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O mundo vive tempos difíceis e todos estão a ser convocados para a transformação ambiental, social e de governação (ESG, sigla em inglês) que está em marcha. "O desafio da sustentabilidade não é opcional, é algo que todos temos de abraçar, porque países, cidades ou empresas que não virem isto serão deixadas para trás", destacou Goran Carstedt, conselheiro do ex-Presidente norte-americano Bill Clinton para Assuntos do Clima, antigo CEO da Ikea e diretor da Volvo, na conferência dedicada ao ambiente do Ciclo de Conferências ESG do Negócios Sustentabilidade 20|30, que decorreu na passada quinta-feira, na Estufa Real, em Lisboa.
Um grande desafio da humanidade que requer liderança a todos os níveis, nomeadamente, política e empresarial, mas também ao nível dos cidadãos nos seus diversos papéis, seja como país, consumidores, etc. "A liderança é muito mais vasta do que pensamos", referiu Carstedt, colocando ênfase na partilha de bons exemplos como motor para a influência e liderança. O desafio está em "criar energia humana" que motive para a mudança, sendo que "quando se chamam as pessoas para participar em algo com significado é aí que esta energia começa a crescer". A nova lógica implica, assim, a participação de todos para que a transformação aconteça. "Temos de convidar as pessoas a cocriar algo com significado. E o que pode ter mais significado do que convidar as pessoas para a transformação sustentável?", sublinhou.
O "keynote speaker" salientou também que o mundo tem de passar da velha lógica linear da produção e detenção de coisas para uma nova organização circular, onde se privilegia a partilha de ideias e conhecimento. "A palavra desperdício não existe na natureza, tudo faz parte de um sistema vivo", referiu. Porém, "o mundo que criámos é linear, baseado na extração, produção e desperdício, portanto, temos de passar do pensamento linear para o pensamento circular". Desta forma, referiu que as organizações deverão deixar de trabalhar como máquinas e começar a trabalhar mais como comunidades vivas. "Temos de aprender mais com as metáforas das comunidades do que com as metáforas das máquinas", sublinhou.
O "keynote speaker", que já liderou empresas como a Volvo ou a Ikea, acrescentou ainda que a sustentabilidade é hoje um imperativo ético, mas sobretudo uma decisão imperativa de negócio, pelo que as empresas "devem mostrar que estão do lado das soluções" e inovar neste processo em colaboração. E apesar de todas as complexidades inerente à transformação sustentável, citando Martin Luther King, Goran Carstedt assinalou que é preciso concentrarmo-nos no sonho da mudança e não no pesadelo que pode ser implementá-lo.
União faz a força
Virginijus Sinkevicius, comissário europeu para o Ambiente, Oceanos e Pesca, sublinhou a necessidade de atuação em conjunto, numa mensagem partilhada durante a conferência. Sinkevicius defendeu que a Europa não deve perder o foco da sustentabilidade, apesar dos tempos conturbados que se vivem. "A invasão ilegal da Ucrânia pela Rússia trouxe uma crise energética e uma inflação em espiral que exigem respostas. As pessoas precisam de ajuda, é necessário um alívio a curto prazo, mas os cidadãos também querem segurança a longo prazo", referiu o comissário europeu. Por isso, "precisamos de lhes assegurar que a direção da viagem a longo prazo se mantém inalterada. A transformação verde é inevitável e uma mudança para melhor já está em curso."
Para o comissário europeu para o Ambiente, Oceanos e Pesca, a energia com baixo teor de carbono, a economia circular e o capital natural "são as bases de que necessitamos para um futuro sustentável". Virginijus Sinkevicius destacou também a necessidade de perseguir o objetivo de poluição zero, na medida em que todos os anos morrem 350 mil pessoas em consequência do ar poluído. Nesta medida, destacou que a legislação europeia sobre poluição vai ser atualizada, nomeadamente com uma revisão das regras sobre a qualidade do ar e também uma atualização das regras do tratamento de águas residuais. Sinkevicius salientou ainda a necessidade de promover os modos de transporte ativos para benefícios da saúde e do ambiente. "As cidades e os empreendedores precisam de trabalhar de mãos dadas, construindo as infraestruturas para o público ativo", referiu.
Ambiente como motor de desenvolvimento
A abertura institucional da conferência coube a Jorge Delgado, secretário de Estado da Mobilidade Urbana, que destacou que "o ambiente é hoje o motor do desenvolvimento que impõe às políticas setoriais a integração do princípio de sustentabilidade". É nesta linha que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) consagra 38% da dotação total aos objetivos de transição climática. Porém, esta é uma temática que diz respeito a todos, pelo que "é a ação de cada um de nós ao escolher um transporte coletivo, um carro elétrico, um painel solar ou a plantação de uma árvore autóctone que vai controlar a mudança para janelas mais eficientes e permitir progredir económica e ambientalmente".
Jorge Delgado destacou também as estimativas da Agência Portuguesa do Ambiente para 2021, que indicam que Portugal reduziu a emissão de gases de efeito de estufa (GEE) em 4,8% face ao ano anterior, ou seja, no ano em que o produto interno bruto (PIB) cresceu 4,9%. "Diminuímos na mesma proporção os GEE, por isso, fica bem claro que para crescer economicamente não é preciso poluir, temos é de agir com sentido de pertença de comunidade, inovação e responsabilidade ambiental", referiu.
Nesta linha, o responsável salientou que "é prioritário descarbonizar a economia usando de forma eficiente os recursos", destacando a importância da economia circular e necessidade de preservar a biodiversidade. No setor das águas, recurso cada vez mais escasso em Portugal, Jorge Delgado referiu a necessidade de acelerar projetos de reutilização de águas residuais usando-as para fins não potáveis, tais como regas, golfe ou limpeza urbana, e a aposta na dessalinização. "No contexto da seca estrutural que vivemos, é essencial uma efetiva redução das perdas, aumentando a eficiência hídrica dos sistemas de distribuição", referiu. O governante recordou que o país também está a apostar nas energias renováveis para descarbonizar o setor e proteger a soberania do país, destacando o concurso a ser lançado para a instalação de parques eólicos offshore, bem como a necessidade de promover a mobilidade elétrica.
Proteger a natureza em debate
A conferência abordou quatro temáticas em debates com líderes das respetivas áreas, nomeadamente sobre preservação do capital natural, descarbonização, mobilidade e economia circular.
No debate sobre economia circular, ficou claro que é urgente a ação para travar a fundo a elevada degradação a que chegaram os diversos ecossistemas, cujas implicações são sentidas a nível global. O degelo do Ártico, por exemplo, está a libertar nova matéria para os rios, a libertar gases retidos, a levar a uma migração da fauna e flora para norte, alterando ecossistemas, etc.
O debate sobre a descarbonização mostrou que é consensual a necessidade de descarbonizar a indústria, no entanto, os timings entre as diretrizes políticas e legislativas, muitas vezes, andam desfasadas da realidade dos negócios, colocando pressão onde não existe capacidade de investimento. A criação de um mercado de carbono foi também referida como medida essencial para controlar a emissão de GEE.
No debate sobre a mobilidade foi também destacada a necessidade de migrar para um parque automóvel que não emita GEE. O facto de Portugal ter um parque automóvel com média de 13 anos está a travar também a redução das emissões. Porém, para a disseminação de carros híbridos e elétricos, são necessários mais postos de carregamento elétrico e também é preciso promover os postos de carregamento a hidrogénio. Como um setor altamente produtor de resíduos, sejam pneus, baterias ou outros componentes, o mercado está também a apostar na reciclagem e valorização de resíduos, de forma a dar-lhes uma nova vida. Neste painel, destapou-se também um pouco o véu daquilo que será a mobilidade no futuro, que apostará muito mais na micromobilidade (trotinetes, bicicletas, etc.) e no "car sharing".
Por fim, o debate sobre economia circular mostrou que Portugal está muito atrasado nesta matéria, com taxas de circularidade a rondar os 2%. A colaboração de toda a cadeia de valor foi aqui a palavra-chave para que o país consiga fazer um melhor aproveitamento dos resíduos produzidos e aumentar esta taxa de circularidade que é das mais baixas da Europa. Numa intervenção que deve começar logo no início da linha, foi salientada a importância do design de produto e da inovação como formas de reduzir o potencial de resíduos logo à partida.