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O BCSD acredita que as empresas também têm um papel importante na mudança, fomentando o fim da sub-representação das mulheres em determinadas áreas.
Os homens detêm cerca de 70% dos empregos poluentes do mundo, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Nestas circunstâncias, a transição energética pode ser encarada como uma oportunidade para as mulheres alcançarem a paridade nos novos empregos verdes. Porém, segundo a mesma instituição, estas correm o risco de perder a corrida a estes empregos.
No estudo "Empregos verdes e o futuro do trabalho para homens e mulheres", publicado recentemente, o FMI diz que apenas 6% das mulheres que trabalham em economias avançadas têm empregos verdes, em comparação com mais de 20% dos homens ativos.
Os empregos verdes empregam uma percentagem ainda menor de mulheres nos mercados emergentes e nas economias em desenvolvimento. E tal acontece pelo facto de as mulheres estudarem menos as disciplinas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM), vitais para os empregos verdes do futuro, sublinha o FMI.
"A transição para a economia verde exige competências profissionais em áreas diversas e multidisciplinares, muito alocadas à área das engenharias, ciências, tecnologia, sobretudo no que diz respeito às estratégias de descarbonização e inovação da indústria. Considerando que até hoje predomina a desigualdade de género e o desequilíbrio no que toca à participação das mulheres nestes cursos e nestas áreas, é um risco que a desigualdade predominante seja arrastada para a economia verde", assinala Alice Khouri, fundadora da iniciativa cívica Women in ESG Portugal.
Fundadora da iniciativa cívica Women in ESG Portugal
O estudo do FMI apurou que as mulheres representam menos de um terço dos licenciados em STEM em muitos países, o que as deixa menos preparadas para os empregos verdes que irão moldar o futuro mercado de trabalho. Sem esforços específicos para aumentar essa participação, a transição ecológica pode agravar a desigualdade de género na força de trabalho. É por isso que, na perspetiva de Alice Khouri, "é muito importante promover desde já uma maior participação e continuidade de exercício da carreira das mulheres nestas áreas. Diminuir o desequilíbrio nestas carreiras faz com que tenhamos mais hipótese de não perpetuar este desequilíbrio à medida que formos executando a transição nas áreas económicas".
Em Portugal, apesar de haver mais mulheres (60%) do que homens (40%) no ensino superior, verifica-se uma maior representação masculina entre os diplomados nas áreas STEM, em linha com a média da União Europeia (UE), destaca o BCSD Portugal, referindo dados do Pordata. "Não se tratando propriamente de uma corrida, podemos afirmar que esta baixa representação limita as oportunidades a mulheres em novos empregos verdes, reforçando desigualdades preexistentes e excluindo perspetivas diversificadas e inovadoras, essenciais para esta transição verde", sublinha Maria Sousa Martins, ‘knowledge senior manager’ do BCSD Portugal. Assim, "além de ser um desafio adicional para as mulheres, este desequilíbrio é prejudicial para o avanço e transição verde da sociedade como um todo", acrescenta.
Knowledge senior manager’ do BCSD Portugal
Tendo em conta que os empregos verdes surgem como resultado da transição para uma economia mais verde, áreas como as energias renováveis e eficiência energética, gestão de resíduos e água, engenharia industrial, ambiental e agrícola, I&D e tecnologias limpas, entre outros, requerem competências STEM. Maria Sousa Martins destaca que a "sub-representação das mulheres em áreas STEM é um problema societário profundo, com raízes históricas e sociais complexas, e Portugal não é exceção".
Barreiras como estereótipos de género desde a infância, a falta de modelos femininos em posições de destaque nestas temáticas e ambientes educacionais e profissionais despreparados e pouco inclusivos afastam as mulheres das áreas STEM. Contudo, apesar das disparidades de género persistirem, "é relevante referir que nos últimos anos se têm observado avanços na participação das mulheres na área STEM em Portugal", assinala a responsável do BCSD Portugal. Maria Sousa Martins considera que a situação está "gradualmente a melhorar", porém, "ainda há muito a ser feito para alcançar a igualdade de género nesses campos".
Portugal tem falta de iniciativas
Em Portugal faltam iniciativas de promoção das áreas STEM junto da população feminina, algo que "deveria começar na educação pré-escolar e básica", revela a primeira edição do SWC Annual Report Portugal, da responsabilidade do GSM - Global Stem Woman, publicado no final de outubro. O estudo analisou pela primeira vez iniciativas que promovem a entrada de mulheres nas áreas da ciência, tecnologia, engenharia e matemática.
Segundo o relatório, há poucas iniciativas que tenham impacto na educação ao nível pré-escolar e básico. Da mesma forma que são apenas algumas as iniciativas em Portugal que se concentram no ensino secundário e universitário, consideradas idades críticas nas tomadas de decisão vocacionais. Segundo a pesquisa, o maior número de iniciativas STEM é registado a nível profissional. A maioria dos programas STEM são independentes, nomeadamente 87%, sendo que 13% nascem no seio de uma empresa com outro objetivo.
Lisboa e Porto também são as localidades que concentram o maior número de iniciativas. Neste sentido, o relatório identifica que "Portugal enfrenta um grande desafio em termos de desigualdades regionais, devido ao papel central do litoral na atividade do país". E recomenda que "é importante alargar estes esforços a outras regiões do país. Deste modo, todos os talentos terão a oportunidade de se desenvolver e contribuir para o progresso tecnológico e científico de Portugal".
Esta primeira edição do relatório anual, que reúne os dados de atividades e programas que desenvolvem iniciativas que promovem a igualdade de género nas áreas STEM, revela ainda que, dos trinta programas desenvolvidos em 2023, os 15 programas para encorajar e inspirar crianças e jovens a optarem por estudos em STEM apenas impactaram 1,26% da população total de 1,3 milhões de raparigas e rapazes. "Uma percentagem que é obrigatório melhorar", segundo os analistas.
Alcançar a paridade nos empregos verdes
Segundo o FMI, a resolução do problema da sub-representação das mulheres nos empregos verdes tem consequências económicas e ambientais significativas. Os países com uma maior percentagem de trabalhadores com formação em STEM e políticas de igualdade de género mais fortes tendem a registar reduções mais acentuadas das emissões de gases com efeito de estufa em resposta às políticas climáticas. A intensidade das emissões nestes países é 2 a 4 pontos percentuais mais baixa, segundo esta investigação. A educação STEM também impulsiona a inovação ecológica e dá aos trabalhadores as competências de que necessitam para os empregos ecológicos.
Alice Khouri assinala que a integração de políticas de igualdade de género pode beneficiar a transição ecológica. "É sobretudo uma questão de eficiência", refere. Nomeadamente, "a diversidade e um papel igualitário para as mulheres na economia, na tomada de decisões e nos debates políticos trazem melhores resultado porque estes são mais completos, consideram perspetivas complementares e mais ricas. A mobilização de todos os talentos disponíveis maximiza a produtividade e a competitividade, o que será crucial para enfrentar as alterações climáticas e promover a prosperidade global".
Isso mesmo dizem dados do Instituto Europeu para a Igualdade de Género. Nomeadamente que aumentar a participação das mulheres nas disciplinas STEM terá um forte impacto positivo no PIB a nível da UE. Colmatar a disparidade de género nas STEM contribuiria para um aumento do PIB per capita da UE de 2,2 a 3,0% em 2050. Em termos monetários, colmatar a disparidade STEM leva a uma melhoria do PIB de 610 a 820 mil milhões de euros em 2050.
Então, como reverter este cenário? Maria Sousa Martins considera que "é fundamental desafiar estereótipos, oferecer modelos femininos, criar ambientes inclusivos e investir em educação de qualidade". Sem comprometer a decisão livre de cada pessoa sobre a sua formação profissional, a responsável do BCSD defende que devem ser desenvolvidas políticas que promovam a educação STEM em particular junto do público feminino. "Ao nível governamental, é vital uma aposta sistémica e multidisciplinar que promova a igualdade de género, desde a infância. São necessárias campanhas de sensibilização, políticas e até mesmo regulamentação, que visem desconstruir estereótipos e fomentar ambientes equilibrados e inclusivos entre homens e mulheres", destaca.
Além das estratégias mencionadas, que visam uma melhoria de base a nível da sociedade como um todo, o BCSD Portugal acredita que as empresas têm um importante papel a desempenhar nesta mudança de paradigma, que passa pela definição de compromissos e políticas que promovam a igualdade de género dentro das empresas, em particular em posições de liderança, com planos de formação e carreira adequados.
Um estudo do BCSD Portugal, realizado em 2023, em parceria com a EY, destaca que apenas cerca de um terço dos colaboradores que desempenha funções enquadráveis nas categorias de direção executiva, gestão e coordenação são do género feminino. "De facto, reconhecendo que a distribuição de género é igualitária à entrada nas empresas, não se justifica que este equilíbrio seja continuamente quebrado na progressão de carreira, na promoção, no pay gap e nos cargos de liderança de topo, como é demonstrado no nosso estudo", refere Maria Sousa Martins. Tendo em conta esta realidade nos setores tradicionais, "temos de ser capazes de garantir que o mesmo não acontecerá em setores emergentes ou em desenvolvimento, fundamentais para a transição verde, assegurando que teremos uma sociedade cada vez mais equilibrada e colaborativa", acrescenta.
O estudo do FMI chega à mesma conclusão. "Os decisores políticos devem reduzir estas barreiras, dando às mulheres incentivos para a educação STEM e garantindo a igualdade de acesso a empregos verdes. Isto inclui a exposição precoce às STEM, a orientação e as parcerias público-privadas". Esta análise internacional dá conta do exemplo da Irlanda, que triplicou a percentagem de mulheres jovens que obtiveram diplomas em STEM no espaço de oito anos, integrando as disciplinas STEM em todos os níveis de ensino, com destaque para a educação precoce, para além de adotar currículos centrados no género e proporcionar formação especializada aos educadores.
Para além desta medida nas idades mais jovens, o FMI recomenda que os decisores políticos devem apoiar a participação das mulheres na economia, reduzindo as barreiras do mercado de trabalho, melhorando o acesso ao financiamento, reformando os quadros jurídicos e aumentando a representação nos conselhos de administração. "Isto tornará a transição ecológica mais inclusiva e melhorará a eficácia das políticas climáticas. O caminho para uma economia sustentável deve ser pavimentado com inclusão. Quanto mais mulheres e homens puderem contribuir e beneficiar da transição ecológica, melhor será para todos", conclui a investigação.