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Vai um lote de lagar ou de campo?

Longe vai o tempo em que não tínhamos direito a conhecer as variedades de azeitona dos azeites. Hoje, até temos produtores que desafiam os consumidores com jogos de lote. Fantástico.

16 de Setembro de 2017 às 13:00
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Os dois azeites têm as notas típicas de Trás-os-Montes, explorando muito bem o capítulo da harmonia entre aromas e sabores (isso é fundamental). Eu gosto um bocadinho mais do Caixeiro Origens DOP (€10) do que do Caixeiro DOP (€13/€14), mas isso deve ser porque, no vinho e no azeite, acho piada ao conceito de lote de campo.   

Fixemos dois aspectos fundamentais da olivicultura por comparação com a viticultura. Primeiro, se o vinho se faz com castas, o azeite segue a mesma regra. Só que, neste universo, em vez de castas falamos de variedades de azeitona ou – na gíria – de cultivares. As quantidades é que variam. E muito. Se em produção vitícola existem por cá umas 200 castas, no caso do azeite falaremos de 30 cultivares (mais coisa menos coisa, até porque há muitas árvores que ninguém consegue identificar nos olivais velhos).

Segundo aspecto. Se a maioria dos vinhos modernos resulta da fermentação em separado das castas (que depois serão reunidas em diferentes percentagens para a feitura do vinho final), vinhos há que nascem da fermentação em simultâneo de um conjunto de castas no lagar ou nas cubas – tipo tudo ao molho e fé em deus. No primeiro caso falamos de "vinificação em separado", no segundo falamos em "field blend" ou, traduzindo, lote de campo. E, para o que nos interessa hoje, certos olivicultores seguem os mesmos processos produtivos. 

Agora, o que é mais raro é darmos de caras com um olivicultor que faz as duas coisas em simultâneo: um azeite de lote feito no lagar e um azeite de lote do campo. Ele é Edgar Morais e a marca é Caixeiro.

Isto acontece assim porque o jovem Edgar é um agricultor um bocadinho fora da caixa. Exigente e visionário. Nos azeites, como noutros produtos transmontanos que comercializa com dois amigos na empresa Soresa (castanha, amêndoas e góji), revela um cuidado minucioso nos aspectos de produção, na imagem de marca que transforma qualquer produto numa peça de design e na colocação de tudo isto em mercados externos que garantam boas margens.

Há muitos jovens agricultores no país com produções de excelente qualidade, mas que ora falham na captação dos mercados, ora descuram os aspectos comunicacionais. Nesse sentido, os três sócios da empresa Soresa (os outros são Daniel Lopes e André Teixeira) deveriam ser convidados por associações empresarias ou câmaras municipais para explicar por todo país o "modus operandi" da Soresa.

Mais ainda. Creio, realisticamente, que outros pequenos produtores de Trás-os-Montes poderiam considerar prescindir de marcas suas com produções baixíssimas para dar maior escala a um projecto comum como a Soresa. Ganhariam todos muito mais.
O exemplo – de novo, no vinho – da Lavradores de Feitoria, no Douro, deveria merecer reflexão por parte do sector em Trás-os-Montes. E não só. Mas isso, enfim, são as tais contas de outro rosário.

Regressemos então ao azeite para explicar que a garrafa preta Caixeiro DOP Trás-os-Montes resulta da laboração das variedades de azeitonas em separado (Cobrançosa, Verdeal e Madural), enquanto a garrafa branca Caixeiro DOP Origens reúne o tal lote de campo, com as mesmas variedades e outras desconhecidas.

Se ambos apresentam as notas típicas de um azeite transmontano, o Origens é uma espécie de aventura porque, ao contrário do azeite que está na garrafa preta (muito bem loteado no lagar pelo mestre Francisco Pavão), é sempre uma incógnita porque a variabilidade climática dá, todos anos, quantidades e qualidades diferenciados das três castas principais. Neste sentido, é sempre uma surpresa. E isso é fundamental quando falamos de produtos naturais.

Claro está que a qualidade dos dois azeites se deve em grande parte ao tempo muito curto entre a apanha da azeitona e a extracção. De acordo com o produtor, a média são quatro horas. O que significa que Edgar Morais faz várias viagens por dia entre o seu olival em Valpaços e o lagar da Casa de Santo Amaro, em Mirandela. Quando, em Portugal, já se atiram foguetes pelo facto de as azeitonas serem laboradas num prazo de 24 horas, é fácil reconhecermos a cultura de exigência do produtor do Caixeiro.    
          
O designer que vive hoje da agricultura pretendeu, de alguma forma, homenagear um bisavó que dedicou a sua vida a intermediar mercadorias entre o Porto e Trás-os-Montes – daí o nome Caixeiro. A dada altura, ficou com um terreno de olival como meio de pagamento de um negócio qualquer, começando a partir daí a aumentar consideravelmente a área agrícola. Partilhas sucessivas em famílias extensas fez com que Edgar seja hoje herdeiro de 18 hectares. E, atendendo ao sucesso do Caixeiro pelo mundo fora, Manuel Morais ficaria orgulhoso do bisneto.
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