Na visita à secção infantil de uma qualquer livraria, a escolha pode ser feita entre títulos como "Plasticus Maritimus", "Todos temos UM-Bigo", "A ervilha congelada" ou "Para onde vamos quando desaparecemos". Com temas que vão do ambiente à infância passada dentro de uma prisão, passando pela fertilização "in vitro" ou a morte, os livros infantojuvenis passaram a refletir de uma forma mais realista a sociedade contemporânea. Para Ana Cristina Silva, investigadora do ISPA, esta abordagem é um contributo importante para o desenvolvimento socioemocional das crianças e para a formação de futuros adultos livres de preconceitos.
A literatura permite conjugar a dimensão cognitiva e emocional através da história, explica Ana Cristina Silva. "Adquirimos informação a partir de um contexto narrativo que nos conduz através de determinadas emoções. No caso da literatura para a infância, é extraordinariamente importante, porque pode ter um impacto positivo no desenvolvimento da capacidade de compreender as emoções dos outros", refere a investigadora.
A escritora Mariana Jones acredita que "os olhos de quem escreve são sempre os olhos do tempo em que se está a escrever" e foi sobre as emoções que se debruçou quando escreveu o primeiro livro, durante a pandemia. Com duas bebés em casa, "era como se tivesse uma lupa gigante para uma pandemia e que me dava oportunidade para perceber as minhas emoções, as emoções que elas iam sentindo: os ciúmes da irmã, o crescimento, as raivas e, numa fase inicial, o medo", recorda. O resultado foi "Caracóis com cores", o primeiro livro publicado numa edição de autor.
"Todos temos UM-Bigo" levou Mariana Jones a conhecer por dentro o mundo das mulheres que, estando presas, têm consigo os filhos em idade pré-escolar.
O segundo livro, "Klara – a menina de olhos-céu", surgiu quando começou a guerra na Ucrânia e foi publicado em quatro línguas – português, ucraniano, francês e inglês – para que pudesse ser distribuído em diferentes países que recebessem crianças refugiadas. Vieram depois "Todos temos UM-Bigo" – que levou a autora a conhecer por dentro o mundo das mulheres que, estando presas, têm consigo os filhos em idade pré-escolar –. "O Pedro Gosta do Afonso" e, na próxima semana, "A tirar macacos do nariz – O cancro pediátrico de pernas para o ar", que surgiu de um convite do Hospital de São João.
"Talvez tenha sido o maior desafio da minha vida literária. Como é que se fala do cancro? Que palavras vamos usar quando nem sabemos como vai acabar?", questiona Mariana, que sublinha a importância de abordar todos estes assuntos com humanidade e empatia. "Os livros talvez sejam esse superpoder para nos ajudar a falar sobre estes assuntos", diz a autora, que nas histórias que cria procura desmontar a realidade, de forma a torná-la mais acessível. "A realidade já é tão dura que eu acho que o livro pode ser um contributo para a sociedade civil, porque ajuda as crianças no desenvolvimento das suas competências emocionais, em particular da empatia", defende.
Um passo para o lugar do outro
"Os livros e as histórias permitem refletir questões de identidade e outros problemas. E a criança é capaz de se colocar no ponto de vista do outro: o que está a sentir, por exemplo, se lhe batem ou não lhe falam, ou se está mais isolado", explica Ana Cristina Silva. Desse ponto de vista, a leitura favorece o desenvolvimento da "empatia enquanto capacidade de compreender a realidade social e outros meninos que estejam em situações similares às descritas na história".