, pequenas obras de ficção, Roth seguiu essa lógica que se pode ver nalguns dos seus romances. Era uma das fórmulas típicas da criação literária de Viena nessa altura. Aí, Roth aprendeu o valor de cada frase, fazendo com que tivesse uma energia superior. Por isso mesmo os aforismos e as metáforas ganham aqui também grande sentido, tal como sucede nos livros de Roth. E isso é igualmente muito visível naquela que é a sua obra-prima, "A Marcha de Radetzky". Cada frase é uma explosão de significado e cor. Quando se chega quase ao final do livro, há uma que exemplifica isso mesmo: "A chuva, fina e incansável envolvia o Palácio de Schonbrunn, como o manicómio de Steinhof."

Tudo se assemelha ao fim: da família, do imperador, do Império Austro-Húngaro. As três gerações da mesma família que aqui seguimos, na sua dissolução, simbolizam as do império, também ele a rumar à sua insolvência política e geográfica. O destino da família Trotta é paralelo à do imperador Francisco José: tudo caminha para o seu fim: "O senhor Von Trotta foi pela avenida, a mesma avenida que há muito, muito tempo, percorrera para a audiência secreta sobre o caso do filho. O filho tinha morrido. E também o Imperador estava a morrer. E, pela primeira vez desde que o senhor Von Trotta havia recebido a notícia da morte, achou que sabia que o filho não morrera por acaso. O imperador não podia sobreviver aos Trottas, pensou o comissário distrital. Eles tinham-no salvo, e ele não ia sobreviver aos Trottas."

É o fim de um tempo que Roth, com brilhantismo, descreve. Recorde-se que Joseph Roth nasceu em 1894, nas margens do império, numa parte que agora pertence à Ucrânia. É uma sensação de desintegração. Afinal, Joseph Radetzky, um veterano de várias batalhas das guerras napoleónicas, foi uma das glórias do império. O seu sucesso, ele que foi chefe dos exércitos do império, foi tal que só ocasionalmente ganhou uma batalha. Depois da sua morte vieram os dias terríveis: a Áustria foi derrotada por Napoleão, por Bismack, e finalmente pela I Guerra Mundial. Aqui, os grandes acontecimentos reflectem apenas a vida das personagens, a dos três Trottas que seguiram o imperador, apesar das suas limitações. Tudo rumo ao fim de uma era.



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