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Guerra de tubarões

As medidas anti-imigração de Trump levantaram um coro de protestos nas grandes empresas, que não querem ser condicionadas na escolha dos seus trabalhadores e temem consequências nas vendas dos seus produtos. Além de apoiarem as acções legais para travar o Presidente, estão também a usar outra “arma” – a publicidade.

Joshua Roberts/Reuters
10 de Fevereiro de 2017 às 11:12
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No domingo, os americanos pararam em frente ao televisor para ver o evento desportivo mais importante do ano nos Estados Unidos - o Super Bowl. A final do campeonato de futebol americano é uma autêntica campeã de audiências e, por isso, um momento alto para a publicidade. Este ano, um "spot" de 30 segundos custou, em média, cinco milhões de dólares (4,6 milhões de euros). Normalmente, são anúncios divertidos ou baseados nos valores ligados ao amor, mas este ano tudo foi diferente. A política chegou ao Super Bowl.

Vários anúncios deixaram mensagens claras contra as medidas anti-imigração de Trump, que estão a dividir a América. Airbnb e Coca-Cola sublinharam a ideia de um país baseado na diversidade de culturas com slogans "We accept" e "Together is beautiful". E a cerveja Budweiser recordou a sua origem com um filme publicitário intitulado "Born the hard way", que conta a história de um dos fundadores, um imigrante alemão que chegou aos EUA no século XIX. As reacções não se fizeram esperar. Assim que o anúncio foi emitido, houve um apelo ao boicote à marca nas redes sociais.

Ainda assim, o "spot" que mais deu que falar foi o da 84 Lumber, empresa de materiais de construção de Pittsburgh (Pensilvânia). Mostra a viagem de uma mulher e da filha que partem do México em direcção aos EUA e esbarram num muro gigante. Depois há uma porta enorme que se abre. O filme termina com a frase "The will to succeed is always welcome here". O tema é polémico e a Fox, o canal de televisão que transmitiu o Super Bowl, censurou o anúncio. O "spot" foi alterado para poder ser transmitido, mas a versão original foi colocada no site da empresa. "Teve tantas visualizações que o site 'crashou'", diz João Coutinho, um criativo de publicidade português que trabalha na agência Grey New York. A censura a um "spot" publicitário no Super Bowl nunca aconteceu antes, garante, é mais um sinal dos tempos que se vivem nos EUA.

A chegada de Trump à Casa Branca deixou o país "em polvorosa", afirma o criativo. E "as marcas estão a tomar posição" nesta guerra. O publicitário não tem dúvidas de que "as mensagens das empresas vão ser ainda mais fortes" nos próximos tempos porque "estas políticas não têm nada que ver com o ADN do país". Até a Coca-Cola, "uma empresa conservadora", quis "demarcar-se de um posicionamento xenófobo ou racista, que não tem rigorosamente nada que ver com os valores da sociedade americana".

Uber perdeu clientes

Por estes dias, a política domina as conversas na agência onde trabalha, conta João Coutinho. "Os nossos clientes estão preocupados." As empresas temem as consequências para os seus negócios e para a economia, a começar pelas tecnológicas, que têm nos seus quadros pessoas de todo o mundo e que actuam no mercado global. Quando, no final de Janeiro, Trump ordenou um bloqueio temporário à entrada no país de refugiados e cidadãos oriundos de sete países maioritariamente muçulmanos, as reacções não se fizeram esperar. Os bancos foram os mais cautelosos. A excepção foi o Goldman Sachs, cujo presidente executivo, Lloyd Blankfein, disse claramente numa mensagem aos trabalhadores: "Não apoiamos esta política." Uma declaração surpreendente tendo em conta que há vários ex-executivos do grupo financeiro na Casa Branca, entre eles o estratego e conselheiro de Trump, Steve Bannon.


Cerca de 100 empresas utilizaram a figura jurídica "amicus curiae" para se colocarem do lado dos procuradores-gerais dos estados de Washington e Minnesota, que apresentaram uma queixa contra o decreto migratório. 


O presidente da Uber, Travis Kalanick, abandonou o seu lugar no grupo de conselheiros do Presidente, alegando que a sua presença junto da administração tinha sido interpretada, de forma errada, como uma forma de apoio a Trump. A plataforma fora criticada por ter desafiado o protesto do sindicato dos taxistas de Nova Iorque no aeroporto JFK contra a política anti-imigração e ter anunciado no Twitter que mantinha o serviço sem activar a função que aumenta o preço em alturas de elevada procura. Em resposta, milhares de pessoas apagaram a aplicação. Agora, Travis Kalanick juntou-se ao coro de protestos contra a administração.

A barra da justiça

As grandes tecnológicas vestiram a camisola anti-Trump. E não o escondem, seja através de comunicados, entrevistas ou de "posts" nas redes sociais. Entre os presidentes de Silicon Valley que manifestaram desagrado, estão Tim Cook, da Apple, que numa comunicação dirigida ao "staff" disse que a empresa "não existiria sem a imigração" e que a Apple está "aberta para toda a gente, independentemente do lugar de onde vem, a língua que fala, quem ama ou como adora". O fundador do Facebook recorreu à sua própria família para mostrar porque é contra a ordem executiva. "Os meus avós vieram da Alemanha, Áustria e Polónia. Os pais da Priscilla (seus sogros) eram refugiados da China e Vietname. Os Estados Unidos são uma nação de imigrantes e devíamos estar orgulhosos disso", escreveu Mark Zuckerberg na sua página na rede social.

Já o CEO da Tesla, Elon Musk, realçou num "tweet" que "muitas pessoas afectadas negativamente por esta medida (...) não fizeram nada de errado e não merecem ser rejeitadas". Na mesma rede social, Brian Chesky, CEO da Airbnb, escreveu: "Fechar portas divide os Estados Unidos. Vamos encontrar formas de ligar as pessoas, não separá-las." As lideranças de empresas como Amazon, Ford, Nike, Coca-Cola, General Electric, Bank of America, Netflix e Tesla escreveram mensagens a criticar a política seguida pela administração e a defender os colaboradores afectados, prometendo dar-lhes apoio.

Houve também quem tomasse outras medidas. A rede de cafetarias Starbucks anunciou que pretende contratar 10 mil refugiados nos próximos cinco anos nos 75 países onde opera. Nas redes sociais, a empresa foi alvo de mensagens enfurecidas e surgiu um movimento de apelo ao boicote à marca com o hashtag # BoycottStarbucks. As cadeias de lojas Nordstrom e Neiman Marcus deixaram de vender a marca de roupa da filha do Presidente, Ivanka Trump, justificando a decisão com uma quebra acentuada nas vendas dos produtos e recusando uma ligação ao clima político. Trump reagiu no Twitter dizendo que a filha estava a ser tratada pela Nordstrom de forma "injusta".

Além disso, as empresas estão a agir em bloco para fazer pressão junto da justiça de forma a barrar Trump. Cerca de 100 companhias, sobretudo tecnológicas, utilizaram a figura jurídica "amicus curiae" para se colocarem do lado dos procuradores-gerais dos estados de Washington e Minnesota, que apresentaram uma queixa contra o decreto migratório. Na sequência dessa queixa, o juiz federal James Robart, do tribunal de primeira instância de Seattle, decidiu suspender, com efeito imediato, a ordem executiva assinada pelo Presidente. Ao requererem esse estatuto legal, as empresas disponibilizam-se para prestar informação relevante que sustente a decisão do juiz. Na declaração que entregaram no tribunal revelam dúvidas quanto à constitucionalidade da medida e alegam que prejudica os seus negócios, a inovação e o crescimento económico do país. A Casa Branca recorreu da decisão. O caso está agora no tribunal de recurso de São Francisco. Já foram ouvidos os argumentos das duas partes - Departamento de Justiça e procuradores de Washington e Minnesota. Aguarda-se a qualquer instante uma decisão. Seja ela qual for, a guerra das empresas contra Trump está instalada.



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