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Falta talento para concretizar estratégias ESG

Com a sustentabilidade na mira das estratégias das empresas, cresce a necessidade de ter profissionais qualificados para perseguir objetivos ambientais, sociais e de governação. Mas com mais de 90% das empresas a não terem o talento de que necessitam, quem vai operacionalizar os projetos?

Sónia Santos Dias 08 de Fevereiro de 2023 às 15:00
Economia verde pode criar 24 milhões de novos empregos. DR
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Já não há dúvidas de que a sustentabilidade está hoje nos centros de decisão das empresas. Em Portugal, 82% das organizações já desenvolveram a sua estratégia ESG (ambiental, social e governação) ou planeiam fazê-lo. No entanto, 91% das mesmas indicam que não têm o talento necessário para implementar esses objetivos.

 

Os dados foram revelados recentemente pela ManPower- Group. Este valor está em linha com o cenário global, em que 94% dos empregadores afirmam enfrentar a mesma realidade, no estudo "The Search for ESG Talent" (A procura por talentos ESG), que inquiriu mais de 40 mil empresas em 41 países. "Isto deve-se ao facto de se tratar de funções recentes, cuja procura viu um crescimento significativo e para as quais não existem ainda profissionais suficientes com as skills necessárias", explica Rui Teixeira, country manager da ManPowerGroup em Portugal. No que respeita às áreas para as quais as empresas pretendem recrutar, a de governação é referida por 38% dos empregadores nacionais, a de ambiente por 35% e a de impacto social por 33%. No entanto, três das cinco funções ESG mais procuradas estão focadas no impacto ambiental.


Rui Teixeira diz que o ESG coloca os salários acima da média.

 

Outros estudos corroboram esta visível tendência. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, estima-se que até 2030 poderão ser criados 24 milhões de novos empregos em todo o mundo relacionados com a economia verde. E o LinkedIn regista um crescimento anual de 8% de postos de trabalho verdes nesta plataforma nos últimos cinco anos.

 

Toda a movimentação global vai neste sentido. E mais especificamente, a nível regulatório, a obrigatoriedade de a empresas começarem a reportar as suas práticas e indicadores associados às questões ambientais, sociais e de governação impele para este caminho. "Em qualquer área de negócio, as empresas que não apostarem em políticas sustentáveis vão perder competitividade e acesso a apoios que podem ser libertados no contexto ESG", destaca Bernardo Samuel, diretor da Adecco Recruitment. Por isso, "o expectável é que as organizações tenham as suas lideranças de topo sensibilizadas para as matérias ESG", acrescenta.

 

O ESG trespassa, assim, toda a organização e requer ação em várias áreas de conhecimento e competência. Motivo pelo qual tudo deve começar por ter alguém dentro da empresa que olhe para a sustentabilidade de forma transversal. "Além de uma estratégia delineada, as organizações precisam de alguém que agarre a batuta na condução de todas estas áreas.


Afonso Arnaldo alerta para a importância de delinear uma estratégia.

 

Tal como uma orquestra não vive sem um maestro, o ESG requer alguém que faça a ligação entre as várias áreas que são chamadas a intervir na execução da estratégia estabelecida", destaca Afonso Arnaldo, partner e responsável de sustentabilidade da Deloitte. Porém, acrescenta "muitas vezes, não se trata tanto da falta de talento nas áreas de ESG, mas da falta de delineação de uma estratégia e da nomeação de um responsável por fazer executar a mesma".

 

Olhar para a prata da casa

 

Ainda segundo o estudo que comprova a atual caça aos talentos ESG, para responder à sua escassez, 45% das empresas em Portugal pretendem recrutar novos profissionais. Porém, a maioria pretende olhar para a prata da casa, nomeadamente 41% pretendem dar novas competências (upskill) aos seus trabalhadores e 24% consideram acrescentar novas responsabilidades ESG às funções atuais da sua equipa. De salientar que 23% também contam recorrer a consultores externos.

 

"As empresas estão a perceber que aproveitar talento que já têm e proporcionar-lhes oportunidades de capacitação e qualificação nestas áreas é reconhecer um potencial de empregabilidade futura, com as pessoas a conseguirem adaptar-se às novas necessidades do mercado. Para os trabalhadores é fundamental terem a oportunidade de continuar a se desenvolver e crescer; para as organizações, enquanto organismos vivos que são, criarem novas soluções e prepararem os próximos desafios", destaca Rui Teixeira.

 

Em muitos casos, estamos a falar de funções novas que necessitam de upskilling e reskilling, que capacita o profissional dentro da empresa e amplia o leque de possibilidades da sua atuação. 


Bernardo Samuel alerta para a necessidade de converter as empresas.

 

Assim, longe vai o tempo em que a sustentabilidade era uma questão de boards, agora há toda uma empresa a "ser convertida". Sobre este aspeto, Bernardo Samuel salienta que "numa abordagem estratégica de gestão sustentável das organizações, é desejável que toda a força de trabalho sinta que faz parte de um todo e que compreende e participa ativamente no propósito da sua empresa. Isto é um trabalho em que a responsabilidade dos gestores de pessoas é uma pedra fundamental."

 

E o que acontece à esmagadora maioria do tecido empresarial português, composta por micro, pequenas e médias empresas? Numa área que tem necessidade de cruzar especialistas de várias áreas do saber, torna-se difícil haver talentos específicos individuais com especialidade ESG. "As empresas com dimensão podem formar task forces internas, mas, sendo realistas, serão pouco representativas a nível nacional as empresas com capacidade para tal", destaca o responsável da Adecco. Por isso, colmatar as competências ESG passará por "recorrer a entidades externas ou a especialistas com efetiva certificação académica e prática para o efeito", acrescenta.

 

Muita procura, salários aumentam

 

É a lei do mercado a falar. Quando há muito procura e pouca oferta, multiplicam-se os incentivos para reter o talento necessário. "O tema sustentabilidade e ESG é incontornável e aqueles que não o abordarem nesta perspetiva holística terão muitas dificuldades em sobreviver no futuro próximo. Isto significa que os profissionais habilitados a tratar estes assuntos estão a ser cada vez mais valorizados. Funciona o mercado", destaca o partner da Deloitte.

 

A busca por estes perfis é tanta que já está a ser pago um salário até 30% mais elevado do que a perfis de gestão sem esta competência. A tendência chegou para ficar. No caso da ManPowerGroup, a perceção é a de que "o crescente foco em ESG por parte das organizações irá fomentar um aumento do investimento nestas áreas, bem como nas funções e nas necessidades de competências associadas". Por outro lado, como em qualquer outra área em que há carência de profissionais qualificados, "também no caso do ESG podemos verificar salários acima do mercado, sendo este um dos elementos na estratégia das organizações para atraírem e reterem estes profissionais", acrescenta Rui Teixeira.

 

As áreas formativas também crescem para criar este talento. Já existe uma diversidade de opções para quem queria fazer formação na área de sustentabilidade, desde workshops de algumas horas, passando por cursos, pós-graduações e até MBA que exigem um maior investimento temporal e financeiro. Está assim aberta no mercado de trabalho uma janela de oportunidades para quem queira abraçar as causas ESG.

 

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