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Novo Parlamento Europeu pode redefinir leis climáticas

Lei do Restauro da Natureza, Lei da Desflorestação, política agrícola e eliminação de carros a combustão são alguns dos dossiês que poderão sofrer algum revés com a nova composição parlamentar.

05 de Junho de 2024 às 12:15
A futura balança do poder no seio do Parlamento Europeu irá determinar a ambição da políticas climáticas europeias.
A futura balança do poder no seio do Parlamento Europeu irá determinar a ambição da políticas climáticas europeias.
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De acordo com um estudo encomendado pelo grupo de reflexão do Conselho Europeu de Relações Externas (CERE), as próximas eleições europeias deverão levar a que os partidos populistas de direita radical ganhem votos e lugares em toda a União Europeia (UE) e os partidos de centro-esquerda e verdes percam votos e lugares. De acordo com as previsões do CERE, quase metade dos lugares serão ocupados por deputados fora da “supergrande coligação” dos três grupos centristas que têm conduzido as políticas europeias.

Tendo em conta que a eleição, que decorre de 6 a 9 de junho, vai apurar a representação partidária para 705 assentos parlamentares que, juntamente com os representantes dos países-membros, aprovam novas políticas e leis para a União Europeia, o resultado pode dar origem a uma coligação “antiação de política climática” no Parlamento Europeu (PE), conclui a análise “Uma viragem acentuada à direita: Previsão das eleições para o Parlamento Europeu de 2024”. Por outro lado, uma análise feita pela BirdLife Europe, Climate Action Network Europe, European Environmental Bureau, Transport and Environment NGO e a WWF ao mandato 2019-2024 de todos os eurodeputados, constatou que foram os grupos parlamentares dos Verdes/Aliança Livre Europeia (92/100), o Grupo da Esquerda (84/100) e a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (70/100) os que mais votaram a favor de propostas legislativas promotoras dos compromissos ambientais estabelecidos pelo Pacto Ecológico Europeu. O grupo Renovar a Europa votou 56/100 medidas. Já os grupos Partido Popular Europeu (25/100), Conservadores e Reformistas Europeus (10/100) e Identidade e Democracia (6/100) foram os que aprovaram menos medidas climáticas.

Assim, a balança de poder que resultar das próximas eleições deverá “ter um papel fundamental em determinar o sucesso e a ambição das políticas climáticas e de proteção ambiental, já que estas eleições acontecem num momento crítico para a Europa, desde a turbulência geopolítica que assola o continente, à necessidade de reduzir a dependência face à Rússia, ou competir com outros grandes ‘players’, como os EUA ou a China, sem esquecer os protestos dos agricultores europeus, que consideram o pacote ambiental demasiado ambicioso e lesivo dos seus interesses”, explica Carla Guapo Costa, professora do ISCSP e colaboradora do Centro de Administração e Políticas Públicas. Na sua perspetiva, “a previsível ascensão dos partidos de extrema-direita poderá gerar um movimento de desaceleração das metas climáticas da UE, embora seja necessário relativizar a generalidade da situação”. Isto porque, na sua perspetiva, “os partidos populistas de direita não são completamente hostis aos temas ambientais, desde que estes não impliquem medidas extremas. São, sim, na maior parte dos casos, mais reticentes às políticas de apoio ao multilateralismo e à cooperação internacional”.

Por outro lado, para Sérgio Pedro, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, o aumento de críticas às políticas climáticas que têm surgido ultimamente também contribui para a desaceleração da ambição nesta matéria. “O atual panorama político de contestação em todos os Estados-membros sobre algumas das medidas de execução do Pacto Ecológico Europeu e o seu consequente desmantelamento que temos vindo a observar principalmente desde final de 2023 já deixa adivinhar o nível de risco de enfraquecimento do Pacto Ecológico Europeu após as eleições”. E acrescenta: “Nas últimas semanas de campanha os grupos parlamentares dos Conservadores e Reformistas Europeus, Identidade e Democracia e o Partido Popular Europeu já sinalizaram, através dos seus programas eleitorais e declarações públicas, a vontade de refrear a velocidade de implementação, ou mesmo deixar cair alguns dos compromissos advenientes do Pacto Ecológico Europeu”. Perante estes dados, “a eventualidade de se verificar o crescimento dos eurogrupos de direita e extrema-direita após as eleições para o Parlamento Europeu em 2024 poderá colocar em questão a estabilidade, integridade e continuidade de metas ambientais de longo prazo estabelecidas anteriormente”, sublinha Sérgio Pedro.

Os dossiês polémicos

São várias as temáticas ambientais que têm encontrado alguma resistência na atual composição do PE e que correm maior risco de retrocesso. “Claramente os temas relacionados com biodiversidade, conservação da natureza, proteção em relação a substâncias químicas perigosas, em particular tudo o que diga respeito à redução de pesticidas e defesa de novos modelos agrícolas. Ainda que possam existir áreas mais sensíveis, em todas as áreas ambientais será mais difícil fazer passar qualquer proposta”, considera Susana Fonseca, vice-presidente e coordenadora da área Sociedades Sustentáveis da ZERO.

A contestação do setor agrícola, muito visível desde o final do ano passado em vários países europeus, já provocou alguns reveses nas políticas ambientais da UE. Nomeadamente, a remoção de objetivos específicos de redução de emissões agrícolas do roteiro climático proposto para 2040, bem como o recente relaxamento dos requisitos ambientais da Política Agrícola Comum até 2027. Alguns Estados-membros também já retrocederam nas suas estratégias de redução gradual de pesticidas e herbicidas, bem como na atribuição de isenções fiscais para combustíveis fósseis utilizados na agricultura. “Estamos a falar de um setor com um importante impacto no estado de conservação dos habitats e biodiversidade, bem como da resiliência dos sistemas alimentares perante quebras das cadeias de fornecimento. Este será sem dúvida o setor central no debate político no próximo mandato”, sublinha Sérgio Pedro.

A Lei do Restauro da Natureza, que vincula os Estados-membros a implementarem medidas de recuperação em 20% dos ecossistemas terrestres e marinhos até 2030, tem encontrado entraves e ainda não concluiu o seu processo de adoção dentro das instâncias europeias. Recorde-se que, após aprovação renhida no Parlamento Europeu no final de fevereiro, surgiu um novo obstáculo em março com o recuo da Hungria. Também a Itália, os Países Baixos e a Suécia se têm oposto a esta política de conservação da natureza “temendo essencialmente que tenham de passar a investir uma parte dos seus orçamentos nacionais e que venham a ter um reduzido retorno de benefícios”, explica Rui M. Sá, docente do ISCSP/Ulisboa e investigador do Centro de Administração e Políticas Públicas.

Por outro lado, um conjunto alargado de Estados-membros, entre os quais Portugal, são defensores desta proposta. Por isso, com estes avanços e recuos, “o Parlamento Europeu aceitou debater esta medida legislativa já depois das eleições europeias pelo que o desfecho final deste processo continua incerto”, assinala Rui M. Sá. Do ponto de vista do também antropólogo ambiental, “é inevitável para a União Europeia ficar na dianteira da proteção e recuperação da natureza estimulando uma indústria e agricultura cada vez mais verdes”.

Também a Lei da Desflorestação, que estabelece a proibição de comercialização na União Europeia de produtos que causem desflorestação no mundo e que impactam produtos como óleo de palma, gado, madeira, café, cacau e soja, está a encontrar resistência. Com entrada em vigor no final de 2024, a nova lei prevê multas pesadas para quem não a cumprir. A indústria de café, por exemplo, já veio manifestar que terá dificuldades em cumprir os prazos da nova lei. Também os ministros da Agricultura de 20 dos 27 países-membros da UE apoiaram um apelo da Áustria para rever a lei. Assim sendo, este regulamento “parece ser a próxima legislação ambiental europeia alvo de alterações ou mesmo suspensa após as eleições europeias”, refere Sérgio Pedro. A acontecer, “tal representaria um impacto não só à escala da UE, mas igualmente à escala global”, acrescenta.

De referir igualmente o impacto que o resultado das eleições pode ter nas políticas para a redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) do setor automóvel na Europa. A Comissão Europeia traçou como meta a eliminação progressiva dos automóveis movidos a combustíveis fósseis até 2035. “Esta medida tem sido alvo de constantes declarações dos partidos de direita apelando para o cancelamento do prazo, argumentando que tal política pressionaria os consumidores para adquirirem veículos elétricos com preços incomportáveis para a maioria dos cidadãos. Este poderá ser mais um compromisso sujeito a revisão após as eleições”, considera o investigador da Universidade de Coimbra.

Conciliar interesses económicos e ambientais

As empresas queixam-se do excesso de regulação, da falta de tempo para implementar as leis europeias e da desvantagem em que são colocadas num mercado global competitivo. Neste cenário, é possível conciliar interesses económicos e de preservação da natureza tendo como objetivo o desenvolvimento sustentável da UE? Para Rui M. Sá, “esse é o grande desafio”. O antropólogo ambiental frisa que “as evidências científicas para as causas bem como para as consequências a curto, médio e longo prazo da ação antropogénica sobre o clima e o ambiente estão devidamente identificadas, havendo apelos constantes por parte da comunidade científica para que se reverta uma política de zonas sacrificiais”. Estas são aquelas zonas criadas como uma solução de compromisso para permitir o desenvolvimento de projetos de infraestruturas ou atividades industriais, tentando minimizar o impacto ambiental global. Estas áreas podem sofrer danos ambientais, sendo que o seu objetivo é conter estes impactos dentro dessas zonas “sacrificadas” para evitar danos ambientais mais críticos. No entanto, “isto levanta questionamentos éticos e de justiça ambiental já que pode afetar de uma forma desigual as populações”, explica. A conciliação de interesses, na sua perspetiva, também pode passar por “modelos alternativos” como a teoria económica do decrescimento. “É uma reflexão que enquanto cidadãos europeus todos teremos de fazer e o ato de votar nestas eleições europeias é também uma expressão do modelo de UE que queremos ter”, assinala Rui M. Sá.

Já para Susana Fonseca, vice-presidente da Zero, os impactos negativos de muitas das políticas ambientais referido pelas empresas são muitas vezes “hiperbolizados”. Na sua perspetiva, “a indústria habituou-se a referir que as medidas de regulamentação ambiental vão ter um impacto negativo muito significativo no tecido empresarial europeu, mas os factos não comprovam esse discurso. Na generalidade dos casos, estamos perante uma manobra de pressão, não um impacto real”. Contudo, reconhece que “existem situações que devem ser acauteladas”. Nomeadamente “quando os produtores na UE têm de cumprir determinadas condições mais exigentes, mas depois a UE abre o seu mercado a produtos importados que não integraram estas preocupações e conseguem ser colocados no mercado a preços mais baixos. Este tipo de discrepâncias não deverá acontecer e será importante desenvolver medidas que previnam que tal aconteça”.

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