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Pulmão? Não. A floresta é o coração do planeta

Não damos o devido valor àquela que é a melhor forma de descarbonizar a economia, ao transformar resíduos fósseis em materiais renováveis. É hora de começar a valorizar os nossos espaços verdes. Sim, porque é possível ganhar dinheiro e criar postos de trabalho com a floresta.

10 de Novembro de 2021 às 12:14
Marc Palahí considera importante ter paisagens adaptáveis às novas realidades trazidas pelas alterações climáticas. Johanna Kokkola
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"As florestas são a infraestrutura ecológica mais importante para o planeta." A afirmação é de Marc Palahí diretor do European Forest Institute (EFI) e coordenador do SMI Circular Bioeconomy Alliance (CBA), com o qual o Jornal de Negócio teve uma entrevista exclusiva aquando da sua passagem recente por Portugal, para o Fórum de Sustentabilidade, iniciativa levada a cabo pela The Navigator Company.

Porquê? Desde logo porque são a massa terrestre que mais carbono absorve - o valor vai dos 30 a 40% do total de emissões - mas também são a principal fonte (terrestre) de biodiversidade e de água. Sem esquecer, como refere que são a principal fonte de recursos biológicos renováveis. Que, com a tecnologia existente podemos transformar em soluções baseadas na madeira, por exemplo, para inúmeras indústrias. A construção, o têxtil, químicas, são apenas umas delas.

No entanto, e infelizmente, continuam a não ser devidamente apreciadas e protegidas, no sentido, essencialmente, de haver uma gestão sustentável (e correta) das mesmas. O que parece um contrassenso dado que as florestas são, talvez, a melhor forma de descarbonizar a nossa economia, dado que podem pegar nos materiais fósseis e transformá-los em materiais renováveis.

Uma gestão sustentável da floresta cobre várias áreas: desde sustentabilidade, biodiversidade, desenvolvimento económico e inovação. Por tudo isto não seria altura de começar a dar mais valor às nossas florestas?

Na verdade, e segundo Marc Palahí, o maior desafio, hoje, da floresta reside precisamente na sua desflorestação. Algo que acontece principalmente no Sul do globo, onde a floresta está a ser substituída por terrenos residenciais, industriais ou agrícolas. A resposta, para o diretor do EFI, está na atribuição de um valor económico à floresta. "É importante mostrar que a gestão sustentável da floresta pode ser uma fonte de emprego e de prosperidade económica."

Por outro lado os governos precisam de perceber que investir na biodiversidade é a prioridade número um. Inclusivamente para ter um negócio sustentável a longo prazo.

Basta pensarmos nas consequências das alterações climáticas. Fogos, secas, inundações... e isto é algo que vai ficar (ainda) mais sério - diga-se mais grave - nos próximos anos. "Para que a floresta consiga resistir às mudanças climáticas precisa de ser uma floresta resiliente e diversa."

A importância da biodiversidade

Ter biodiversidade na floresta não significa, necessariamente, apostar apenas em espécies autóctones, mas sim nas espécies que melhor se adequam à nova realidade. Veja-se o caso dos fogos, por exemplo. Portugal, infelizmente já está como que habituado, todos os anos, a ser consumido pelas chamas. Mas para a Alemanha isso é algo relativamente novo. Principalmente os chamados megafogos. E essa é uma tendência que continuará e ser intensificada pelas mudanças climáticas. A única solução é atacar o problema em duas frentes. Por um lado combater a mudança climática, o que, para Marc Palahí, significa passar de uma economia fóssil para uma biocircular - onde a floresta, afirma, desempenha um papel muito importante - e, por outro lado, adaptar as nossas florestas às novas condições. O que pode exigir transplantar algumas espécies para novos locais. Aquilo que se chama migração assistida.

Podemos transformar resíduos de madeira em bioquímicos, para produzir, entre outras coisas, plásticos, pneus, biotêxteis.  Marc Palahí, Diretor do European Forest Institute

A questão dos fogos é algo essencial. Porque ao arder a floresta não estamos apenas a perder a biodiversidade daquele local. Estamos a perder captura de dióxido de carbono e, simultaneamente, a emitir emissões. Ou seja, a contribuir para piorar o problema. É um círculo vicioso que, obrigatoriamente, temos de quebrar.

É por isso que Marc Palahí acredita ser essencial termos aquilo que se chama de paisagens resilientes. Paisagens adaptáveis às novas realidades e condições trazidas pelas alterações climáticas. No caso de Portugal, por exemplo, significa ter uma biodiversidade que requeira menos água, que sobreviva em ambientes mais "agrestes".

A riqueza (monetária) das florestas

Mas a floresta é mais do que apenas um conjunto de árvores e residentes animais. Há muita coisa que se pode aproveitar da floresta e criar riqueza para a economia. O Instituto Técnico, em Lisboa, por exemplo, tem já há algum tempo, em parceria com a Secil, um projeto em que aproveita os resíduos florestais e outros materiais de madeira para os transformar em madeira líquida e, com isso, em combustível. Marc Palahí dá também o exemplo da Alemanha onde, no próximo ano, será criada a primeira fábrica de bioquímicos. A Coca-Cola, por exemplo, já negociou a criação de garrafas feitas a partir de plásticos baseados em madeira.

4%Floresta
A Europa só representa 4% da floresta mundial. Todavia, o setor florestal vale 40% do valor de exportação de produtos globais. 

"Podemos transformar resíduos de madeira em bioquímicos, para produzir, entre outras coisas, plásticos, pneus, biotêxteis....", refere o diretor do EFI, acrescentado que já há muitas formas de usar a madeira para substituir soluções que, hoje, usam petróleo.

É uma situação benéfica para todos. Ao usar os resíduos florestais, por um lado, as florestas ficam mais "limpas" e resistentes, por exemplo, a fogos, e a economia pode usar esses resíduos na criação de riqueza. Isto ao mesmo tempo que se substitui o consumo dos materiais fósseis por algo que é renovável.

E este é um percurso em que a Europa (mais uma vez) está a liderar o caminho. Nas últimas cinco décadas a Europa não só conseguiu aumentar a sua mancha verde, a captura de CO2, como também a extração de madeira. Parece um contrassenso, certo? Mas isso só foi possível porque vários setores e cientistas se uniram para conseguir uma gestão sustentável da floresta.

Se tratarmos bem a floresta, de uma forma sustentável, a floresta também nos tratará bem em termos económicos.  Marc Palahí, Diretor do European Forest Institute

A Europa apenas representa 4% da floresta mundial. No entanto, refere Marc Palahí, o setor florestal na Europa vale 40% do valor de exportação de produtos globais. Estes números, para o diretor do EFI são a prova de que se pode fazer mais, economicamente, com a floresta. Que é possível cuidar da mancha verde e obter lucro. Do outro lado, por exemplo, temos a Rússia, que é "dona" de 20% da floresta a nível mundial. No entanto, o seu peso nas exportações mundiais de produtos florestais é de apenas 4%.

Mais do que apenas o "pulmão" do planeta, como muitas vezes as florestas são encaradas, temos de alterar essa perceção e encarar a mancha verde como "a base da nova economia". Como refere Marc Palahí não se trata apenas das terras e da biodiversidade é o nosso capital natural, que permite criar uma nova economia. "Se tratarmos bem a floresta, de uma forma sustentável, a floresta também nos tratará bem", em termos económicos. Porque nos pode dar todo um conjunto de biossoluções e bioprodutos.

É certo que o investimento na floresta tem, obrigatoriamente, de ser pensado a longo prazo. Estamos a falar de 20, 30, 40 anos. Mas, lembra o diretor do EFI, é um investimento que, bem feito, trará muitos benefícios. Mitigação de carbono, que permite mitigar as alterações climáticas; produtos baseados em madeira que trarão prosperidade à economia local; sistemas pastorícios nos quais poderão criar animais... ou seja, também há soluções a médio curto prazo que podem beneficiar a comunidade local e incentivar à proteção da floresta. E inclusive criar novas fontes de receita, como o ecoturismo. Basta pensar em África, com vários turistas a visitarem as reservas.

O futuro passa por ter uma floresta multifuncional que possa providenciar benefícios económicos para diferentes setores. Sabendo, de antemão, que estamos, simultaneamente, a proteger a biodiversidade, e o próprio planeta.

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