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Hídrica perde terreno na produção de energia

Durante anos as barragens foram a principal fonte geradora de energia. Hoje, a aposta passa por um “mix” mais equilibrado e pelo investimento em soluções mais consistentes. Sobretudo porque os períodos de seca vieram para ficar.

17 de Maio de 2023 às 12:00
Sistema de bombagem e armazenamento do Sistema Eletroprodutor do Tâmega é uma peça “fundamental”, diz ambientalista da Zero. Paulo Duarte
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Portugal é considerado, a nível internacional, como um caso exemplar no que concerne à produção de energias renováveis. Em 2021, e segundo a Pordata, Portugal produziu 50.968 GWh de energia, dos quais 33.093 GWh a partir de fontes renováveis, segundo dados atualizados a 17/10/2022.

A energia hídrica >10 MW foi responsável por 12.549 GWh e a hídrica <10 MW por 906 GWh. Significa isto que o país aproveita todo o seu potencial de energia hídrica? Para Pedro Nunes, da associação ambientalista Zero, o valor de produção de energia é bastante interessante, tendo em conta que a capacidade total instalada no país é de cerca de 22 GW.

Para o ambientalista, o problema é a inconstância e escassez hídrica que se tem verificado com mais intensidade e frequência nos últimos anos - por exemplo, em 2022, apesar de cerca de 40% na capacidade instalada ser hídrica, só 14% da energia produzida teve esta origem.

[Hídrica] é uma forma de produção que, no contexto de crise climática, é preciso gerir e planear bem. Pedro Nunes
Ambientalista da Associação Zero
"Por isso, esta é uma forma de produção de energia que no contexto de crise climática que o país atravessa - é para a Península Ibérica que se prevê o maior risco de seca em toda a Europa no futuro -, e dada a concorrência com outros usos da água, nomeadamente para abastecimento de consumo humano, é preciso gerir e planear muito bem", afirma, acrescentando que "para além de o recurso já estar bastante bem utilizado e não haver muito mais passível de aproveitamento com rentabilidade económica - e, ademais, todos sabemos que o aproveitamento hídrico em barragens pode trazer graves consequências ambientais -, a pergunta pode mesmo já não fazer sentido".

Já a Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) , aponta que, em 2022, a energia hídrica foi responsável por 14% do total da eletricidade produzida em Portugal. E realça que, apesar de o ano passado se ter caracterizado por ser severamente seco, é importante sublinhar "a importância que as centrais com bombagem podem ter na gestão do recurso hídrico, visto que, quando existe o potencial de capacidade excedentária de produção de eletricidade em períodos de baixo consumo, recorre-se a esta solução para transferir eletricidade de uns períodos para outros, através da bombagem de água de um reservatório inferior para um outro situado a uma cota mais elevada".

A par disso a associação defende que é importante garantir um portefólio de renováveis diverso e complementar entre si, sendo necessário apostar no crescimento de outras tecnologias para produção de eletricidade renovável, como é o caso da solar fotovoltaica e termoelétrica, bem como eólica onshore e offshore.

Evolução positiva

Os números apontam para um aproveitamento positivo da tecnologia hídrica. Como realça a APREN, se analisarmos os últimos nove anos - de 2014 até fevereiro do presente ano de 2023-, Portugal aumentou a capacidade hídrica de 5.570 MW para 8.121 MW - mais 31%.

Já na análise do cenário europeu, "e dada a dimensão do país e também as nossas características hidromorfológicas, Portugal tem um bom aproveitamento do recurso hídrico". "No que toca à capacidade hídrica instalada, o pódio europeu pertence, por esta ordem, à Noruega, França e Itália, que têm, respetivamente, cerca de 33.300 MW, 25.500 MW e 22.500 MW de potência instalada."

Uma opinião partilhada por Pedro Nunes, que afirma mesmo que a capacidade hídrica instalada cresceu 66% em 15 anos, em grande parte à boleia da hídrica, ou seja, de aproveitamentos com mais de 10 MW. O ambientalista considera que é importante o crescimento da capacidade de bombagem, que, considerando já o Sistema Eletroprodutor do Tâmega, mais do que triplica para os 3.600 MW.

"Esta peça é fulcral, pois o armazenamento de água bombada é um componente importante do sistema de energia atual e sobretudo futuro, porque fornece um meio flexível e suficientemente barato de armazenar energia, ajudando a resolver o problema da variabilidade da eletricidade eólica ou solar, essas sim as fontes de energia com grande potencial de crescimento em Portugal (no caso da energia eólica, sobretudo em offshore)", acrescenta Pedro Nunes.

A energia hídrica foi, durante muito tempo, a principal fonte de energia renovável produzida em Portugal. Mas, nos últimos anos, constata o ambientalista da Zero, foi ultrapassada pela eólica, encontrando-se atualmente no segundo lugar do "ranking". O que não significa que os valores obtidos sejam insignificantes. Como lembra a APREN, em 2022, a energia hídrica correspondeu a um total de 14% do total de eletricidade produzida em Portugal. A associação refere mesmo que, olhando para números mais recentes, do Boletim Eletricidade Renovável da APREN, a energia hídrica correspondeu a 24% da eletricidade produzida só no mês de março de 2023, e a 34% no acumulado entre janeiro e março deste ano.

A energia eólica offshore será, assim, um elemento do portefólio de todas as tecnologias renováveis que compõem a matriz de produção. APREN
Fonte oficial
A questão é que a energia hídrica poderá continuar a perder importância. Isto porque, constata Pedro Nunes, a eletricidade solar está a ganhar um protagonismo crescente, com um aumento de 47% na produção renovável a partir de solar em 2022. O ambientalista acredita que apesar de o solar ainda representar apenas 5,8% da produção total de eletricidade em Portugal, é expectável que este crescimento nos próximos anos a façam suplantar a hídrica, especialmente se as condições de escassez de recurso hídrico se mantiverem.

Uma nova forma de aproveitar a energia hídrica

Se até aqui a produção de energia hídrica era feita exclusivamente através das barragens, hoje já existem outras alternativas que começam a ganhar terreno. Nomeadamente a eólica offshore. Segundo a APREN, o objetivo é que todas as tecnologias renováveis tenham um contributo relevante para o "mix" energético final, de forma que o sistema elétrico seja o mais equilibrado e competitivo possível em termos de preços e capacidade instalada. "A energia eólica offshore será, assim, um elemento do portefólio de todas as tecnologias renováveis que compõem a matriz de produção", afirma a associação.

Há ainda um longo caminho a percorrer para tornar os 10GW [de produção eólica offshore] uma realidade. APREN
Fonte oficial
Hoje Portugal dispõe de 25 MW de capacidade eólica offshore instalada. Valores que para a APREN indicam que "há ainda um longo caminho a percorrer para tornar os 10 GW uma realidade". A associação aponta que o país já mapeou oito zonas ideais para a exploração deste tipo de tecnologia, e o governo criou um grupo de trabalho, do qual a APREN faz parte, para sugerir as bases para o planeamento energético do eólico offshore em Portugal.

"Na visão da APREN, o cumprimento deste objetivo implica, desde logo, a aposta na expansão da cadeia de abastecimento com contribuição nacional representativa, para que o setor entre em velocidade de cruzeiro. A capacidade industrial, mesmo em termos europeus, para produzir cabos e construir subestações, por exemplo, encontra-se em desenvolvimento.?É preciso triplicar a capacidade de produção de turbinas offshore", conclui fonte oficial da associação.

Há potencial na energia das ondas?

Há vários anos que se fala da energia produzida pelas ondas. No entanto, é uma tecnologia que tarda em descolar. Apesar de, como constata Pedro Nunes, Portugal, com uma costa com mais de 1.700 km, ter um dos maiores potenciais de energia das ondas da Europa, e algumas das melhores condições de ondas do mundo, o que torna o país num local ideal para o desenvolvimento da energia das ondas, a verdade é que esta é uma tecnologia que "claramente não está ainda madura".

Segundo várias estimativas, o potencial teórico de energia das ondas em Portugal pode chegar aos 45 GW, mas nem todo este potencial é técnica ou economicamente aproveitável, pois existem vários fatores que limitam a eficiência e viabilidade dos projetos de energia das ondas. O problema é que apesar de já se terem criado vários protótipos e até modelos comerciais este têm "sucessivamente mostrado as dificuldades de gerar esta forma de eletricidade". Sem esquecer a vertente económica. Como refere Pedro Nunes, "as principais barreiras têm a ver com alto custo das tecnologias na fase de protótipo, bem como com a operação".

Já a APREN tem uma visão mais específica do assunto: a energia das ondas não se enquadra na figura da energia hídrica. Partilham o mesmo recurso, ou seja, a água, mas uma diz respeito à energia latente da velocidade de oscilação das ondas em oceano aberto e a outra a energia proveniente de lagos ou rios (energia hídrica) através do aproveitamento da energia potencial associada à altura da queda de água para um determinado caudal.

A associação refere mesmo que, hoje, a energia das ondas ainda não se apresenta como uma alternativa comercialmente viável e com capacidade de escala, principalmente quando comparada com outras tecnologias renováveis. Apesar disso reconhece que existem muitos desenvolvimentos em curso em termos europeus e nacionais no que se refere às renováveis oceânicas.

Já para Pedro Nunes, esta é uma tecnologia reconhecida no contexto da União Europeia da Energia e do Pacto Ecológico Europeu como uma prioridade para atingir os objetivos climáticos de 2050, objetivando-se para essa altura 60 GW de capacidade instalada (incluindo energia das marés) e 1-3 GW para 2030. Sendo que no que concerne às renováveis oceânicas a meta definida pela União Europeia é de 10 GW.

"Portugal está a fazer o seu trabalho nas renováveis oceânicas e prevê-se que esses custos possam vir a baixar nos próximos anos. A "Proposta preliminar das áreas espacializadas e dos pontos para a ligação à Rede Nacional de Transporte de Eletricidade" prevê o alargamento em cerca de 2 km2 da área existente ao largo da Aguçadoura, atualmente utilizada para a demonstração de projetos de aproveitamento de energias renováveis, nomeadamente de energia das ondas", afirma a APREN.
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