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Mais do que poupar, não podemos desperdiçar água

Num cenário dominado por infraestruturas envelhecidas e entidades sem capacidade financeira para as modernizar, a EPAL e a Indaqua destacam-se pela utilização de tecnologia na otimização da gestão da água. O que lhes permite ter perdas na ordem dos 10% e serem consideradas casos exemplares a nível mundial.

17 de Agosto de 2022 às 10:00
O valor médio das perdas de água na Europa ronda os 40%.
O valor médio das perdas de água na Europa ronda os 40%. Toby Melville/Reuters
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À medida que a seca se torna algo recorrente, que as alterações climáticas e a poluição avançam, as reservas naturais de água potável tornam-se ainda mais valiosas. Com a escassez de água a ser uma realidade cada vez mais frequente, torna-se imperativo uma mudança no comportamento dos consumidores por forma a poupar-se água.

Mas só isso não chega. Porque muito do desperdício de água não ocorre à vista de todos, mas sim na infraestrutura. Gestão inadequada, infraestrutura envelhecida... são várias as razões que levam a que haja um grande diferencial entre a quantidade de água que entra na infraestrutura e a que efetivamente chega à torneira dos consumidores.

A média europeia indica que o valor médio dessas perdas ronda os 40%. Portugal é considerado como um caso de boa gestão, dado que apresenta valores inferiores a essa média. Mas isso deve-se apenas a alguns bons exemplos, como a EPAL ou a Indaqua, que registam valores impressionantes: na ordem dos 10%. Para conseguir estes números ambas as empresas apostam fortemente na tecnologia e em boas práticas de monitorização que deveriam ser replicadas.

“Em Portugal, registou-se uma redução significativa dessas perdas nos últimos anos, tendo passado em média de 40% de perdas de água para cerca de 28%, pese embora ainda existam entidades gestoras com valores na ordem de 70 a 80% de perdas, o que não é o caso da EPAL, que apresenta valores na ordem de 10%, constituindo uma referência a nível mundial”, aponta fonte oficial da EPAL. Já Pedro Perdigão, CEO do Grupo Indaqua, considera que a gestão de perdas nas redes de abastecimento de água é uma problemática em que, há pelo menos uma década, o setor está estagnado e apresenta resultados muito acima do recomendável. A opinião do executivo assenta nos dados divulgados pela ERSAR - Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, que fixou em 20% a percentagem a partir da qual considera a qualidade desta gestão como “insatisfatória”, no caso das entidades gestoras em baixa (isto é, que levam água até aos consumidores).

“Os últimos dados disponíveis, relativos a 2020, mostram uma média nacional de perdas de água de 28,7%, o que se traduz em 236.459.491 m3 de água/ano que entram nas redes de abastecimento, com todos os custos de tratamento de transporte que isso implica, mas que nunca chegam aos consumidores, devido a roturas, fugas ou roubos”, aponta o executivo, que acrescenta que, de acordo com o relatório anual da ERSAR, 65 entidades gestoras estão acima dos 50% de perdas, o máximo de perdas registado chega aos 82,4% e há 18 entidades que não reportam resultados, por não terem sequer registo do volume de água que desperdiçam.

Questionado sobre as razões para este cenário a resposta foi pronta. “Há vários fatores que contribuem para o nível de ineficiência que, de forma global e no que à gestão de perdas diz respeito, se verifica no nosso país. Uma das principais dificuldades prende-se com o facto de grande parte das entidades gestoras operarem redes cada vez mais envelhecidas que, naturalmente, vão registando mais problemas que levam ao desperdício, como as fugas.”

Pedro Perdigão lembra que muitas entidades não têm a capacidade para assegurar uma correta operação e manutenção das redes, que contribua, por um lado, para mitigar este desgaste e, por outro, para aumentar o seu tempo de vida útil, protelando investimentos muito mais avultados na completa substituição das condutas. A tudo isto há que acrescentar um outro fator muito importante: “Os dados setoriais indicam que em 60% das entidades gestoras o valor gerado pelas tarifas não é suficiente para cobrir os custos da operação. Ou seja, quando as receitas geradas não chegam para as despesas elementares de abastecimento de água e de recolha de águas residuais, não sobra margem para os necessários investimentos em mecanismos que promovam a eficiência – como a manutenção das redes, a aplicação de tecnologia ou o recurso a equipas especializados nesta matéria.”

A EPAL e o grupo Indaqua são duas exceções à regra. Ambas as empresas registam valores de perda na ordem dos 10%. Como? Pedro Perdigão refere que o grupo apostou em Projetos de Eficiência Hídrica e em soluções tecnológicas i2Water. Quanto ao primeiro trata-se de projetos que podem ser contratualizados com qualquer entidade gestora pública ou privada. “Para um período curto (tipicamente, cinco anos), são estabelecidos objetivos concretos e anuais de redução de perdas que a Indaqua se compromete a alcançar no território da entidade contratante, ficando responsável pela aplicação de todos os meios tecnológicos e humanos para que tal aconteça”, explica o CEO da Indaqua.

A grande diferença é que, através de “um investimento muito reduzido por parte das entidades gestoras” consegue-se “valores muito relevantes de poupança de água e económica”. Como? Através da utilização de um “modelo de remuneração com base em performance que estes projetos propõem e que estabelece que uma parte muito significativa da remuneração da Indaqua só acontece após serem alcançados os resultados propostos”.

A estratégia lançada em 2019 está hoje substanciada em contratos com quatro entidades, num total de 12 concelhos, num valor de 11,3 milhões de euros e apresentam estimativas totais de poupança de 24,7 milhões de m3 de água e 14,9 milhões de euros, no final de cinco anos. “A Indaqua tem a ambição de aumentar o número e abrangência territorial dos seus Projetos de Eficiência Hídrica, fazendo, até 2026, subir para 40 os municípios em que garante a diminuição de perdas, seja através destes projetos ou de novas concessões municipais. As estimativas apontam que, no conjunto desses 40 territórios, será possível poupar 10 milhões de euros e 20 mil milhões de litros de água por ano”, acrescenta o CEO do grupo.

Quando a tecnologia faz a diferença

Mas mais do que isso há a destacar a tecnologia utilizada na monitorização da infraestrutura. Softwares que, como explica Pedro Perdigão, monitorizam um conjunto de indicadores de desempenho relevantes que permitem analisar, em tempo real, a operação, suportando decisões de gestão mais acertadas e eficazes.

“A tecnologia é essencial para a gestão otimizada das infraestruturas de abastecimento de água”. Uma frase que mostra a forma como a EPAL encara a necessidade de otimização da gestão da água. “A aquisição e tratamento de dados em contínuo e online, seja através dos sistemas internos como o WONE ou de sensorização cada vez mais aplicada nas infraestruturas e equipamentos, permitem-nos a introdução de sistemas de Machine Learning e de Gémeos Digitais que, no futuro, poderão gerir de forma automatizada e ainda mais otimizada os sistemas de abastecimento de água.”

No caso específico das perdas na rede a empresa implementou o sistema WONE, que, como explica a EPAL, permite a monitorização 24h por dia da rede, o alarme para a existência da mais pequena perda não visível e a priorização das intervenções, traduzindo um combate às perdas na rede de distribuição, situando-se hoje em 10%, elevando Lisboa ao top das cidades mais eficientes do mundo, ao nível de Tóquio, e acima de Nova Iorque, Paris, Londres ou Roma.

Já a Indaqua aposta, entre outras coisas, na colocação de sensores ao longo das condutas, que permitem a recolha de informação relevante à operação, incluindo a identificação de fugas; os geofones, através dos quais os operacionais “auscultam” a rede e ouvem eventuais fugas; a aplicação de contadores mais modernos com maior precisão na leitura de consumos, que contribuem para evitar perdas comerciais.

Se as perdas “invisíveis” na rede são importantes pela sua dimensão e por serem difíceis de detetar (nalguns casos e principalmente se não forem acompanhadas por sistemas de monitorização e alarme) não é menos importante a vigilância por parte do consumidor.

No caso específico da EPAL e da Indaqua, ambas as empresas não só apostam em ações de sensibilização junto do consumidor por forma que este altere os seus comportamentos e passe a poupar água, como disponibilizam meios que permitam que estes registem incidências sempre que estas ocorrem. Seja uma linha gratuita – no caso da EPAL o 800 201 600 – em que se pode comunicar roturas na via pública, seja através da disponibilização de aplicações como a myAQUA e do serviço “waterbeep®” que permite que os consumidores tenham obtêm informação sobre os consumos de água nas suas habitações, espaços comerciais, industriais ou escritórios. No caso da EPAL, o serviço dispõe de um sistema de alertas, por SMS e/ou email, que sinaliza consumos anómalos, permitindo assim minimizar eventuais perdas e gastos desnecessários de água.

A utilização de sensores ao longo da infraestrutura, complementados por sistemas inteligentes, permite uma mais rápida deteção das perdas de água e a consequente reparação de problemas. Uma opinião firmemente vincada por Pedro Perdigão, que afirma que “sem dúvida que a tecnologia, quer a que é aplicada no terreno quer os softwares de gestão que permitem a análise de indicadores de desempenho, é cada vez mais relevante e necessária para garantir uma operação de abastecimento de água otimizada, que mitigue os prejuízos para o ambiente e para a gestão financeira de qualquer entidade gestora”.

No entanto, é algo que tem de ser complementado com a manutenção e modernização da infraestrutura. E aqui está o problema. Os investimentos necessários são elevados e a queixa é a de que “os incentivos à eficiência são diminutos ou inexistentes, como comprova o facto de várias entidades gestoras não terem capacidade para monitorizar os seus desperdícios ou os custos da operação e ainda a constatação de que vários programas de fundos nacionais ou comunitários não têm resultados materializados em mudanças concretas para o setor, por não existir um controlo e uma “prestação de contas” rigorosa da sua aplicação”, aponta o CEO da Indaqua.

Pedro Perdigão vai mais longe e afirma que “enquanto não for pensada e implementada uma estratégia setorial e governamental de incentivo à eficiência, enquanto as entidades gestoras não tiverem capacidade para investir em recursos técnicos, tecnológicos e humanos para aportar valor à gestão ambiental pela qual são responsáveis, manteremos níveis de desperdício que se provarão ainda mais incomportáveis no futuro.”

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