Notícia
Funcionários não chegam para as encomendas
Há anúncios de emprego que ficam por preencher. Em determinados sectores, os empresários estão desesperados porque não encontram trabalhadores qualificados para algumas funções. A situação está a atrasar investimentos e há encomendas recusadas ou com entrega adiada por não haver capacidade de resposta. O que está a falhar?
"Tenho encomendas e não tenho funcionários." O desabafo é de Aníbal Campos, presidente do conselho de administração da Silampos. A empresa do concelho de Oliveira de Azeméis produz louça metálica para uso doméstico e industrial. Metade da sua produção vai para o mercado externo. Como a maioria das empresas do sector, a Silampos está a crescer, sublinha. Em 2017, facturou cerca de 13 milhões de euros e este ano prevê ultrapassar os 15 milhões. A fábrica emprega cerca de 200 trabalhadores, que já não são suficientes para o volume de trabalho. "Neste momento, precisava no mínimo de 10 pessoas e não estou a consegui-las", diz Aníbal Campos. Apesar dos anúncios colocados em juntas de freguesia e empresas de trabalho temporário, o gestor tem sentido muita dificuldade em contratar pessoas para o chamado "chão de fábrica": operadores de máquinas e operários especializados, como serralheiros. A um operador de máquina com experiência, o gestor está a oferecer uma remuneração-base de 800 euros e a um serralheiro com experiência, o valor chega aos mil euros, garante. Valores aos quais acresce o subsídio de alimentação.
Joaquin Almeida, administrador da Fundiven - Fundição Venezuela, queixa-se do mesmo. "Há cada vez mais encomendas e uma pressão enorme dos clientes para fazer as entregas." Quando não há uma resposta imediata, "pensam logo num fornecedor alternativo, normalmente fora de Portugal". Esta fábrica, na zona de Águeda, produz peças de alumínio injectado para a indústria que vão sobretudo para exportação. "Há um aumento de produção em toda a indústria na Europa. A maioria dos nossos clientes está com subidas elevadas de produção e todos em simultâneo", explica. A fundição tem dois turnos completos e precisa de um terceiro para dar conta das encomendas, mas não consegue contratar pessoas suficientes. Actualmente, trabalham na fábrica 200 pessoas. A empresa facturou 12,3 milhões de euros em 2017, mais 16% do que no ano anterior.
São dores de crescimento de um dos principais motores das exportações portuguesas. No ano passado, a metalurgia e a metalomecânica bateram um recorde nas vendas para o exterior ao ultrapassar os 16 mil milhões de euros, segundo a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP). O sector pesa 14% no PIB nacional e emprega 217 mil pessoas. Mais de 20 empresas de capital estrangeiro fixaram, nos últimos dois anos, fábricas em Viana do Castelo, Porto e Aveiro, o que aumentou ainda mais a falta de mão-de-obra.
No final de 2017, a AIMMAP fez um estudo e concluiu que há um défice de 28 mil trabalhadores no sector. "Estamos a falar de operários qualificados, soldadores, serralheiros, operadores de máquinas e engenheiros. Mas, em algumas regiões, nem trabalhadores indiferenciados conseguimos contratar", afirma Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP.
Também a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) inquiriu os associados para perceber a dimensão da falta de trabalhadores no sector. A conta final apontou para 40 mil lugares por preencher. "É apenas uma estimativa", diz a secretária-geral Ana Jacinto. "Será até um número por baixo." Nos últimos anos, Portugal tornou-se a "estrela" internacional do turismo. O país está na moda, arrecadou prémios e está a bater recordes de visitantes. Em 2016, o sector pesou 12,5% no PIB. O investimento em hotéis e restaurantes subiu, sobretudo em Lisboa, Porto e Algarve. De acordo com a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), vão surgir este ano 61 novas unidades e prevêem-se 23 reaberturas, depois de uma expansão ou remodelação. Operadores como Blue & Green, Douro Azul ou Pine Cliffs Resort estão a recrutar às centenas.
"No Algarve, existe um problema claro de recrutamento, não há recursos humanos suficientes e é difícil atrair pessoas qualificadas em quantidade, comparando com outras zonas do país", afirma Veridiana Fernandes, directora de recursos humanos da United Investments Portugal, detentora dos hotéis de luxo Sheraton Cascais Resort e Pine Cliffs Resort. Uma situação que têm tentado contornar contratando trabalhadores estrangeiros, mas que não têm sido suficientes para resolver o problema. Já em Cascais verifica-se "a concorrência das unidades hoteleiras de Lisboa que, como são hotéis de cidade, são menos penalizados com a sazonalidade".
No terceiro trimestre de 2017, trabalhavam na restauração e alojamento turístico quase 346 mil pessoas. O IVA na restauração foi reposto em Julho de 2016 para os 13%, o que permitiu aos empresários reforçar o quadro de trabalhadores, refere a secretária-geral da AHRESP. "Só no terceiro trimestre de 2017 conseguimos mais 53 mil postos de trabalho face ao período homólogo do ano anterior. Estamos a atingir recordes."
Na construção, o cenário é semelhante. Depois de uma década negra (2005- 2015), o sector mostra dinamismo. Aquele "foi o pior período que a construção viveu no país. O investimento caiu para cerca de metade, fecharam 37 mil empresas e 230 mil trabalhadores perderam o emprego", recorda Manuel Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI). Milhares de pessoas emigraram. Há três anos, o vento mudou. Surgiram projectos de reabilitação urbana, o investimento estrangeiro aumentou e o alojamento local descolou. No ano passado, o volume de negócios foi de 11,2 mil milhões de euros e cresceu 5,9% face a 2016. O sector pesa 17,4% no PIB nacional e a CPCI estima que a construção empregue actualmente 620 mil pessoas. Agora "precisamos de 24 mil milhões de euros para reabilitar 600 mil edifícios no país. São obras urgentes nos centros históricos das cidades", diz Manuel Reis Campos. Um estudo da CPCI revela que vão ser necessários este ano 70 mil trabalhadores. São precisos operários especializados, como carpinteiros ou canalizadores. Tendo em conta a carência de mão-de-obra, Manuel Reis Campos deixa um alerta: "É necessário perceber o que se passa com os mais de 54 mil inscritos no fundo de desemprego." Olhando para as estatísticas do IEFP, no final de Dezembro de 2017, havia quase 16 mil ofertas de trabalho por satisfazer nos serviços de emprego do país.
Abrir os cordões à bolsa
Parece um paradoxo. Como é que num país que, de acordo com o INE, tinha 435 mil desempregados em Outubro de 2017, algumas empresas não conseguem contratar? Será uma questão salarial? Albano Ribeiro, do Sindicato da Construção de Portugal, garante que sim. "Uma fatia bastante grande dos operários qualificados ganha o salário mínimo nacional." Se existir uma melhoria das condições de trabalho, muitos dos trabalhadores que emigraram vão voltar. Aponta um exemplo. "Um trabalhador que aqui ganhava 600 euros por mês foi trabalhar para Riade, na Arábia Saudita, e ganhar três mil euros mensais." Claro que as empresas portuguesas não vão cobrir o valor, reconhece, mas "se um trabalhador receber um salário-base de 800 euros, mais horas extra, vai levar para casa mil euros no fim do mês". Isso é suficientemente atractivo para fazer regressar as pessoas, diz. O mesmo se aplica a engenheiros civis e arquitectos, porque o aumento salarial será repercutido à proporção para as outras categorias profissionais dentro da construção civil. "Só assim é que a mão-de-obra vai voltar".
É preciso "ajustar os salários", reconhece Manuel Reis Campos, da CPCI. Algo que, garante, já está a acontecer. "Os salários praticados já não têm os mesmos valores de há dois anos." Mas, refere, neste processo de "abrir os cordões à bolsa", há outro factor que penaliza as empresas: as obras clandestinas que praticam concorrência desleal e prejudicam o mercado de trabalho.
Na indústria metalomecânica, a AIMMAP garante que o salário médio nas empresas está acima de mil euros mensais brutos. "É evidente que são valores que, em alguns casos, podem não competir com destinos de emigração. Mas também é verdade que houve um crescimento dos salários nos últimos anos", diz Rafael Campos Pereira. Já a FIEQUIMETAL, federação sindical que representa os trabalhadores do sector, argumenta que a baixa remuneração praticada nesta indústria é mesmo um dos problemas. "Pagar 750 euros de salário-base a um serralheiro mecânico é muito pouco. São profissões qualificadas", diz o sindicalista Rogério Silva. Além disso, "não há uma estratégia de desenvolvimento industrial no país. Andamos ao sabor da oferta e da procura."
O administrador da Fundiven diz que os salários que está a oferecer variam de acordo com a função, mas um operário que saiba manobrar uma máquina "pode entrar a ganhar 900 euros brutos". Além disso, tem direito a subsídio de turno, subsídio de alimentação superior a seis euros por dia e seguro de saúde. "Já não faz sentido pagar o salário mínimo, mesmo a quem não tem experiência", diz o empresário. A pressão é muita para captar pessoas no eixo entre Porto e Braga. "A zona de Águeda tem muitas empresas a instalarem-se de raiz e que absorveram muita gente." As pessoas formadas na área já não estão disponíveis, por isso a empresa está a aceitar operários não qualificados e a formá-los. Mas a indústria é "dura", ainda que já seja muito robotizada. Para os jovens, "não tem glamour", diz. Por isso, são poucos os que ficam.
No turismo, a AHRESP estima que metade das empresas tenham falta de pessoal, sobretudo nas profissões de nível intermédio e mais baixo, como empregados de mesa, ajudantes de cozinha ou empregados de quarto. A associação aponta os 920 euros como salário médio no sector. Mas, segundo um relatório da Segurança Social a propósito da descida do IVA na restauração, no primeiro semestre de 2017, o sector pagava um salário médio de 621 euros. O director-geral da AHRESP, José Manuel Esteves, explicou ao Negócios que os valores do documento do Governo excluem a "remuneração em espécie" como, por exemplo, "a alimentação".
Os dados do Centro de Estudos Sociais, que abrangem os novos contratos - aqueles que foram assinados após Outubro de 2013 e que ainda estavam em vigor em Maio de 2017 -, sugerem que o alojamento e a restauração estão no segundo sector que paga pior aos novos trabalhadores: 547 euros de remuneração-base, o que fica abaixo do salário mínimo, mas que inclui contratos a tempo parcial. Para a secretária-geral da AHRESP, não é só o salário que estará a dificultar a atracção de pessoas. Este "é um sector muito exigente. Trabalha-se 24 horas por dia, todos os dias", e isso dificulta a conciliação com a vida familiar.
Um problema de formação e de língua
Carlos Maia, "regional manager" da consultora Hays, confirma que na indústria há "aumentos salariais na ordem de 15% a 20% em algumas funções". Nos sectores automóvel, têxtil e do calçado, por exemplo, "não se conseguem encontrar pessoas". Olhando para o mapa do país, Viana do Castelo, Viseu e Aveiro têm conseguido atrair investimentos. "Cada fábrica emprega às 200, 300 pessoas, absorvendo a mão-de-obra disponível naquelas regiões. As empresas acabam por tar trabalhdispuadores entre si", refere. O fenómeno é sentido também a nível nacional nos quadros mais qualificados da área da engenharia e das tecnologias de informação. Nestas áreas, "há quase pleno emprego e, quando alguém sai de uma empresa, cria um efeito dominó". Para Carlos Maia, há um número insuficiente de formandos, apesar de as universidades terem aumentado as vagas nestes cursos. "Temos clientes com dificuldade em recrutar vários perfis, mas não a ponto de adiarem a entrada em Portugal. Ainda assim, há projectos internos adiados por falta de pessoas."
Entre as companhias nestas circunstâncias, há várias francesas. No ano passado, a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Francesa (CCILF) promoveu um encontro onde estiveram 15 empresas que, no total, anunciaram precisar de preencher 12 mil vagas. Para tentar captar pessoas, a entidade vai organizar um Fórum Emprego em Fevereiro, em Lisboa e no Porto, onde serão divulgadas as oportunidades de trabalho nas empresas francesas em Portugal. "O primeiro problema é a língua", diz Laurent Marionnet, director-geral da CCILF. Os jovens portugueses não dominam o francês. E, refere, "já há disputa entre empresas para atrair portugueses que falem francês".
Outro problema identificado é a falta de formação profissional em determinadas áreas. A Lauak, fábrica de componentes para a indústria aeronáutica instalada em Setúbal que tem um projecto para uma nova unidade em Grândola, fez um protocolo com o IEFP e com o Instituto Politécnico de Setúbal para cursos de formação específica no sector. Está a decorrer um processo de recrutamento para formação do pessoal que vai trabalhar na nova fábrica. Armando Gomes, director-geral da empresa, explica que a Lauak tem tido alguma rotatividade porque, "no ano passado, a Volkswagen recrutou muita gente para a Autoeuropa e continua a recrutar".
Rafael Campos Pereira, da AIMMAP, também aponta o dedo a "algum desinvestimento na formação profissional". O sector da metalomecânica é apoiado por um centro protocolar de formação, o CENFIM - Centro de Formação Profissional da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica, com 13 núcleos no país. Como os centros "foram integrados no perímetro orçamental do Estado, o CENFIM passou a estar sujeito a cativações" e, em 2017, não abriram novas turmas.
Já na área do turismo, até houve um aumento do número de formandos, mas não tem acompanhado o crescimento acentuado do mercado. A AHRESP tem várias propostas em estudo que serão apresentadas ao Governo. Entre elas, está a conversão de desempregados de longa duração para o sector, dando-lhes formação e a possibilidade de estudantes-bolseiros trabalharem em "part-time" sem perder regalias e as bolsas.
Joaquin Almeida, administrador da Fundiven - Fundição Venezuela, queixa-se do mesmo. "Há cada vez mais encomendas e uma pressão enorme dos clientes para fazer as entregas." Quando não há uma resposta imediata, "pensam logo num fornecedor alternativo, normalmente fora de Portugal". Esta fábrica, na zona de Águeda, produz peças de alumínio injectado para a indústria que vão sobretudo para exportação. "Há um aumento de produção em toda a indústria na Europa. A maioria dos nossos clientes está com subidas elevadas de produção e todos em simultâneo", explica. A fundição tem dois turnos completos e precisa de um terceiro para dar conta das encomendas, mas não consegue contratar pessoas suficientes. Actualmente, trabalham na fábrica 200 pessoas. A empresa facturou 12,3 milhões de euros em 2017, mais 16% do que no ano anterior.
A Câmara de Comércio Luso-Francesa vai organizar um Fórum Emprego em Fevereiro. As empresas francesas em Portugal precisam de mais de 12 mil pessoas.
São dores de crescimento de um dos principais motores das exportações portuguesas. No ano passado, a metalurgia e a metalomecânica bateram um recorde nas vendas para o exterior ao ultrapassar os 16 mil milhões de euros, segundo a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP). O sector pesa 14% no PIB nacional e emprega 217 mil pessoas. Mais de 20 empresas de capital estrangeiro fixaram, nos últimos dois anos, fábricas em Viana do Castelo, Porto e Aveiro, o que aumentou ainda mais a falta de mão-de-obra.
No final de 2017, a AIMMAP fez um estudo e concluiu que há um défice de 28 mil trabalhadores no sector. "Estamos a falar de operários qualificados, soldadores, serralheiros, operadores de máquinas e engenheiros. Mas, em algumas regiões, nem trabalhadores indiferenciados conseguimos contratar", afirma Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP.
Também a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) inquiriu os associados para perceber a dimensão da falta de trabalhadores no sector. A conta final apontou para 40 mil lugares por preencher. "É apenas uma estimativa", diz a secretária-geral Ana Jacinto. "Será até um número por baixo." Nos últimos anos, Portugal tornou-se a "estrela" internacional do turismo. O país está na moda, arrecadou prémios e está a bater recordes de visitantes. Em 2016, o sector pesou 12,5% no PIB. O investimento em hotéis e restaurantes subiu, sobretudo em Lisboa, Porto e Algarve. De acordo com a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), vão surgir este ano 61 novas unidades e prevêem-se 23 reaberturas, depois de uma expansão ou remodelação. Operadores como Blue & Green, Douro Azul ou Pine Cliffs Resort estão a recrutar às centenas.
"No Algarve, existe um problema claro de recrutamento, não há recursos humanos suficientes e é difícil atrair pessoas qualificadas em quantidade, comparando com outras zonas do país", afirma Veridiana Fernandes, directora de recursos humanos da United Investments Portugal, detentora dos hotéis de luxo Sheraton Cascais Resort e Pine Cliffs Resort. Uma situação que têm tentado contornar contratando trabalhadores estrangeiros, mas que não têm sido suficientes para resolver o problema. Já em Cascais verifica-se "a concorrência das unidades hoteleiras de Lisboa que, como são hotéis de cidade, são menos penalizados com a sazonalidade".
No terceiro trimestre de 2017, trabalhavam na restauração e alojamento turístico quase 346 mil pessoas. O IVA na restauração foi reposto em Julho de 2016 para os 13%, o que permitiu aos empresários reforçar o quadro de trabalhadores, refere a secretária-geral da AHRESP. "Só no terceiro trimestre de 2017 conseguimos mais 53 mil postos de trabalho face ao período homólogo do ano anterior. Estamos a atingir recordes."
Na construção, o cenário é semelhante. Depois de uma década negra (2005- 2015), o sector mostra dinamismo. Aquele "foi o pior período que a construção viveu no país. O investimento caiu para cerca de metade, fecharam 37 mil empresas e 230 mil trabalhadores perderam o emprego", recorda Manuel Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI). Milhares de pessoas emigraram. Há três anos, o vento mudou. Surgiram projectos de reabilitação urbana, o investimento estrangeiro aumentou e o alojamento local descolou. No ano passado, o volume de negócios foi de 11,2 mil milhões de euros e cresceu 5,9% face a 2016. O sector pesa 17,4% no PIB nacional e a CPCI estima que a construção empregue actualmente 620 mil pessoas. Agora "precisamos de 24 mil milhões de euros para reabilitar 600 mil edifícios no país. São obras urgentes nos centros históricos das cidades", diz Manuel Reis Campos. Um estudo da CPCI revela que vão ser necessários este ano 70 mil trabalhadores. São precisos operários especializados, como carpinteiros ou canalizadores. Tendo em conta a carência de mão-de-obra, Manuel Reis Campos deixa um alerta: "É necessário perceber o que se passa com os mais de 54 mil inscritos no fundo de desemprego." Olhando para as estatísticas do IEFP, no final de Dezembro de 2017, havia quase 16 mil ofertas de trabalho por satisfazer nos serviços de emprego do país.
Abrir os cordões à bolsa
Parece um paradoxo. Como é que num país que, de acordo com o INE, tinha 435 mil desempregados em Outubro de 2017, algumas empresas não conseguem contratar? Será uma questão salarial? Albano Ribeiro, do Sindicato da Construção de Portugal, garante que sim. "Uma fatia bastante grande dos operários qualificados ganha o salário mínimo nacional." Se existir uma melhoria das condições de trabalho, muitos dos trabalhadores que emigraram vão voltar. Aponta um exemplo. "Um trabalhador que aqui ganhava 600 euros por mês foi trabalhar para Riade, na Arábia Saudita, e ganhar três mil euros mensais." Claro que as empresas portuguesas não vão cobrir o valor, reconhece, mas "se um trabalhador receber um salário-base de 800 euros, mais horas extra, vai levar para casa mil euros no fim do mês". Isso é suficientemente atractivo para fazer regressar as pessoas, diz. O mesmo se aplica a engenheiros civis e arquitectos, porque o aumento salarial será repercutido à proporção para as outras categorias profissionais dentro da construção civil. "Só assim é que a mão-de-obra vai voltar".
É preciso "ajustar os salários", reconhece Manuel Reis Campos, da CPCI. Algo que, garante, já está a acontecer. "Os salários praticados já não têm os mesmos valores de há dois anos." Mas, refere, neste processo de "abrir os cordões à bolsa", há outro factor que penaliza as empresas: as obras clandestinas que praticam concorrência desleal e prejudicam o mercado de trabalho.
Na indústria metalomecânica, a AIMMAP garante que o salário médio nas empresas está acima de mil euros mensais brutos. "É evidente que são valores que, em alguns casos, podem não competir com destinos de emigração. Mas também é verdade que houve um crescimento dos salários nos últimos anos", diz Rafael Campos Pereira. Já a FIEQUIMETAL, federação sindical que representa os trabalhadores do sector, argumenta que a baixa remuneração praticada nesta indústria é mesmo um dos problemas. "Pagar 750 euros de salário-base a um serralheiro mecânico é muito pouco. São profissões qualificadas", diz o sindicalista Rogério Silva. Além disso, "não há uma estratégia de desenvolvimento industrial no país. Andamos ao sabor da oferta e da procura."
O administrador da Fundiven diz que os salários que está a oferecer variam de acordo com a função, mas um operário que saiba manobrar uma máquina "pode entrar a ganhar 900 euros brutos". Além disso, tem direito a subsídio de turno, subsídio de alimentação superior a seis euros por dia e seguro de saúde. "Já não faz sentido pagar o salário mínimo, mesmo a quem não tem experiência", diz o empresário. A pressão é muita para captar pessoas no eixo entre Porto e Braga. "A zona de Águeda tem muitas empresas a instalarem-se de raiz e que absorveram muita gente." As pessoas formadas na área já não estão disponíveis, por isso a empresa está a aceitar operários não qualificados e a formá-los. Mas a indústria é "dura", ainda que já seja muito robotizada. Para os jovens, "não tem glamour", diz. Por isso, são poucos os que ficam.
Há uma disputa pelos trabalhadores na indústria metalomecânica. "Já não faz sentido pagar o salário mínimo", diz Joaquin Almeida, da Fundiven.
No turismo, a AHRESP estima que metade das empresas tenham falta de pessoal, sobretudo nas profissões de nível intermédio e mais baixo, como empregados de mesa, ajudantes de cozinha ou empregados de quarto. A associação aponta os 920 euros como salário médio no sector. Mas, segundo um relatório da Segurança Social a propósito da descida do IVA na restauração, no primeiro semestre de 2017, o sector pagava um salário médio de 621 euros. O director-geral da AHRESP, José Manuel Esteves, explicou ao Negócios que os valores do documento do Governo excluem a "remuneração em espécie" como, por exemplo, "a alimentação".
Os dados do Centro de Estudos Sociais, que abrangem os novos contratos - aqueles que foram assinados após Outubro de 2013 e que ainda estavam em vigor em Maio de 2017 -, sugerem que o alojamento e a restauração estão no segundo sector que paga pior aos novos trabalhadores: 547 euros de remuneração-base, o que fica abaixo do salário mínimo, mas que inclui contratos a tempo parcial. Para a secretária-geral da AHRESP, não é só o salário que estará a dificultar a atracção de pessoas. Este "é um sector muito exigente. Trabalha-se 24 horas por dia, todos os dias", e isso dificulta a conciliação com a vida familiar.
Um problema de formação e de língua
Carlos Maia, "regional manager" da consultora Hays, confirma que na indústria há "aumentos salariais na ordem de 15% a 20% em algumas funções". Nos sectores automóvel, têxtil e do calçado, por exemplo, "não se conseguem encontrar pessoas". Olhando para o mapa do país, Viana do Castelo, Viseu e Aveiro têm conseguido atrair investimentos. "Cada fábrica emprega às 200, 300 pessoas, absorvendo a mão-de-obra disponível naquelas regiões. As empresas acabam por tar trabalhdispuadores entre si", refere. O fenómeno é sentido também a nível nacional nos quadros mais qualificados da área da engenharia e das tecnologias de informação. Nestas áreas, "há quase pleno emprego e, quando alguém sai de uma empresa, cria um efeito dominó". Para Carlos Maia, há um número insuficiente de formandos, apesar de as universidades terem aumentado as vagas nestes cursos. "Temos clientes com dificuldade em recrutar vários perfis, mas não a ponto de adiarem a entrada em Portugal. Ainda assim, há projectos internos adiados por falta de pessoas."
Entre as companhias nestas circunstâncias, há várias francesas. No ano passado, a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Francesa (CCILF) promoveu um encontro onde estiveram 15 empresas que, no total, anunciaram precisar de preencher 12 mil vagas. Para tentar captar pessoas, a entidade vai organizar um Fórum Emprego em Fevereiro, em Lisboa e no Porto, onde serão divulgadas as oportunidades de trabalho nas empresas francesas em Portugal. "O primeiro problema é a língua", diz Laurent Marionnet, director-geral da CCILF. Os jovens portugueses não dominam o francês. E, refere, "já há disputa entre empresas para atrair portugueses que falem francês".
A AHRESP quer levar para o sector desempregados de longa duração e "dar a oportunidade" a estudantes-bolseiros de trabalharem em "part-time" sem perder as bolsas.
Outro problema identificado é a falta de formação profissional em determinadas áreas. A Lauak, fábrica de componentes para a indústria aeronáutica instalada em Setúbal que tem um projecto para uma nova unidade em Grândola, fez um protocolo com o IEFP e com o Instituto Politécnico de Setúbal para cursos de formação específica no sector. Está a decorrer um processo de recrutamento para formação do pessoal que vai trabalhar na nova fábrica. Armando Gomes, director-geral da empresa, explica que a Lauak tem tido alguma rotatividade porque, "no ano passado, a Volkswagen recrutou muita gente para a Autoeuropa e continua a recrutar".
Rafael Campos Pereira, da AIMMAP, também aponta o dedo a "algum desinvestimento na formação profissional". O sector da metalomecânica é apoiado por um centro protocolar de formação, o CENFIM - Centro de Formação Profissional da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica, com 13 núcleos no país. Como os centros "foram integrados no perímetro orçamental do Estado, o CENFIM passou a estar sujeito a cativações" e, em 2017, não abriram novas turmas.
Já na área do turismo, até houve um aumento do número de formandos, mas não tem acompanhado o crescimento acentuado do mercado. A AHRESP tem várias propostas em estudo que serão apresentadas ao Governo. Entre elas, está a conversão de desempregados de longa duração para o sector, dando-lhes formação e a possibilidade de estudantes-bolseiros trabalharem em "part-time" sem perder regalias e as bolsas.