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Bilhete de identidade Idade: 45Cargo: secretária-geral do Business Council for Sustainable Development (BCSD) (desde fevereiro de 2024), cofundadora da Women in ESG Portugal, EGF, diretora técnica (desde 2016), Mota-Engil (2006-2024)Formação: Engenheira do Ambiente, Universidade Nova de Lisboa (2002)
As empresas têm feito progressos no caminho da sustentabilidade e as regras europeias, especialmente no domínio dos direitos humanos, são uma oportunidade para as PME recuperarem negócios que se mudaram para o Oriente. Assim o diz a secretária-geral do Business Council for Sustainable Development (BCSD), convidada das "Conversas com CEO" integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30. Numa entrevista que pode ser ouvida na íntegra em podcast, falamos do atraso de Portugal na gestão de resíduos e no que é preciso fazer para ultrapassar um problema dramático. E visitamos o município da Maia, um dos poucos bons exemplos, onde se teve a coragem de aplicar a regra, há muito recomendada pela UE, de se pagar pelo lixo que se faz. Cofundadora da Women in ESG Portugal, Filipa Pantaleão confessa que foram as suas filhas que a levaram a aderir a este movimento.Foi o facto de ser uma daquelas meninas preocupadas com o ambiente que a levou a escolher esta engenharia?
Não. Tenho uma história de orgulho de ver o meu pai ser engenheiro e de pensar que também queria seguir as suas pisadas. Na altura estávamos a celebrar o início de uma era, do Protocolo de Quioto, de uma série de preocupações ambientais. Identifiquei-me com estes assuntos e pensei: ‘Engenharia do Ambiente é uma área que faz sentido, vai ter futuro’. E adorei. Dá-nos uma grande base para ter sensibilidade para o que estamos a viver hoje.
E hoje tem um comportamento sustentável?
Todos tentamos de alguma maneira ter. Se fizermos um inquérito, ninguém vai responder que não. A não ser alguns extremos que temos na sociedade. Por exemplo, no mundo dos resíduos. Se perguntarmos às pessoas se reciclam, os 10 milhões de portugueses dirão que sim. A questão é que não reciclam sempre, nem tudo, nem em todo lado. E isso faz muita diferença.
A sua carreira até agora foi feita em grande parte na área da gestão de resíduos. Consegue perceber porque é que Portugal está tão atrasado?
Consigo. E não tem a ver com as infraestruturas ou com as empresas. Estamos a falar de um setor complexo com uma panóplia de empresas. Temos duas grandes áreas de resíduos, a urbana e a industrial. A industrial está muito ligada ao setor privado, é uma parte do negócio das empresas. E essa está mais adiantada. Não temos é tanta noção do seu impacto, mas vamos ter mais, até porque vamos ter os índices de circularidade.
É na gestão dos resíduos urbanos que existe o atraso?
Atrasado está nas duas, apenas é muito mais visível nos resíduos urbanos do que nos industriais. Nos resíduos urbanos a realidade é muito diferente de há 20 anos para cá. Já temos infraestruturas para tratar os resíduos, mas não os estamos a encaminhar das nossas casas para o sítio certo. Se colocamos um resíduo fora do sítio ele vai seguir um caminho e já se perdeu na reciclagem.
A infraestrutura existe, as empresas existem, mas são as famílias que não separam devidamente os resíduos?
As pessoas vão sempre dizer que reciclam, mas as taxas de reciclagem são de 12% ou 13%. O que é que aconteceu aos restantes 80 e tal? Não seguiram o caminho certo. Há infraestruturas, temos centrais de triagem que podem separar, por exemplo, os resíduos de embalagens, se os colocarmos no contentor certo. Acho que é preciso um esforço e acima de tudo vontade política para tomar decisões que alterem comportamentos. A Comissão Europeia recomenda há muito um mecanismo que é o ‘pay as you throw’ que, de forma simplificada, é a lógica do poluidor pagador.
O que a Maia fez foi associar a produção de resíduo, a quantidade e a separação, ao que a pessoa paga.
Pagar o lixo que fazemos.Exatamente. Dando até liberdade. Quem não quer reciclar não recicla, mas vai obviamente pagar uma taxa de serviço que não tem nada a ver com quem recicla. Há mais de 15 anos que existem estas recomendações. Quanto mais estivermos alinhados com este princípio mais as pessoas vão reciclar. Temos o exemplo de municípios que tiveram a coragem política de o fazer, como a Maia. E não é porque têm infraestruturas diferentes, uma recolha diferente ou porque têm mais ou menos contentores. O que a Maia fez foi associar a produção de resíduo, a quantidade e a separação, ao que a pessoa paga.
E não aconteceu na maior parte dos municípios por falta de coragem política?
Assumo que sim.
Neste momento temos já um problema com os aterros.
Temos. Se o caminho é o lixo comum, não temos outra forma que não seja colocá-lo em aterro ou vai para incineradora. E só temos duas incineradoras no continente.
Mas tem expectativa que agora se consiga fazer mais alguma coisa, porque vamos precisar de outro aterro?
Vamos precisar ainda de muitos aterros. Atenção, nós vamos sempre precisar de aterros. Também não acho que se deva demonizar essa situação. Por muito que a política esteja bem implementada vai sempre haver uma fração de 10%, 15% de resíduos que não têm hipótese de recolocação no mercado. Neste momento estamos com uma situação dramática porque os aterros estão a chegar ao fim de vida.
Assumiu responsabilidades como secretária-geral do BCSD. Em que medida é que é útil para as empresas?
O BCSD é um conselho empresarial com quase 200 empresas, 100 grandes empresas e 100 PME, que querem trabalhar a sustentabilidade de forma articulada e colaborativa. Continuamos a trabalhar muito a descarbonização, mas também tratamos outros temas que as empresas nos pedem. Temos áreas de reporte e finanças sustentáveis, cadeia de valor e economia circular e uma área social. E temos ainda a biodiversidade, em que trabalhamos há cerca de cinco anos, mas que tem vindo mais para cima da mesa das empresas, que estão um pouco perdidas e não sabem como é que a podem trabalhar na sua estratégia de negócio.
É também a área mais atrasada na regulamentação da UE.
Sim, mas vai ter agora um grande ‘boost’. Temos um pacto, subscrito por cerca de 50 empresas, assumindo objetivos que vão ser medidos por nós e publicados num relatório. Desta maneira também ajudam as outras empresas.
E qual é o estado da sustentabilidade nas empresas?
As empresas estão a melhorar. Temos um ‘ranking’, que vamos publicar em breve, de cerca de 100 empresas e que mostra que estão a evoluir. Já têm, por exemplo, departamento de sustentabilidade. Já há muito mais investimento em I&D e em inovação. E as maiores preocupações têm a ver com a descarbonização, com a economia circular, com a saúde e segurança dos trabalhadores, com a ética.
[As regras europeias] para as PME são uma enorme oportunidade de recuperar negócio porque, a bem ou a mal, cumprem a lei.
Um dos desafios é, simplificando, o reporte ligado aos direitos humanos. As empresas estão preparadas? Há aqui uma oportunidade de negócio para as PME. A globalização virou a produção para o oriente. E não fazemos a mínima ideia do que se passa do outro lado do mundo, mas percebemos que não é bom. O que se está a exigir é que as empresas, ao longo da cadeia de valor, se fiscalizem umas às outras, para garantir que não existem questões menos éticas ou até ilegais. Para as PME, [as regras europeias] são uma enorme oportunidade de recuperar negócio porque, a bem ou a mal, cumprem a lei. Esse reporte é muito pesado? Sim, claro que é, porque as pessoas não têm informação para isto. Ninguém tem. Nós também vamos ajudando determinados setores. O da moda e da indústria têxtil é um onde temos um projeto PRR juntamente com o CITEVE.
Uma pequena e média empresa não pode ter um departamento de sustentabilidade.
E também não acho que faça sentido [ter]. Há uma série de empresas que já prestam este serviço e podem basear-se muito nas associações. O que fazemos é dar formação em massa e ferramentas rápidas. E é mesmo mais uma questão de formação do que propriamente de investimento nas PME.
Tivemos a vitória de Donald Trump nos EUA. Que impacto é que pode ter na Europa?
A Europa definiu a sua estratégia. Não devemos estar preocupados com o que os EUA vão fazer, mas sim em implementar a nossa estratégia, que definimos há alguns anos e que queremos seguir. E é a regulação que está a transformar esta estratégia de sustentabilidade junto das empresas e dos governos.
Mas que significa custos e menos competitividade.
Não pode ser visto só dessa forma linear. Não há nenhum avanço que não implique custos, seja de mão de obra, de tecnologia ou inteligência artificial. Vai ter um custo de produção, mas vai deixar-nos numa performance melhor. Em ternos globais é o que esperamos. Como temos um grande impacto também nos países subdesenvolvidos, porque doamos muito dinheiro e apoiamos projetos nesses países, é essa a estratégia a seguir. E mesmo antes de Trump ter sido eleito, a Ford já tinha dito que ia aligeirar a sua política de DEI [Diversidade, Equidade e Igualdade]. Não é nada de novo.
Vê a mesma tendência na UE?
Não vejo a mesma tendência de extremismo. As empresas estão cientes de que precisam da diversidade para continuar a evoluir o negócio. Quanto mais diversas forem as equipas, melhores resultados vão ter. Isto está comprovado.
É também cofundadora do Women ESG Portugal. O que a mobilizou a fundar este movimento?
As minhas filhas, uma com 15 e outra com 12 anos. A Alice Khouri veio ter comigo e com a Rita Rendeiro, que somos as cofundadoras. E trouxe a ideia de que temos mais mulheres a trabalhar os temas da sustentabilidade, mas temos um problema de igualdade de género no topo das organizações, onde está o poder de decisão. O que faz com que a sustentabilidade não chegue tão rápido à estratégia. E a Alice teve a ideia de uma iniciativa cívica que desse palco às mulheres que trabalham na sustentabilidade e que são preocupadas com a igualdade de género. Falei com as minhas filhas e percebi que elas não sabiam o que era igualdade de género, não entendem uma injustiça associada a ser homem ou mulher promovido para um determinado cargo. Foi um abre-olhos.
Não esperariam ser discriminadas por serem mulheres?
Exatamente. E pensei, não é tarde nem é cedo para poder ajudar a construir este caminho. O que fizemos foi dar essa voz. Há uma lista, em que as mulheres se podem inscrever de forma voluntária e explicar em que área da sustentabilidade estão a trabalhar. As mulheres portuguesas não se costumam expor, mas já estamos com mais de 600 inscrições.
Qual o desafio que gostaria que fosse vencido de forma rápida? Do género, tenho um sonho para a sustentabilidade?
Uma sociedade responsável. Se trabalhássemos com sentido de responsabilidade em tudo, como se tudo fosse finito, de que tudo vai acabar, então, de certeza que íamos estar mais preocupados com esse fim, com quando e como é que ia ser. E íamos, de certeza, deixar isto um bocadinho melhor do que está agora.