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A produção de alimentos é essencial para a sobrevivência do Homem. E também na agricultura chegou o conceito de sustentabilidade com novas visões de como aumentar a redução das culturas garantindo a saúde dos solos. A agricultura é uma dessas novas abordagens. E, como refere Francisco Ferreira, presidente da Zero - Associação Sistema Terrestre Sustentável, não existe uma definição consensual nem regulamentada de "agricultura regenerativa", esta tem pontos em comum com conceitos já em uso. É o caso do melhorar a saúde dos solos, otimizar a gestão dos recursos, contribuir para a mitigação e adaptação às alterações climáticas, melhorar a qualidade e abundância dos recursos hídricos, melhorar a biodiversidade (incluindo a do solo), melhorar a qualidade física e o teor de carbono dos solos e melhorar a circulação de nutrientes. Mas a grande diferença, acrescenta o ambientalista, reside na execução de "implementadas práticas racionais como a minimização dos inputs externos, as policulturas, a mobilização mínima dos solos, a rotação de culturas, o uso de compostos e estrumes orgânicos e o cultivo de vegetais perenes".
Embora seja algo semelhante à agricultura biológica (essa sim já regulamentada dentro da União Europeia), "possui muita convergência com a agricultura de conservação e as práticas associadas ao design de permacultura e à agroecologia". Quanto a isto a Zero tem uma posição muito firme, defendendo uma abordagem agroecológica, ou seja, mobilizando conhecimentos transdisciplinares e adotando princípios éticos e democráticos para desenhar sistemas alimentares integralmente sustentáveis, assumindo que são indissociáveis dos demais aspetos da sociedade e dos ecossistemas - incluindo a saúde humana e a estabilidade climática.
A Terramay, localizada na freguesia do Rosário, concelho do Alandroal, é um bom exemplo desta "nova" abordagem à agricultura. A propriedade, com 562 hectares, foi comprada em 2018 por Thomas Sterchi e pela família De Brito, com os proprietários a assumirem que o objetivo é ser autossuficiente (na medida do possível).
A abordagem defendida por David de Brito, diretor de agricultura na herdade, assenta na premissa "soil to soul", em que a produção é vista como fazendo parte integrante de um projeto maior, em que a saúde dos solos tem influência na qualidade de vida dos animais e do ser humano.
E uma das formas encontradas para garantir essa "saúde" prende-se com o não fazer culturas intensivas, por forma de não esgotar os solos. Isso implica não só a rotação das culturas pelas várias parcelas, mas, mais do que isso, no plantar culturas complementares umas ao lado das outras. Ter alho-francês ao lado das alfaces, por exemplo. Ter as acelgas ao lado das couves e perto de algum absinto. Está provado que determinadas culturas ao lado de outras servem de proteção a pragas (embora o oposto também se verifique).
Os vários testes levados a cabo permitiram verificar que, normalmente, as ervas aromáticas são uma boa defesa, daí haver sempre alguma erva plantada no meio (ou perto) das várias culturas. Curiosamente, e por vezes, essa proximidade também pode acabar por influenciar o sabor. Anna De Brito, cofundadora e diretora do turismo da Terramay, referiu a colheita de uns tomates que tinham ao lado piripíri e que quando provou estavam picantes.
Para compreender a complementaridade das culturas e assegurar a sobrevivência das mesas, a plantação é feita por fases. Há uma estufa, onde são plantadas as sementes, e cerca de 15 dias depois passam uma zona de adaptação ao clima. Desta forma o índice de "sobrevivência" é muito maior.
Além disso são levados a cabo outros cuidados. David De Brito refere que só compram sementes não geneticamente manipuladas e todas as culturas são plantadas em locais adequados às suas necessidades. O diretor da Terramay dá o exemplo das cenouras que precisam de um solo mais arenoso. Para tal, logo de início, foi feito o mapeamento de toda a propriedade.
A Terramay trabalha sob os conceitos da policultura dentro da policultura e de diferentes tempos diferentes espaçamentos (de plantação). A plantação em diferentes momentos (por exemplo, plantar um talhão de batatas apenas 15 dias depois da primeira plantação) para, entre outras coisas, prevenir pragas, adaptações ao solo, evitar alterações do clima... desta forma não só se evita potenciais perdas como permite ter uma produção prolongada no tempo. Por outro lado, a empresa transfere os princípios de proximidade de culturas utilizados na horta para a produção extensiva. À plantação de um talhão de batata segue-se um de alho. Depois novamente batata, alternado com um talhão de cebola, batata, coentros... basicamente uma parcela de terreno é constituída por várias culturas alternadas que evitam a exaustão do solo e simultaneamente tentam prevenir o aparecimento de pragas.
Mas a Terramay vai mais longe. A forma holística de encarar o setor primário leva a que a herdade use a sua própria produção para alimentar os residentes, que atualmente constam de bovinos de raça Mertolenga, porcos Pata Negra, cabras, ovelhas, galinhas, patos, cavalos e os dois patudos. A Malhadinha e o Rambo. E depois há que aproveitar o papel de "limpeza" e fertilização dos animais que povoam a herdade. Estes andam livremente por parcelas previamente definidas e vão rodando ao longo da herdade. Ou seja, comem as ervas daninhas e limpam o terreno (ao mesmo tempo que o fertilizam) e quando este já está devidamente limpo (há o cuidado de não deixar que a erva existente chegue a ter a raiz visível) vão para outra parcela. Desta forma, o solo nunca chega ao estado de desertificação (os porcos, por exemplo, são exímios em esgotar o solo).
A desertificação é um problema real e uma das formas que David De Brito encontrou para o combater (ou tentar atenuar) foi o de optar por raças autóctones e cujos números estavam a diminuir (não ainda a ponto da ameaça de extinção) e que pudessem resistir às amplitudes térmicas da região. Uma das escolhas recaiu, por exemplo, sobre as cabras serpentinas e ovelhas merino. Animais que são alimentados com o que a herdade produz. Seja quando estão a "passear" pela herdade seja porque comem as culturas que "sobram" da colheita do dia.
Esta abordagem holística não só garante a qualidade do que se produz (e do que se come) como é amiga do meio ambiente. Como refere David De Brito, a Terramay não só recebeu o certificado dado pela Agricert a assegurar que a quinta é biológica (produção e animais) como que sequestrou 6.000 toneladas de carbono no ano passado. Ou seja, a agricultura regenerativa praticada não só aufere uma garantia de qualidade aos produtos e animais, como assegura a boa saúde dos solos e contribui para a descarbonização do país. E pode, num futuro muito próximo, trazer novas fontes de rendimento. Sim, porque será possível "vender" os créditos de carbono.
Embora seja algo semelhante à agricultura biológica (essa sim já regulamentada dentro da União Europeia), "possui muita convergência com a agricultura de conservação e as práticas associadas ao design de permacultura e à agroecologia". Quanto a isto a Zero tem uma posição muito firme, defendendo uma abordagem agroecológica, ou seja, mobilizando conhecimentos transdisciplinares e adotando princípios éticos e democráticos para desenhar sistemas alimentares integralmente sustentáveis, assumindo que são indissociáveis dos demais aspetos da sociedade e dos ecossistemas - incluindo a saúde humana e a estabilidade climática.
562hectares
A Terramay, localizada no concelho do Alandroal, ocupa uma área de 562 hectares e tem o objetivo de ser autossuficiente.
A abordagem defendida por David de Brito, diretor de agricultura na herdade, assenta na premissa "soil to soul", em que a produção é vista como fazendo parte integrante de um projeto maior, em que a saúde dos solos tem influência na qualidade de vida dos animais e do ser humano.
E uma das formas encontradas para garantir essa "saúde" prende-se com o não fazer culturas intensivas, por forma de não esgotar os solos. Isso implica não só a rotação das culturas pelas várias parcelas, mas, mais do que isso, no plantar culturas complementares umas ao lado das outras. Ter alho-francês ao lado das alfaces, por exemplo. Ter as acelgas ao lado das couves e perto de algum absinto. Está provado que determinadas culturas ao lado de outras servem de proteção a pragas (embora o oposto também se verifique).
Os vários testes levados a cabo permitiram verificar que, normalmente, as ervas aromáticas são uma boa defesa, daí haver sempre alguma erva plantada no meio (ou perto) das várias culturas. Curiosamente, e por vezes, essa proximidade também pode acabar por influenciar o sabor. Anna De Brito, cofundadora e diretora do turismo da Terramay, referiu a colheita de uns tomates que tinham ao lado piripíri e que quando provou estavam picantes.
Para compreender a complementaridade das culturas e assegurar a sobrevivência das mesas, a plantação é feita por fases. Há uma estufa, onde são plantadas as sementes, e cerca de 15 dias depois passam uma zona de adaptação ao clima. Desta forma o índice de "sobrevivência" é muito maior.
Além disso são levados a cabo outros cuidados. David De Brito refere que só compram sementes não geneticamente manipuladas e todas as culturas são plantadas em locais adequados às suas necessidades. O diretor da Terramay dá o exemplo das cenouras que precisam de um solo mais arenoso. Para tal, logo de início, foi feito o mapeamento de toda a propriedade.
A Terramay trabalha sob os conceitos da policultura dentro da policultura e de diferentes tempos diferentes espaçamentos (de plantação). A plantação em diferentes momentos (por exemplo, plantar um talhão de batatas apenas 15 dias depois da primeira plantação) para, entre outras coisas, prevenir pragas, adaptações ao solo, evitar alterações do clima... desta forma não só se evita potenciais perdas como permite ter uma produção prolongada no tempo. Por outro lado, a empresa transfere os princípios de proximidade de culturas utilizados na horta para a produção extensiva. À plantação de um talhão de batata segue-se um de alho. Depois novamente batata, alternado com um talhão de cebola, batata, coentros... basicamente uma parcela de terreno é constituída por várias culturas alternadas que evitam a exaustão do solo e simultaneamente tentam prevenir o aparecimento de pragas.
Mas a Terramay vai mais longe. A forma holística de encarar o setor primário leva a que a herdade use a sua própria produção para alimentar os residentes, que atualmente constam de bovinos de raça Mertolenga, porcos Pata Negra, cabras, ovelhas, galinhas, patos, cavalos e os dois patudos. A Malhadinha e o Rambo. E depois há que aproveitar o papel de "limpeza" e fertilização dos animais que povoam a herdade. Estes andam livremente por parcelas previamente definidas e vão rodando ao longo da herdade. Ou seja, comem as ervas daninhas e limpam o terreno (ao mesmo tempo que o fertilizam) e quando este já está devidamente limpo (há o cuidado de não deixar que a erva existente chegue a ter a raiz visível) vão para outra parcela. Desta forma, o solo nunca chega ao estado de desertificação (os porcos, por exemplo, são exímios em esgotar o solo).
6.000Carbono
Em 2021, a propriedade sequestrou 6.000 toneladas de carbono e tem o certificado da Agricert de que é uma quinta biológica.
Esta abordagem holística não só garante a qualidade do que se produz (e do que se come) como é amiga do meio ambiente. Como refere David De Brito, a Terramay não só recebeu o certificado dado pela Agricert a assegurar que a quinta é biológica (produção e animais) como que sequestrou 6.000 toneladas de carbono no ano passado. Ou seja, a agricultura regenerativa praticada não só aufere uma garantia de qualidade aos produtos e animais, como assegura a boa saúde dos solos e contribui para a descarbonização do país. E pode, num futuro muito próximo, trazer novas fontes de rendimento. Sim, porque será possível "vender" os créditos de carbono.