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"As florestas são a infraestrutura ecológica mais importante para o planeta." A afirmação é de Marc Palahí diretor do European Forest Institute (EFI) e coordenador do SMI Circular Bioeconomy Alliance (CBA), com o qual o Jornal de Negócio teve uma entrevista exclusiva aquando da sua passagem recente por Portugal, para o Fórum de Sustentabilidade, iniciativa levada a cabo pela The Navigator Company.
Porquê? Desde logo porque são a massa terrestre que mais carbono absorve - o valor vai dos 30 a 40% do total de emissões - mas também são a principal fonte (terrestre) de biodiversidade e de água. Sem esquecer, como refere que são a principal fonte de recursos biológicos renováveis. Que, com a tecnologia existente podemos transformar em soluções baseadas na madeira, por exemplo, para inúmeras indústrias. A construção, o têxtil, químicas, são apenas umas delas.
No entanto, e infelizmente, continuam a não ser devidamente apreciadas e protegidas, no sentido, essencialmente, de haver uma gestão sustentável (e correta) das mesmas. O que parece um contrassenso dado que as florestas são, talvez, a melhor forma de descarbonizar a nossa economia, dado que podem pegar nos materiais fósseis e transformá-los em materiais renováveis.
Uma gestão sustentável da floresta cobre várias áreas: desde sustentabilidade, biodiversidade, desenvolvimento económico e inovação. Por tudo isto não seria altura de começar a dar mais valor às nossas florestas?
Na verdade, e segundo Marc Palahí, o maior desafio, hoje, da floresta reside precisamente na sua desflorestação. Algo que acontece principalmente no Sul do globo, onde a floresta está a ser substituída por terrenos residenciais, industriais ou agrícolas. A resposta, para o diretor do EFI, está na atribuição de um valor económico à floresta. "É importante mostrar que a gestão sustentável da floresta pode ser uma fonte de emprego e de prosperidade económica."
Por outro lado os governos precisam de perceber que investir na biodiversidade é a prioridade número um. Inclusivamente para ter um negócio sustentável a longo prazo.
Basta pensarmos nas consequências das alterações climáticas. Fogos, secas, inundações... e isto é algo que vai ficar (ainda) mais sério - diga-se mais grave - nos próximos anos. "Para que a floresta consiga resistir às mudanças climáticas precisa de ser uma floresta resiliente e diversa."
A importância da biodiversidade
Ter biodiversidade na floresta não significa, necessariamente, apostar apenas em espécies autóctones, mas sim nas espécies que melhor se adequam à nova realidade. Veja-se o caso dos fogos, por exemplo. Portugal, infelizmente já está como que habituado, todos os anos, a ser consumido pelas chamas. Mas para a Alemanha isso é algo relativamente novo. Principalmente os chamados megafogos. E essa é uma tendência que continuará e ser intensificada pelas mudanças climáticas. A única solução é atacar o problema em duas frentes. Por um lado combater a mudança climática, o que, para Marc Palahí, significa passar de uma economia fóssil para uma biocircular - onde a floresta, afirma, desempenha um papel muito importante - e, por outro lado, adaptar as nossas florestas às novas condições. O que pode exigir transplantar algumas espécies para novos locais. Aquilo que se chama migração assistida.
A questão dos fogos é algo essencial. Porque ao arder a floresta não estamos apenas a perder a biodiversidade daquele local. Estamos a perder captura de dióxido de carbono e, simultaneamente, a emitir emissões. Ou seja, a contribuir para piorar o problema. É um círculo vicioso que, obrigatoriamente, temos de quebrar.
É por isso que Marc Palahí acredita ser essencial termos aquilo que se chama de paisagens resilientes. Paisagens adaptáveis às novas realidades e condições trazidas pelas alterações climáticas. No caso de Portugal, por exemplo, significa ter uma biodiversidade que requeira menos água, que sobreviva em ambientes mais "agrestes".
A riqueza (monetária) das florestas
Mas a floresta é mais do que apenas um conjunto de árvores e residentes animais. Há muita coisa que se pode aproveitar da floresta e criar riqueza para a economia. O Instituto Técnico, em Lisboa, por exemplo, tem já há algum tempo, em parceria com a Secil, um projeto em que aproveita os resíduos florestais e outros materiais de madeira para os transformar em madeira líquida e, com isso, em combustível. Marc Palahí dá também o exemplo da Alemanha onde, no próximo ano, será criada a primeira fábrica de bioquímicos. A Coca-Cola, por exemplo, já negociou a criação de garrafas feitas a partir de plásticos baseados em madeira.
"Podemos transformar resíduos de madeira em bioquímicos, para produzir, entre outras coisas, plásticos, pneus, biotêxteis....", refere o diretor do EFI, acrescentado que já há muitas formas de usar a madeira para substituir soluções que, hoje, usam petróleo.
É uma situação benéfica para todos. Ao usar os resíduos florestais, por um lado, as florestas ficam mais "limpas" e resistentes, por exemplo, a fogos, e a economia pode usar esses resíduos na criação de riqueza. Isto ao mesmo tempo que se substitui o consumo dos materiais fósseis por algo que é renovável.
E este é um percurso em que a Europa (mais uma vez) está a liderar o caminho. Nas últimas cinco décadas a Europa não só conseguiu aumentar a sua mancha verde, a captura de CO2, como também a extração de madeira. Parece um contrassenso, certo? Mas isso só foi possível porque vários setores e cientistas se uniram para conseguir uma gestão sustentável da floresta.
A Europa apenas representa 4% da floresta mundial. No entanto, refere Marc Palahí, o setor florestal na Europa vale 40% do valor de exportação de produtos globais. Estes números, para o diretor do EFI são a prova de que se pode fazer mais, economicamente, com a floresta. Que é possível cuidar da mancha verde e obter lucro. Do outro lado, por exemplo, temos a Rússia, que é "dona" de 20% da floresta a nível mundial. No entanto, o seu peso nas exportações mundiais de produtos florestais é de apenas 4%.
Mais do que apenas o "pulmão" do planeta, como muitas vezes as florestas são encaradas, temos de alterar essa perceção e encarar a mancha verde como "a base da nova economia". Como refere Marc Palahí não se trata apenas das terras e da biodiversidade é o nosso capital natural, que permite criar uma nova economia. "Se tratarmos bem a floresta, de uma forma sustentável, a floresta também nos tratará bem", em termos económicos. Porque nos pode dar todo um conjunto de biossoluções e bioprodutos.
É certo que o investimento na floresta tem, obrigatoriamente, de ser pensado a longo prazo. Estamos a falar de 20, 30, 40 anos. Mas, lembra o diretor do EFI, é um investimento que, bem feito, trará muitos benefícios. Mitigação de carbono, que permite mitigar as alterações climáticas; produtos baseados em madeira que trarão prosperidade à economia local; sistemas pastorícios nos quais poderão criar animais... ou seja, também há soluções a médio curto prazo que podem beneficiar a comunidade local e incentivar à proteção da floresta. E inclusive criar novas fontes de receita, como o ecoturismo. Basta pensar em África, com vários turistas a visitarem as reservas.
O futuro passa por ter uma floresta multifuncional que possa providenciar benefícios económicos para diferentes setores. Sabendo, de antemão, que estamos, simultaneamente, a proteger a biodiversidade, e o próprio planeta.