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Mathis Wackernagel: “Vamos ter de viver do que a Terra pode renovar”

O autor do conceito de “pegada ecológica”, Mathis Wackernagel, esteve em Lisboa na conferência Planetiers e deixou algumas mensagens: estamos a viver muito acima das possibilidades do nosso planeta e há falta de vontade de mudar. É preciso criar o sentido de urgência.

13 de Janeiro de 2021 às 12:00
Mathis Wackernagel esteve presente como orador numa conferência em Lisboa. DR
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"Estamos sentados num barco, e há uma tempestade a aproximar-se. Essa tempestade chama-se ‘mudanças climáticas’. Nesta altura, todos dizem: ‘Vamos reunir, vamos decidir quem remenda o barco primeiro’ e ‘não vou remendar o meu barco antes de remendares o teu’. Isto, em vez de se dizer ‘oh meu Deus, há uma tempestade a caminho! Será que o meu barco está pronto?’. A questão para uma cidade, por exemplo Lisboa, não é tanto quanto Lisboa está a salvar o mundo, é antes porque é que Lisboa está a destruir Lisboa?".

Mathis Wackernagel é o autor tanto desta metáfora como do conceito de "pegada ecológica", usado para medir o quanto a população está a exigir dos recursos da Terra. De acordo com a Global Footprint Network, a entidade que fundou e preside, a população mundial está a utilizar pelo menos 56% mais do que aquilo que a Terra pode renovar, o equivalente aos recursos de 1,6 planetas. O Dia da Sobrecarga, ou seja, o dia em que o mundo esgotou os recursos que tinha disponíveis para 2020, foi assinalado por esta entidade a 22 de agosto.

As metáforas continuam. "Estamos a pilotar os nossos aviões sem combustível de reserva. Não temos sequer ideia se há combustível de sobra. É muito perigoso." Neste sentido, Wackernagel defende que é urgente encarar a mudança de hábitos como uma necessidade, já que o único futuro que vê como possível é no contexto de uma economia capaz de regenerar os recursos que consome - o que traz desafios e oportunidades.

A questão para uma cidade, por exemplo Lisboa, não é tanto quanto está a salvar o mundo, é antes porque é que Lisboa está a destruir Lisboa?

Não há dúvida de que vamos ter de viver numa economia regenerativa - não há outra possibilidade.
Mathis Wackernagel
Presidente e fundador Global Footprint Network 
"Não há dúvida de que vamos ter de viver numa economia regenerativa, uma economia que vive do que a Terra pode renovar - não há outra possibilidade. A única escolha é quão depressa fazemos essa transformação", afirma Wackernagel, acrescentando que, "de uma perspetiva de riqueza financeira, avançar mais rápido tem muitos mais benefícios que avançar mais devagar".

Caso se avance rapidamente para a mudança, é necessário um esforço inicial maior: teria de se investir agressivamente, reduzindo o retorno e o dinheiro disponível no curto prazo. No cenário mais lento, apesar de no curto prazo serem menores os sacrifícios, sofre a riqueza. "Há uma grande confusão nos círculos económicos entre receita e riqueza. Pensando a pegada ecológica nestes termos, estamos a gastar mais do que ganhamos, pelo que estamos em défice, e portanto ficamos mais pobres."

O défice ecológico global começou no início da década de 1970. Agora, a dívida acumulada é equivalente a 18 anos, logo, o planeta necessitaria de 18 anos de regeneração para inverter os danos decorrentes do uso excessivo dos recursos naturais, assumindo que o uso excessivo seria totalmente reversível. Se a data se mover cinco dias por ano, a humanidade poderá alcançar este objetivo antes de 2050.

De causa nobre a necessidade

"O Dia da Sobrecarga significa que retiramos mais do que aquilo que está disponível, o que leva a conflitos", alerta Wackernagel, ao mesmo tempo que avisa que não há uma solução única. Apesar de as emissões de carbono provenientes da queima de combustíveis fósseis constituírem 60% da pegada ecológica da humanidade, além de mudar para fontes renováveis, é necessário alterar a forma como nos alimentamos e a forma como construímos as nossas cidades - já que esta define o quanto precisamos de nos deslocar e o quanto precisamos de energia para nos aquecermos. E reduzir a população também é essencial, através de menores taxas de natalidade, acredita. "Talvez não nos possamos reformar aos 50" mas "se houver duas vezes mais pessoas, só haverá metade de um planeta por pessoa".

22de agosto
O Dia da Sobrecarga, em que o planeta esgota os recursos disponíveis para um ano, foi em 2020 a 22 de agosto.
1,6Planetas
A humanidade está a consumir recursos equivalentes a 1,6 planetas, 56% acima do que a Terra consegue renovar. 
Desta forma, "a maior prioridade é mudar a narrativa de nobre para necessário" no que toca a hábitos mais sustentáveis. O criador do conceito de "pegada ecológica" é crítico quanto às cimeiras internacionais sobre o ambiente, as quais acredita que alimentam a ideia de que este é um assunto "nobre", ao contrário de outros como o desemprego. "Temos de gerar a necessidade. É o que me faz achar interessante alguém como Greta Thunberg. Ela tem uma noção clara de pele em jogo."

Um investimento

Economicamente, para Wackernagel a questão não será tanto "qual o valor da natureza?" mas o inverso: "Qual é o valor das cidades se não tiverem recursos?" Xangai, São Paulo e Cidade do Cabo, todas já tiveram escassez severa de água e "se ficarem sem água, valem muito pouco", assinala. "Penso que o mercado ainda não reconhece isto por completo, mas não significa que não seja verdade. Aliás, se o mercado não reconhece, é uma grande oportunidade para os investidores, porque podem adquirir os ativos certos por muito menos dinheiro do que valem na realidade", defende, no contexto de um futuro definido por constrangimentos de recursos.

Pandemia não é ajuda suficiente mas dá provas A pegada ecológica da humanidade diminuiu em ano de pandemia, calcula a Global Footprint Network (GFN). Contudo, esta redução não poderá dar frutos sem uma maior intencionalidade por trás da mesma, defende a mesma entidade.

"A verdadeira sustentabilidade, a que possibilita que todos prosperem na Terra, apenas poderá ser alcançada através da planificação e não da catástrofe", escreve a GFN, no respetivo site.

Ainda assim, continua, a pandemia veio provar que os governos são capazes de agir rapidamente, tanto em termos de regulamentação como de despesa, quando se coloca a vida humana acima de tudo o resto, e que a colaboração com empresas e indivíduos na prossecução de um objetivo comum é possível.

O Dia da Sobrecarga da Terra 2020 assinalou-se a 22 de agosto, mais de três semanas mais tarde do que em 2019. As emissões de dióxido de carbono caíram 7%, interrompendo um ciclo de três anos consecutivos de subidas. Com as economias paradas, a pegada ecológica da humanidade reduziu-se 9,3%, e desde 2005 não era tão baixa: a população mundial precisa agora de 1,6 planetas para suprir os seus gastos em termos de recursos. Esta é "uma consequência direta do confinamento provocado pelo coronavírus em todo o mundo".

A diminuição da extração de madeira e das emissões de CO2 resultantes da combustão de combustíveis fósseis são os "principais motores" por trás da trajetória negativa da pegada ecológica da humanidade, e a pandemia permitiu a diminuição de 14,5% na pegada de carbono em 2020, enquanto a pegada dos produtos florestais caiu 8,4%. 
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