As escolas matam a criatividade? A pergunta, provocadora, foi o ponto de partida da palestra TED Talk do pedagogo britânico sir Ken Robinson, em 2006, nos EUA. O seu discurso, cheio de sentido de humor tocou, no entanto, um tema muito sério, que se tornou a sua grande causa de vida – é preciso revolucionar o sistema de educação para que este cultive a criatividade e reconheça múltiplos tipos de inteligência.
"A minha convicção é que a criatividade é tão importante no ensino quanto a literacia e devemos tratá-las ao mesmo nível", defendeu. Robinson fazia um alerta: "Estamos a educar pessoas sem atender às suas capacidades criativas."
A crítica estendia-se a todo o mundo porque "todos os sistemas de ensino têm a mesma hierarquia nas matérias escolares. No topo estão a matemática e as línguas, depois as humanidades e, em último lugar, as artes." Este modelo de organização escolar, explicava, está a ter consequências desastrosas, a ponto de "muitas pessoas altamente talentosas, brilhantes e criativas, pensarem que não o são, porque aquilo em que eram boas na escola não era valorizado ou era mesmo estigmatizado".
O discurso de Robinson tornou-se viral e é, ainda hoje, passados 16 anos, o TED Talk mais visto de sempre, contando com quase 74 milhões de visualizações no Youtube. Se dúvidas houvesse, esta é a prova de que a educação prende a atenção de muita gente.
Há dias, na Cimeira sobre a Transformação da Educação – um dos principais eventos da 77.ª sessão da Assembleia Geral da ONU –, o secretário-geral da organização, António Guterres, salientou que a aposta na educação é o "investimento mais importante que qualquer país pode fazer". E instou os países a aumentarem o investimento nas escolas porque a educação é "transformadora de vidas, economias e sociedades".
Guterres, ele próprio um antigo professor, referiu que a pandemia veio travar os avanços num dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU – a educação de qualidade. A organização definiu a meta de até 2030 os países garantirem que "todas as meninas e meninos completam o ensino primário e secundário, que deve ser de acesso livre, equitativo e de qualidade, e que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes".
A educação sofreu fortes danos com a pandemia e "não vamos acabar com esta crise simplesmente fazendo mais do mesmo, mais rápido ou melhor", advertiu. "Agora é a hora de transformar os sistemas educacionais."
O primeiro-ministro, António Costa, também discursou na cimeira em Nova Iorque e garantiu que Portugal já está a fazer a sua parte, ao ter reforçado o currículo escolar em três pilares – competências para o século XXI, inclusão e cidadania.
Dar largas à imaginação
Neste contexto de transformação da educação, em que as chamadas "soft skills" (competências sociais e emocionais) ganham relevância, que papel tem a criatividade que Robinson, entretanto já falecido, tanto defendia? E de que forma pode ser trabalhada na sala de aula?
"É importante que as crianças sintam abertura para dar largas à sua imaginação na escola, mas também é fundamental que adquiram informação e conhecimento de forma que essa imaginação tenha algum ‘alimento’" e sirva de base para a criatividade, defende Isabel Alçada, antiga ministra da Educação.
A metodologia de trabalho na sala de aula é semelhante à de um maestro com os músicos. O professor precisa de "dar margem aos alunos para que se exprimam e explorem as suas potencialidades e, simultaneamente, se desenvolvam do ponto de vista cognitivo e afetivo, de forma a serem capazes de produzir alguma coisa nova".