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O secretário-geral da associação Business Roundtable Portugal diz que o Governo tem anunciado um conjunto de medidas para dinamizar o setor da habitação que ainda não conhecem totalmente e que não estão também todas detalhadas. Convidado das “Conversas com CEO”, integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30, Pedro Ginjeira Nascimento considera que o simplex e o licenciamento zero, lançados há 14 anos pelo primeiro Governo de José Sócrates, teve um efeito “tremendo”, criando condições para o setor do turismo reagir à procura.
O problema é que, diz, “libertámos essa parte da economia, mas deixámos o resto da economia presa”. À frente da associação criada por 42 líderes de grandes empresas, nesta entrevista de mais de meia hora que pode ser ouvida na íntegra em podcast, Pedro Ginjeira considera que o “sistema regulatório e fiscal penaliza o sucesso das empresas e das pessoas”. E afirma que não vamos ter dinheiro para pagar o Estado Social que temos. Mostra ainda, com um exemplo, como dois trabalhadores, um em Portugal e outro na Holanda, a ganharem o mesmo salário bruto levam para casa valores diferentes, o português menos do que o holandês.
Tem uma carreira de serviço público. O que retém como mais marcante da experiência nos gabinetes governamentais?
Foram sete anos, três governos, fases, experiências e gabinetes muito diferentes. Um setorial na parte dos transportes e infraestruturas [com Ana Paula Vitorino], um nas finanças e também no financiamento público [com Carlos Costa Pina], apanhando primeiro o rescaldo da crise financeira com o BPP e BPN e depois a sua transmissão à crise soberana. E depois o terceiro momento com o Carlos Moedas em que fazíamos a interação entre o Governo português e a troika para as famosas reformas estruturais. O que fica são as pessoas.
Fizemos algumas reformas no tempo da troika, mas fora desse tempo parece quase impossível. Consegue perceber porquê?
Há essa perceção, mas não é totalmente verdade. O simplex começou muito antes da troika, com o primeiro Governo de Sócrates, muito mais reformista que o segundo. É um momento muito marcante de mudança no funcionamento da administração pública e até do sistema legal e regulatório português. Com o simplex e o licenciamento zero afastámo-nos de um mecanismo mais continental de licenciamento ex-ante, para um sistema anglo-saxónico. Passaram 14 anos dessa primeira mudança e podemos ver que os resultados na economia são tremendos. O primeiro setor que mudou para esse paradigma, de confiança, foi o da restauração, do turismo. E vemos que teve a capacidade de reagir à procura de forma muito rápida.
E foi por causa do simplex?
Não tenho dúvidas de que foi por causa do simplex. Hoje ouvimos muita gente a queixar-se que temos turismo a mais. Não temos turismo a mais, temos é o resto da economia a menos. Libertámos essa parte da economia, mas deixámos o resto da economia presa. Existem muitos problemas no mercado da habitação…
…aproveitemos a sua experiência como investidor no imobiliário. A ausência de um simplex é uma das razões para a falta de reação da oferta à pressão da procura de habitação?
É sem dúvida uma das razões. Para construir levamos muito tempo a conseguir provar que cumprimos as regras. E temos um problema de excesso de regulação. Já vivi no Brasil, na Suécia, na Inglaterra, na Austrália e claro que temos casas muito melhores porque têm requisitos muito apertados do ponto de vista do conforto térmico, acústico, de dimensões mínimas, de acessibilidades… Há todo um conjunto de obrigações que vão onerando o custo. E depois temos o custo do tempo para obter todas as autorizações e licenciamentos.
Reduzir a exigência na construção das casas não degradava a qualidade?
Depende se nós estamos a exigir qualidade a mais. Por exemplo, a lei das acessibilidades exige que num prédio com 100 apartamentos, todos têm de estar preparados para deficientes – o que parece uma coisa ótima. Mas a verdade é que a percentagem da população que precisa disso deve andar no 1 ou 2%. Em Espanha tem apenas de ter uma pequena percentagem com essas características. Obviamente isto reflete-se nos custos. E já nem estou a falar dos 23% do custo da casa, que é o Estado.
Como se podia então aumentar a oferta de casas?
A Associação Business Roundtable de Portugal e um conjunto de outras entidades tinha estado a trabalhar com o anterior Governo para simplificar e também colocar muito mais responsabilidade sobre o promotor. Foi até aprovado um pacote englobado no polémico Mais Habitação.
E este Governo está a seguir as mesmas pisadas?
Este Governo tem anunciado um conjunto de medidas que ainda não conhecemos completamente e que ainda não estão também todas detalhadas, mas que visam dar resposta a dúvidas levantadas pelas câmaras, que perdem algum poder discricionário, e pelas ordens dos engenheiros e dos arquitetos. Temos sobretudo de ter um sistema estável, as regras não podem estar sempre a mudar porque os investimentos levam tempo a concretizar. Isto é importante para a habitação, mas também para uma fábrica. Um dos problemas é não só a diversidade de opiniões sobre a mesma lei, mas também a incapacidade de sentar à mesma mesa todos os atores públicos envolvidos numa decisão para, em tempo útil, tomarem a decisão.
O que é que a Associação Business Roundtable pode fazer pelo bem público?
Acreditamos que a principal razão para a falta de produtividade da economia portuguesa é a falta de grandes empresas.
E porque é que as grandes empresas não conseguem arrastar as outras?
Porque temos um conjunto de limitações ao crescimento. Temos um sistema regulatório e fiscal que penaliza o sucesso das empresas e das pessoas. Temos um sistema de IRC progressivo, uma coisa estranhíssima, porque existe em poucos países no mundo. Temos um sistema de IRS progressivo, que é mais habitual, mas que é muito voraz na forma como cresce. Isto faz com que não seja rentável crescer. Quem cresce, pessoas ou empresas, vai para fora. E é isso que nós temos de evitar. Se estas [grandes] empresas são mais produtivas, devíamos querer mais empresas destas. Ser mais produtivo é criar mais riqueza e depois vê-se nos salários.
Um dos diagnósticos é a falta de formação dos empresários. Que contributo se pode dar neste domínio?
É verdade. E a Nova SBE está a lançar, este ano, um programa dirigido especificamente para esse alvo, o Voice Leadership, do qual somos fundadores.
As associações empresariais estão sempre a pedir descida de impostos e de contribuições. Como se compatibiliza isso com o estado social que Portugal é e que a Europa é o modelo?
O estado social só é sustentável se tivermos criação de riqueza para o sustentar. Quando nos comparamos com a Europa, temos um estado social mais caro: a percentagem do PIB que entregamos à Segurança Social e ao Estado em impostos, já líquido de todos os subsídios, é superior ao que acontece na Europa, em média. Estamos muito habituados a comparar-nos com Espanha, Alemanha, França e Luxemburgo, países muito mais ricos e que conseguem suportar um estado social muito mais desenvolvido. Todos nós queremos ter o estado social que eles têm, só que talvez não o consigamos ainda pagar. E quando nos forçamos a pagar esse estado social, que é o que está a acontecer, onerarmos excessivamente o trabalho.
Não temos dinheiro para este estado social?
Como está, não vamos ter dinheiro para este estado social. Hoje somos o oitavo país da OCDE que mais penaliza o fator trabalho, somando a Segurança Social com o IRS. Imaginemos uma empresa com escritórios em Portugal e na Holanda e que pretende contratar dois trabalhadores para a mesma função pagando o mesmo salário: dois mil euros brutos vezes 14, são 28 mil euros ano. Em Portugal esse trabalhador custa 34.650 euros à empresa, na Holanda custa 31.460. Há 3 mil euros de diferença, sendo mais caro em Portugal. Mas é pior do que isto, o trabalhador português só leva 19.070 para casa e o holandês 24 mil. É uma diferença gigante e não há forma de o empresário e o empregado conseguirem aumentar a sua produtividade para compensar este desnível fiscal. Temos de olhar para este tema de forma muito séria porque está a criar dificuldades para que os salários possam ser melhores em Portugal e para que os portugueses não sintam que têm de sair para o estrangeiro porque não têm oportunidades.
Qual devia ser a prioridade deste Governo? Reduzir os impostos, o IRC?
Antes disso, era de facto mudar a cultura do Estado como um todo. O Estado não está cá para travar a criação de riqueza. Está cá para encorajar as pessoas e as empresas a esforçarem-se, a terem ambição, a crescerem e entregarem resultados.
E como é que isso se concretiza em políticas públicas?
Já falámos sobre como o simplex foi importante. Temos o simplex ambiental, aprovado pelo anterior Governo, mas ainda não saiu do papel. E temos de mudar a lógica de funcionamento do funcionário público. Quando vamos fazer perguntas ou pedidos a um funcionário público tem de ser entendido que estamos a trabalhar. Temos também uma justiça lenta. Nos tribunais administrativos e fiscais temos o dobro do tempo numa decisão em primeira instância face a Espanha. E em termos fiscais e parafiscais temos de olhar para o ‘tax wedge’ e a progressividade. A progressividade é importante para que os que ganham mais ajudem os que ganham menos, mas, como está, prejudica o incentivo para a população querer fazer mais.
A Europa está em guerra. Que desafios é que se acrescentam para Portugal?
Mais que desafios, há oportunidades. Com a covid, percebemos que provavelmente tínhamos ido longe demais na globalização e começou a falar-se de autonomia estratégica e ‘nearshoring’. E temos uma espécie de uma nova guerra fria entre China e Estados Unidos, com a Europa ainda a encontrar o seu papel. Com esta nova geografia de blocos começou-se a falar no ‘friendlyshoring’. E nós temos uma população bem treinada e educada e energia elétrica barata, o que beneficia atividades que já podem ser eletrificáveis. Acreditamos que isso possa ser uma oportunidade. Quando terminar o conflito da Ucrânia vai haver necessidade de fundos para a reconstrução e seguramente uma parte dos fundos de que temos beneficiado irão reduzir-se. Não podemos ficar à espera que isso aconteça, temos de agir agora. E, finalmente, a nossa comunidade de emigrantes. Em 2023 as remessas dos emigrantes foram 4 mil milhões de euros, mais do que o PT2030 e superiores ao recorde absoluto de captação de investimento direto estrangeiro. Temos de criar condições para que quem saiu queira regressar e investir em Portugal. Acreditamos verdadeiramente que as razões pelas quais saíram é porque achavam que não tinham oportunidades. Então temos de criar um país de oportunidades. Como é que isso se faz? Promovendo e celebrando o sucesso das pessoas e das empresas.