A viagem era longa e assustadora. Leopoldina de Habsburgo, filha do imperador austríaco Francisco I, nunca tinha visto o mar e estava prestes a partir para o Brasil, numa viagem marítima de 80 dias. No destino, esperava-a o príncipe português D. Pedro, filho de D. João VI, com quem casou por procuração, em Viena.
A princesa, de 20 anos, chegou a 14 de agosto de 1817, ao porto de Livorno, em Itália, onde embarcou com destino ao Rio de Janeiro, para se juntar à Corte portuguesa, que partira para o Brasil em 1808, aquando da primeira invasão francesa. Com ela, seguiu uma longa comitiva que incluiu cientistas e pintores.
D. Leopoldina chegou ao Rio de Janeiro a 5 de novembro de 1817. Recebeu-a uma cidade engalanada. No dia seguinte, decorreu a cerimónia de casamento.
Um matrimónio real é uma convenção entre dois reinos e exige que se façam contas. Este, não foi exceção. O tratado de casamento de D. Pedro e D. Leopoldina, assinado em Viena em 1816 e ratificado no Rio de Janeiro em 1817, estabelecia os dotes, as questões sucessórias e também os custos com a viagem da princesa. Ficou acordado que as despesas com a deslocação desde Viena até Livorno seriam custeadas pela Coroa austríaca, e de Livorno ao Brasil, pela Coroa portuguesa.
A contabilização desta viagem está registada no conjunto documental do Erário Régio, que integra o Arquivo Histórico do Tribunal de Contas. É através dessa documentação que ficamos a saber toda a logística que implicou a travessia no Atlântico. Dois pequenos livros de contas revelam não só os bens alimentares, mas também os objetos e mobiliário que foram adquiridos, para garantir que a princesa tinha o maior conforto possível.
A descrição permite-nos ter uma ideia das refeições servidas a bordo, que incluíam chá de diversas qualidades, biscoitos, café em grão, canela e chocolate. Mas também perdizes, patos e pombos, gansos, peixe fresco e salmão salgado, ostras, frutas várias, vinhos, licores e queijo.
Os produtos mais caros foram: 7.282 canadas de vinho, no valor de 1:015$839 réis; 98 porcos vivos no valor de 1:764$000 réis; farinha de trigo, no valor de 1:224$025 réis; e 44 bois vivos no valor de 3:148$040 réis. Mas também há registos das despesas com neve, perfumes e o ordenado de dois ajudantes de copa.
A história de Portugal não se faz só de registos dos cronistas da época. Também os números nos ajudam a entender melhor os vários momentos que o país atravessou ao longo dos séculos.
A viagem da princesa austríaca é uma das muitas histórias que o Arquivo Histórico do Tribunal de Contas guarda e que agora partilha com o público em geral no livro "As histórias que as contas nos contam", uma edição conjunta com a Imprensa Nacional Casa da Moeda. A obra foi apresentada a 5 de julho, no dia em que a instituição que controla as finanças públicas completou 635 anos de existência.
Este livro, que pode ser lido integralmente no site do Tribunal de Contas, revela vários episódios da história de Portugal, "sempre a partir de um documento ou de um conjunto de documentos do arquivo histórico", que podem ser acedidos e consultados pelo leitor através de um QR Code que foi colocado junto a cada história, explica Cristina Cardoso, diretora do Arquivo Histórico do Tribunal de Contas.