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Pesca ilegal no Tejo rende milhões a redes mafiosas

Amêijoa-japónica, corvina e, sobretudo, meixão, fazem parte de negociatas que geram milhões de euros, mas que também contrariam as leis de proteção das espécies, que fomentam a utilização de mão-de-obra clandestina e que defraudam o Estado, que não vê um só cêntimo. As máfias deste setor estendem-se de Portugal a Espanha, à Polónia e até à China
José Bento Amaro e Mariline Alves - Fotografia 13 de Janeiro de 2024 às 11:00

Em 2023, saíram diariamente do rio Tejo cerca de sete toneladas de amêijoa-japonesa, o que perfaz um total de aproximadamente 2.550 toneladas. Destas, de acordo com a Polícia Marítima, terão sido apreendidas cerca de dez toneladas. Uma percentagem ínfima de um negócio ilegal que já extravasa a fronteira e que até já foi referenciado na Polónia.

 

O negócio da apanha e venda da amêijoa no Tejo tem a particularidade de não fazer reverter um só cêntimo para o Estado. É uma ou a mais rentável de todas as atividades que se fazem ilegalmente naquele curso de água e que é explorada, de acordo com os investigadores contactados pelo Negócios, por "máfias". A amêijoa, que é vendida para países como a Espanha, França, Itália, Países Baixos ou Polónia, não é, no entanto, caso único. Há também redes organizadas que se dedicam à captura e venda de espécies muito valiosas, como são a corvina e, sobretudo, o meixão, ao qual as comunidades piscatórias, conscientes do seu valor comercial, apelidam de "ouro do rio".

 

"Existem redes organizadas que se dedicam a estas três espécies e que movimentam todos os anos milhões de euros com a sua captura e comercialização ilegal. A amêijoa é, talvez, o caso mais visível, mas o meixão (as enguias juvenis que, devido à sua transparência, também são conhecidas por vidros) talvez seja a que mais dinheiro rende. Já a corvina requer um modo de atuação diferente, uma vez que pode ser negociada em lota", explicou uma fonte judicial conhecedora dos meandros do "mundo marginal da beira-rio".

 

Pedindo para não ser identificada, esta fonte explica que "apanhar amêijoa-japonesa no Tejo pode ser mais rentável do que traficar droga". "No tráfico de droga, a moldura penal pode acabar numa condenação mínima de oito anos, para além da apreensão de bens e diversas restrições envolvendo várias gerações de familiares. Na amêijoa, o risco é bem menor. Os materiais utilizados são apreendidos, assim como os bivalves, mas condenações, de quatro ou cinco anos, são sempre suspensas por igual período. Ainda por cima, nos tribunais, há muita gente que desconhece a gravidade deste delito. Há funcionários judiciais e até magistrados que só muito recentemente se começaram a aperceber da gravidade destes casos", disse.

 

"Não se trata apenas de estar a fugir ao Fisco, mas também de estar a alimentar a imigração ilegal, que funciona como mão de obra, e também de causar riscos graves para a saúde dos consumidores", explicou por sua vez um dos agentes fiscalizadores.

 

Mas, se apanhar e comercializar a amêijoa-japonesa é crime, então por que razão é possível observar, diariamente, centenas ou até mais de um milhar de apanhadores no Tejo, sobretudo na zona do Samouco? "Este tipo de amêijoa é uma espécie invasora que apareceu no Tejo no início da década de 2000. Pouco tempo depois houve uma grande crise laboral nos concelhos da margem Sul, nomeadamente nos de Alcochete, Barreiro, Montijo. Muitos dos desempregados viram na apanha deste bivalve uma oportunidade de fazerem as suas vidas. Também nessa altura a Câmara do Montijo terá celebrado um acordo de geminação com uma cidade romena, o que fez com que cidadãos dos dois países pudessem viajar entre eles. A Roménia não fazia então parte da União Europeia e algumas dessas pessoas aproveitaram as visitas ao Montijo para por cá ficarem ilegalmente. Esses indivíduos tomaram conhecimento da apanha da amêijoa e da sua rendibilidade. Começaram também a apanhar e a revender para portugueses", explicou uma das fontes contactadas.

 

Com o negócio a prosperar – até porque em Espanha muitos comerciantes foram alertados para este modo fácil e rápido de fazer dinheiro e começaram a comprar em Portugal –, os romenos que se haviam estabelecido no Montijo e também em Alcochete, receberam as famílias. Em breve começaram a criar circuitos comerciais. Tornaram-se recetadores e criaram estruturas próprias. Recebiam os compatriotas, que chegavam em autocarros, e ficavam-lhes com os passaportes, impedindo que estes fugissem", adiantou, em Alcochete, um dos conhecedores dos meandros desta atividade.

 

250 euros por uma cama numa pocilga

 

Carlos Alberto Silva, morador no Montijo, aponta para um conjunto de barracões que se estendem junto a uma das vedações da Base Aérea N.º 6 no Montijo. "Dormem ali às dezenas. Por vezes passo lá de bicicleta, quando ando a fazer uns passeios, e até tenho receio", diz.

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