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Liderança feminina continua longe da paridade desejada na Europa

Os últimos números mostram que a Europa continua longe dos 40% de paridade mínima desejada nos vários níveis de decisão. A questão é complexa, está enraizada na sociedade e tem custos para as empresas e para a sociedade que, no caso de Portugal, só agora começam a ser contabilizados.

26 de Janeiro de 2022 às 12:00
Filipa Martins é a atual CEO da Edenred Portugal e Rosa Monteiro, secretária de Estado para a Igualdade.
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Os últimos dados recolhidos pela plataforma European Women on Boards (EWON), divulgados na passada semana, são claros: apenas 7% das empresas na Europa são lideradas por mulheres. O Índice de Diversidade de Género de 2021, que analisou 668 grandes empresas na Europa, atualiza outros dados, como sejam, apenas 35% dos membros dos conselhos de administração das empresas são mulheres e 19% desempenham papéis executivos. E se apenas 7% das mulheres são CEO, já o cargo de CFO agrega um pouco mais: 16%. Este terceiro relatório da EWON mostra um ligeiro aumento nas diversas plataformas de decisão, porém ainda longe dos ambicionados 40% de paridade. Portugal também entra no índice, aparecendo em 13.º lugar, de entre 19 países analisados, e abaixo da média europeia.

Na apresentação deste relatório, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, destacou que "todas as pesquisas e estudos económicos mostram que as empresas que adotam a diversidade são mais bem-sucedidas". "Isto é verdade nos negócios, na política e na sociedade como um todo." Porém, acrescentou que "estamos a fazer progressos, mas não suficientemente rápidos, não em toda a UE e nem de perto o suficiente. Portanto, fica claro que precisamos de fazer muito mais. "Quando a mudança não acontece naturalmente, é necessária uma ação regulatória. Os números falam por si. A legislação funciona", disse, abrindo a porta a uma maior pressão legislativa para forçar a paridade no espaço europeu.

Quem está a estudar para ser líder?

Os líderes de amanhã formam-se hoje. Por isso, para se atingir a ambicionada igualdade de género nos lugares de topo é preciso canalizar as jovens para as áreas que tipicamente fazem mexer o mundo: economia, gestão e tecnologias. Para aferir isso mesmo, mergulhámos nos dados dos alunos inscritos nestes cursos em algumas universidades portuguesas para percebermos se existe paridade de género. A diferença é avassaladora e salta logo à vista: as mulheres portuguesas continuam a fugir das tecnologias. Dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, relativos aos alunos inscritos no ensino superior, no ano letivo de 2020/2021, nos cursos de Engenharia Informática, mostram uma diferença abismal quando se trata de género. A título de exemplo, na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, a distribuição era de 497 homens e 65 mulheres; no mesmo curso, na Universidade de Aveiro os números mostram 217 homens e 39 mulheres; e na Universidade da Beira Interior a diferença de género também é notória, designadamente, 280 homens e 34 mulheres. Este é o padrão que se repete nas universidades do país. Aferimos também as alunas e os alunos inscritos nos cursos de Economia e de Gestão. Sobre estes dois cursos, nas três universidades selecionadas, encontrámos uma distribuição equilibrada entre géneros. Resumindo, olhando apenas para estes dados que refletem o atual ambiente de ensino nestas três áreas-chave para a liderança, poder-se-á antever a continuação de problemas de representatividade de género numa área cada vez mais fulcral como é a da tecnologia.

Passando das universidades para o mercado de trabalho, segundo o índice "Mulheres no Placar Digital 2021", as mulheres especialistas em TIC em Portugal representam apenas 1,8% do emprego total. Neste índice relativo à presença das mulheres no mercado digital, Portugal está em 15.º lugar na Europa.

O ponto que considero verdadeiramente desacelerador das carreiras femininas em Portugal é a fase da maternidade.  Filipa Martins, CEO da Edenred Portugal
Temos um mercadode trabalho muito segregado. Há uma tradição nos papéis e nas profissões que homens e mulheres têm. Rosa Monteiro, secretária de Estado para a Igualdade
Para Rosa Monteiro, secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, o cenário é "muito preocupante". "Temos um mercado de trabalho muito segregado. Há uma tradição nos papéis e nas profissões que homens e mulheres têm, em que temos, por exemplo, taxas de feminização nas atividades de saúde humana e apoio social na ordem dos 83,7% e na educação de 75,8%. E depois quando vemos o que se passa, por exemplo, nesta área das TIC [tecnologias de informação e comunicação] e das engenharias é muito complicado, porque de facto temos registado uma descida na percentagem de mulheres diplomadas em TIC", sublinha.

Como área cada vez mais fulcral na sociedade, a área das TIC revela-se um problema que está enraizado e que é preciso combater. "Isto é uma preocupação muito grande dos governos, mas também das próprias empresas e de todos os setores", reforça a secretária de Estado, destacando que "esta área do digital, dos algoritmos, dos QR Codes e da inteligência artificial está profundamente enviesada e, se continuar a ser feita apenas por homens, obviamente é uma parte da realidade que escapa às mulheres e isso dá origem e enviesamentos diversos".

Ser líder em Portugal

Filipa Martins é atualmente a CEO da Edenred Portugal, uma multinacional francesa com presença em 46 países, estando entre a ínfima percentagem de mulheres que lideram empresas na Europa. Começou a carreira como consultora na A.T.Kearney e passou posteriormente 16 anos no portal SAPO, de onde acabou por sair como diretora-geral para o desafio que agora abraça. A CEO conta-nos que no seu percurso, tanto académico como profissional, nunca se sentiu discriminada por ser mulher. Porém, reconhece a questão da maternidade como o ponto de desequilíbrio em Portugal. "O ponto que considero verdadeiramente desacelerador das carreiras femininas em Portugal é a fase da maternidade. Sobretudo porque, aqui sim, se sente o desequilíbrio real de oportunidades, não só para as mulheres como para as entidades empregadoras. É imperativo igualar, com regime de obrigatoriedade, os períodos de licença de maternidade e paternidade, para que realmente seja indiferente para o empregador contratar homens ou mulheres", explica ao Negócios.

Para a secretária de Estado, a questão é complexa e necessita de ser intervencionada em várias frentes de forma estrutural, pois a igualdade (ou desigualdade) nota-se em muitos outros níveis, na questão da maternidade e também na disparidade salarial, na divisão de tarefas domésticas, onde Portugal é dos mais mal classificados na Europa, na assunção de cuidados a familiares, na participação cívica e política, etc. E tudo isto tem um custo. Estima-se que a desigualdade de género nas suas múltiplas facetas já custou ao mundo, desde 1990, cerca de 70 mil milhões de euros.

Em Portugal, estas contas ainda não estão feitas, mas três estudos a decorrer atualmente sobre o impacto económico no país deverão trazer à tona estes números em 2023 ou 2024, segundo conta ao Negócios Rosa Monteiro.

À procura do equilíbrio

Atingir a igualdade de género nas suas múltiplas expressões é o 5.º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. A nível europeu, a Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025 consubstancia esses objetivos e, em Portugal, foi firmada a estratégia "Portugal Mais Igual". Os maiores progressos nos últimos anos têm sido registados em países que recorreram à lei para impor quotas de género, onde se inclui Portugal, ao acelerar um processo que, de forma orgânica, só seria atingido no final do presente século. Tal como pretende Ursula von der Leyen, Rosa Monteiro considera que "a legislação é importante pelo efeito imediato e pelo impacto social que tem no reconhecimento público destas matérias. Mas é também importante que seja acompanhada de mudanças e de práticas por parte de todos os agentes da sociedade.

Já Filipa Martins afirma que esta "é uma lei que só faz sentido como acelerador do equilíbrio e igualdade nos cargos de liderança, para que depois haja autorregulação da promoção de talento feminino e masculino nesses boards. Na fase em que estamos, em que muitos boards são ainda 100% masculinos, é preciso forçar a mudança recorrendo ao talento feminino já disponível, para que este equilíbrio se torne natural."
Neste sentido, para além das quotas, iniciativas como a majoração de empresas e instituições que favoreçam a igualdade, a aposta na atração e formação de mulheres para áreas críticas, como o projeto Engenheiras por um Dia, o programa UpSkill ou o projeto Jovens STEAM, são importantes para rumar à igualdade efetiva em Portugal. Portanto, com este trabalho, como vamos estar em termos de liderança daqui a 20 anos? Rosa Monteiro acredita que "vamos ter muito mais participação de mulheres nestas áreas", mas ressalta que não se pode parar de trabalhar neste objetivo: "É muito importante estarmos alerta, porque é um dado histórico que, com políticas que são assumidamente misóginas, contra os mecanismos oficiais e as políticas de igualdade, as coisas voltam para trás. Temos um longo caminho a fazer cá e também na Europa."
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