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Nos 32 hectares de terra da Sociedade Agrícola Alberto Manso só entram os pingos da chuva e água de rega contada à gota. O fertilizante é natural, cortesia de uma manada de 83 vacas. As regras de Bruxelas para a produção biológica impedem o uso de fitofármacos, e exigem que os certificados de qualidade sejam renovados anualmente. É assim há mais de uma década na exploração de António Menéres Manso em Alfândega da Fé, distrito de Bragança.
A opção pela agricultura sustentável surgiu como resposta à lei da oferta e da procura. Habituado a fazer contas, o reformado da banca percebeu que havia um nicho de mercado potencialmente rentável no azeite biológico. “Havia muita produção integrada e pouca concorrência no biológico”. Hoje, a sociedade produz duas mil garrafas por ano, às quais junta a venda de cortiça e carne de vaca. “Tudo biológico, tudo sustentável”.
António Manso é um dos milhares de produtores que, nos últimos anos, se renderam ao culto do sustentável. Afinal, “os agricultores são os principais prejudicados pela destruição do planeta e dos solos”, lembra Firmino Cordeiro, presidente da Associação Nacional de Jovens Produtores (AJAP).
O líder da AJAP assegura que “cada vez mais todos os agricultores, sejam mais ou menos intensivos, estão sensíveis a estas questões”, porque “em menos de uma geração, ocorreram mudanças no planeta que deveriam ter demorado séculos”.
A escassez de água no Alentejo foi uma delas. “No final da década de 50, o valor da água será superior ao do petróleo”, antevê José Pinotes, que lidera a Vinha da Represa, em Cuba, distrito de Beja. Na exploração, são várias as medidas em prol do ambiente, como o uso de painéis solares ou a eliminação de herbicidas, mas é a gestão eficiente da água que mais preocupa José Pinotes.
As duas vinhas da empresa são percorridas por 113 quilómetros de condutas de rega, em que cada gota é controlada. “Ainda não somos abastecidos por Alqueva, o que deverá acontecer em 2022, e mesmo se fôssemos continuaríamos a poupar água ao máximo”.
Meta ambiciosa até 2030
Segundo Gonçalo Santos Andrade, presidente da Portugal Fresh, o “grande salto” da sustentabilidade deu-se ao longo da última década, e não só na mentalidade dos produtores. “É um requisito cada vez maior dos consumidores e dos clientes de retalho, da indústria e do canal Horeca. A sustentabilidade é prioritária para os produtores e, em breve, será uma condição para nos mantermos no mercado”.
As práticas sustentáveis têm vindo a ser premiadas pelos quadros comunitários de apoio há cerca de duas décadas. Mas a ameaça de escassez provocada pela pandemia levou a União Europeia a acelerar a adoção de um paradigma que eleva a sustentabilidade a um novo patamar. A “Estratégia do Prado ao Prato” prevê a redução em 50% do uso de pesticidas químicos até 2030. O objetivo, que Bruxelas assume como “ambicioso”, é que todos os produtos que chegam à mesa dos europeus façam parte de uma cadeia sustentável.
Nos pomares da família Tereso, em Algoz, concelho de Silves, não foi preciso um alerta da Europa para que os fitofarmacêuticos fossem reduzidos em 50% em cinco anos. A empresa trata 23 mil toneladas de fruta por ano. Por ser em larga escala, a produção não é biológica, mas é “amiga do ambiente”, defende a responsável Diana Tereso Ferreira. Para a empresária, é “importante passar a ideia de que não é preciso ser biológico para ser saudável e sustentável”.
A gestão da água nos pomares é feita com sondas de humidade, uma das práticas mais comuns. Já o uso de fitofármacos é substituído ao máximo por “exércitos” de insetos auxiliares, que combatem as pragas de forma natural. A técnica é “muito utilizada” pelos agricultores nacionais, diz Gonçalo Santos Andrade, mas ainda assim, a empresa prefere manter em segredo a “identidade” dos bichos. “Faz parte da estratégia não revelar os insetos que usamos. O nosso consultor fez tentativas até encontrar uma espécie que deu bons resultados”.
A Frutas Tereso aposta ainda na investigação científica para criar “armadilhas de atração”, impregnadas de feromonas, que combatem a mosca da fruta, “a principal praga algarvia”. Os fitofarmacêuticos “só são usados em último recurso”, mas numa produção integrada eliminá-los a 100 % “é praticamente impossível”.
A pensar no futuro
Os agricultores reconhecem que a produção sustentável é “inevitavelmente” mais cara, mas são unânimes em concluir que acaba por compensar. “No olival, por não podermos deitar inseticidas, muita da azeitona cai. A perda de produção é compensada pelo preço de venda do azeite biológico, cerca de 20% mais caro, e pelos apoios mais elevados”, nota António Manso.
Para Diana Tereso, à questão dos apoios sobrepõe-se a da segurança. “Tivemos um aumento dos custos, mas o uso de fitofarmacêuticos obriga a um intervalo de segurança entre colheitas. Nós podemos colher a qualquer altura”.
Na vinha da Represa, a gestão da água obrigou à compra de quatro sondas de humidade, por 6.400 euros, que implicam um gasto de 600 euros mensais em cartões, para os quais são transferidos os dados. “É um investimento a longo prazo. Mas se não o fizéssemos, pagaríamos ainda mais caro no futuro”.
Presidente d a Portugal Fresh