Outros sites Medialivre
Notícia

Ser sustentável também (e principalmente) na vinha

Ter o selo de “produtor sustentável” significa a aplicação de boas práticas não só na vinha mas também na adega. Significa apostar na biodiversidade, na gestão da água, da energia, dos resíduos e no apoio da comunidade local. E, no futuro - não tão longe quanto se pensa - significa ainda ser mais competitivo. Algo que já pesa nas exportações.

16 de Março de 2022 às 11:30
Há parcelas de vinha analisadas individualmente para avaliar o nível de águas necessário. Fabrice Demoulin
  • Partilhar artigo
  • ...
Todos os que trabalham no setor primário, nomeadamente na "terra" são os principais interessados em promover um ambiente sustentável. A vinha, com todo o processo de produção de vinho não foge à questão. Muito pelo contrário. Há muitas práticas que os produtores há muito adotaram e que agora, que começam a surgir programas oficiais de certificação em sustentabilidade, começam a ser valorizadas. Ou diga-se, certificadas.

A Casa Relvas é um bom exemplo. Desde os anos 90 que a empresa adotou um conjunto de práticas que considerou serem vantajosas para a manutenção da biodiversidade da propriedade. E, quando os Vinhos do Alentejo criaram o Programa de Sustentabilidade, foram dos primeiros produtores aderentes. As primeiras avaliações, por volta de 2016, trouxeram uma surpresa. Como revela Alexandre Relvas, CEO da Casa Relvas, apesar de o resultado ter apontado diversos pontos de melhoria, a empresa estava "bastante avançada na avaliação do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo".

1,5Água
Na Casa Relvas, a água usas por garrafa produzida caiu de cerca 5 litros há 10 anos para cerca de 1,5 litros.
O programa aborda a sustentabilidade em dois aspetos essenciais: na vinha e na adega. Sobre isso Alexandre Relvas aponta que, quer num ponto quer no outro, a herdade incide naquilo que considera ser fundamental - ainda mais nos dias de hoje: a gestão da água. "É uma das áreas onde mais investimos nos últimos anos." O investimento, afirma, passou por diminuir a quantidade de água usada por garrafa produzida - que há cerca de 10 anos era de cerca 5 litros e hoje diminuiu para 1,5 litros. Como é que isso foi conseguido? Com passos simples, com palestras, com consciencialização, com trocas de mangueiras e com um olhar sempre atento à melhoria. O passo seguinte, foi o de reciclar essa água, por forma a que seja utilizada em régua.

Há uma atividade onde é inevitável que se use muita água: a lavagem do interior das garrafas. Trata-se, explica Alexandre Relvas, de água que não é poluída, mas sim passível de ser usada para lavagens de chão e enxaguamentos.

A gestão da água é uma das áreas onde mais investimos nos últimos anos. Alexandre Relvas, CEO da Casa Relvas
Ainda na adega, mas na parte das embalagens, o produtor utiliza maioritariamente cartão feito a partir de papel reciclado certificado e as garrafas são produzidas com uma menor quantidade de vidro, reduzindo assim em grande parte as emissões de CO2 das atividades da empresa. No último ano, por exemplo, a empresa investiu cerca de 1,5 milhões de euros, com muito desse investimento a incidir quer na racionalização da água ,quer nas energias renováveis com a implementação de painéis fotovoltaicos e a aquisição de um grupo de frio mais eficiente.

Já a Herdade do Rocim, entre outras medidas, optou por ter um sistema informação semanal de consumo de água por forma a aumentar a sensibilização dos colaboradores para este tema. Isso e a colocação de cartazes de sensibilização para a poupança da água junto de cada torneira, tanto na área operacional como na área do enoturismo.

Ainda na adega, mas na vertente energética a empresa optou por medidas "simples" como a colocação de luzes com sensores de movimento e iluminação controlada por temporizadores. A par disto está a decorrer um projeto de aquisição de painéis fotovoltaicos. Mas a preocupação vai para além disso. A empresa tem o cuidado de adquirir as barricas, rolhas e embalagens de cartão provenientes apenas de florestas sustentáveis, assim como o comprar garrafas mais leves.

9Monte d’Oiro
A Quinta do Monte d’Oiro aumentou a área de vinha para 9 hectares o que levou à instalação de painéis fotovoltaicos.
Numa outra região, e há 15 anos em produção biológica, a Quinta do Monte d’Oiro investiu recentemente no aumento da área de vinha - 45% ou 9 hectares - o que a obrigou a aumentar a implementação existente de painéis fotovoltaicos. A localização específica da quinta faz com que a maioria do consumo de energia ocorra durante o dia - as noites ali são frias. Qual a solução adotada pelo produtor? Extrair o ar quente e forçar a entrada de ar frio. Quando a instalação dos novos painéis estiver concluída - no final de junho - isto significa que vão estar a consumir a energia produzida pelos painéis no horário mais caro. Ou seja, é um investimento racional não só do ponto de vista ambiental, mas, também financeiro. Apesar de as contas não estarem finalizadas a previsão é de que, com os painéis, no pico do consumo de energia o produtor tenha energia suficiente para não ter de a "comprar". Ou seja, podem ser autossuficientes.

Já na questão da água para as lavagens das barricas - o principal "culpado" na adega, a Quinta deixou de usar água direta para usar um lavador com um springler e que usa vapor. O que consome muito menos quantidade de água e é muito mais eficaz na barrica, porque desinfeta até ao mais ínfimo recanto.

E na vinha propriamente dita? Também aqui a água é essencial. No caso da Casa Relvas cada parcela é analisada individualmente por forma a ser abastecida apenas com o necessário. Através o recurso a sondas capacitivas é possível saber o estado da planta e atuar de acordo e conjugado com as previsões meteorológicas. A isto a Herdade do Rocim acrescenta as práticas culturas como as gradagens superficiais, o enrelvamento com espécies espontâneas, que são também importantes, porque permitem a redução da evapotranspiração e consequentemente uma redução da necessidade de rega.

40%Exportação
O Alentejo exporta 40% da produção de vinho. Em 2015 nasceu o primeiro projeto de sustentabilidade
Uma outra ação aparentemente "simples" passa pela utilização de ovelhas a pastar na vinha que, durante o inverno, funcionam como controlo das infestantes. Há ainda uma outra vantagem ao utilizar estes animais: evita o uso de máquinas para cortar ervas, diminuindo as emissões de poluentes gasosos e compactações de solo. Já a Herdade do Rocim investe no manuseamento da canópia da vinha, no sentido de melhorar o microclima das folhas e cachos, tendo em vista a redução na aplicação de produtos fitossanitários, e consequentemente a redução do teor de resíduos nas uvas e nos vinhos produzidos. Quanto aos chamados "corredores ecológicos" estes consistem em manter (ou tentar manter) a fauna original em redor da vinha. Basicamente passa por fomentar a biodiversidade o que dá algum certo nível de proteção às culturas.

Resumindo, no campo, promove-se a boa gestão dos solos, a redução o uso de fitofármacos, a utilização de organismos auxiliares, a preservação dos ecossistemas e da biodiversidade, a conservação e restauro das linhas de água, e o recurso aos modos de produção integrada e biológica. O importante, afirma Alexandre Relvas, é ter um uso racional, quer dos fitofármacos quer da água. "Atuar sem atuar em excesso".

O primeiro Programa em Portugal O Programa de Sustentabilidade desenvolvido pelo Vinhos do Alentejo é o primeiro no país. E trouxe a vantagem de, segundo Alexandre Relvas, potenciar uma interação dos produtores no tema de sustentabilidade, assumido o papel de centro de aprendizagem.

O programa surgiu por uma identificação clara do que, no mercado externo, parecia ser uma falta de competitividade. Isto porque, em 2015, existirem números referentes à sustentabilidade era já uma exigência de muitos clientes. E isso é algo a ter em conta dado que o Alentejo exporta cerca de 40% da produção de vinho.

Como, na altura, não se conseguia responder a questões como "qual o volume de água usado por garrafa", "qual o uso de pesticidas e herbicidas", qual a energia consumida", "qual a relação com os trabalhadores e com a comunidade", os Vinhos do Alentejo decidiram avançar com o programa.

Como explica João Barroso, coordenador da iniciativa, havia aqui uma "oportunidade competitiva que se estava a perder". Em 2013, deram-se os primeiros passos, tendo o lançamento oficial do programa ocorrido em 2015 - a primeira certificação apareceu em 2020. "No primeiro ano tivemos logo 90 membros inscritos", diz João Barroso. Um sucesso que tem vindo a ser construído ao longo do tempo. Hoje, o programa tem cerca de 500 membros (dos quais 100 são adegas) de um universo de cerca de 1.800 viticultores e 220 adegas no Alentejo. Tudo porque a participação no programa é totalmente voluntária. E ter a certificação, revela João Barroso, já dá vantagem competitiva em vários mercados, até porque o programa já "ombreia com os melhores projetos de sustentabilidade a nível mundial".
Mais notícias