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Há um novo Regulamento sobre Conceção Ecológica de Produtos Sustentáveis, para acelerar a transição para uma economia circular, em linha com o Plano de Ação da Economia Circular. Tem em vista atingir a neutralidade carbónica em 2050 e foi proposto pela Comissão Europeia.
A proposta "cria o quadro que determina os requisitos aplicáveis a produtos produzidos na União Europeia, bem como a produtos importados de países terceiros, a fim de melhorar significativamente a sua circularidade, o seu desempenho energético e outros aspetos de sustentabilidade ambiental", começa por explicar Cristina Sousa Rocha, investigadora do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) e responsável da área de Economia Circular e Gestão do Ciclo de Vida para a Sustentabilidade.
Este novo regulamento, alargado à grande maioria dos produtos, permite definir um conjunto de requisitos para a promoção de produtos sustentáveis, que vão desde a durabilidade, possibilidade de reparação e reutilização, presença de substâncias que inibem a circularidade, eficiência energética e aproveitamento dos recursos, pegada ambiental, etc. A criação de um passaporte digital dos produtos é vista como uma das principais medidas, pois clarificará todas estas informações e ajudará o consumidor a fazer escolhas mais sustentáveis.
Para além deste regulamento, em novembro passado a Comissão Europeia propôs também novas regras sobre embalagens que incluem propostas específicas para melhorar o seu design, com rotulagem mais clara e características específicas para a sua reutilização e reciclagem. Bruxelas apela igualmente a uma transição para plásticos biobaseados, biodegradáveis e compostáveis. Ou seja, a pressão regulatória, para além da social e ambiental, sobre as empresas tem vindo a sedimentar-se.
Posto o enquadramento legal, é certo que o mercado tem de se adaptar a estes novos requisitos, o que implica começar a conceber produtos com uma matriz circular. E é aqui que tudo começa, ou seja, concebendo uma ideia num papel. Estima-se que 80% do impacto ambiental de um produto é definido precisamente nesta fase. Por isso, Luciana Barbosa destaca que "o design é a chave fundamental para a mudança de paradigma de uma economia degenerativa, na qual vivemos, para uma economia regenerativa, em simbiose com a natureza e o planeta".
Porém, o design por si só é insuficiente, sendo necessário que a sociedade em geral, as indústrias e as políticas vejam valor na integração dos princípios da sustentabilidade, circularidade e regeneração, redesenhando hábitos, práticas e "mindset".
A adaptação das empresas
Apesar de a "palavra de ordem" ter muitos ‘R’ - reciclar, recuperar, reutilizar, reduzir, repensar, reparar, etc. -, em muitos casos será necessário desenhar e produzir novos produtos, obrigando as empresas a fazerem alterações também no seu modus operandi.
De salientar, no entanto que o design sustentável não deve atender apenas aos fatores ambientais, mas também sociais, nomeadamente, concebendo produtos que sejam acessíveis, inclusivos e que contribuam para o desenvolvimento das comunidades.
São, portanto, muitas exigências que colocam dúvidas às empresas na hora de conceber um produto. Cristina Sousa Rocha recorda que existem ferramentas robustas para ajudar nessa análise que servem de apoio à decisão: as chamadas avaliações ambientais do ciclo de vida (ACV). No entanto, "a esmagadora maioria das empresas não recorre a essas ferramentas, porque são complexas, consumidoras de tempo e onerosas", refere.
Tanta pressão regulatória pode acarretar possíveis alterações nos produtos e processos e exigir investimento causa algum alarme junto das empresas. Porém, Luciana Barbosa vê isso com outros olhos e considera que "o design sustentável e circular é a força motriz do crescimento, não um inibidor", alertando que "todos aqueles que permanecerem na inércia da mudança, que já está a ser normativamente estabelecida do ponto de vista governamental e internacional, incorre no risco de desaparecer ou ser ultrapassado". A designer considera que Portugal está até em vantagem nesta transformação. "As indústrias portuguesas encontram-se num momento privilegiado para tomarem dianteira global, pois se por um lado estão em pé de igualdade com as indústrias internacionais, quanto à integração de modelos de negócio mais sustentáveis e circulares, por outro, não são demasiado grandes e rígidas, permitindo-lhes ser mais flexíveis na adoção destes princípios", defende Luciana Barbosa.
Desafios: inovar, estandardizar, partilhar
É consensual que é preciso mudar de uma economia linear para uma circular. Aqui, a criatividade, a inovação e a tecnologia são aliados fundamentais. Mas tendo em conta as particularidades de Portugal, que tipo de produção necessita de maior transformação? "Todo o tipo de produção nacional impacta o meio ambiente, mas, sem dúvida, a transformação e a utilização de materiais que necessitam de milhões de anos para a reintegração na natureza têm de ser abandonadas o mais rápido possível, tais como os materiais poliméricos e seus derivados, energia não renovável, entre outros. Por outro, as produções intensivas têm consequências nefastas para o meio ambiente, ora pelo esgotamento de recursos, como pela desflorestação; todas aquelas que requisitam muitos elementos naturais no processo produtivo, como por exemplo a água, exigem urgência na criação de novas dinâmicas para o abandono destas consequências", defende a professora da ESAD.
Por seu lado, sobre as transformações de produtos mais necessárias em Portugal com vista a esta circularidade, a investigadora do LNEG Cristina Sousa Rocha, usa como referência o atual Plano de Ação para a Economia Circular em Portugal 2017-2020 e a Iniciativa Produtos Sustentáveis. E, "combinando os setores referidos nestes documentos com a capacidade de promover alterações através do design por parte da indústria portuguesa", destaca "os têxteis e vestuário, o calçado, os produtos de construção, nomeadamente os cerâmicos, as embalagens, o mobiliário, a indústria metalomecânica e os equipamentos elétricos e eletrónicos".
Certo é que circularidade não se trata só de criar produtos novo. "É relevante dar um melhor uso aos já existentes e tentar valorizar ao máximo o seu fim de vida", destaca Luísa Magalhães. Porém, a diretora executiva da Smart Waste Portugal considera também que a transição para uma economia circular acarreta grandes desafios. Um dos maiores passa pela "dificuldade em desenvolver uma abordagem que seja transversal aos diferentes setores e organizações da economia". "Como tal, são necessárias medidas que, por um lado, sejam de aplicabilidade geral às organizações e, por outro, sejam suficientemente concretas para capacitar as empresas a implementar práticas circulares."
A responsável destaca também que existem falhas na robustez e harmonização dos dados, bem como na colaboração dos "stakeholders" de uma cadeia de valor. "Há uma necessidade de educação, formação e sensibilização para estas temáticas de todos os consumidores e das próprias empresas. Não podemos querer obter novas práticas, mantendo um velho ‘mindset’", frisa Luísa Magalhães.
Cristina Sousa Rocha corrobora na importância da formação e informação para o sucesso da implementação da circularidade desde o ponto de partida do design. "É muito importante a transmissão de conhecimentos, o debate e o trabalho em equipa, envolvendo diferentes departamentos das empresas, bem como os principais parceiros da rede de valor, para que os profissionais envolvidos no design e desenvolvimento possam tomar decisões fundamentadas no conhecimento robusto dos impactes dos produtos e nas oportunidades que se lhes oferecem. Mas isso ainda acontece pouco. Implica um investimento e, sobretudo, uma mudança de mentalidades por parte das empresas", finaliza.
A proposta "cria o quadro que determina os requisitos aplicáveis a produtos produzidos na União Europeia, bem como a produtos importados de países terceiros, a fim de melhorar significativamente a sua circularidade, o seu desempenho energético e outros aspetos de sustentabilidade ambiental", começa por explicar Cristina Sousa Rocha, investigadora do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) e responsável da área de Economia Circular e Gestão do Ciclo de Vida para a Sustentabilidade.
Este novo regulamento, alargado à grande maioria dos produtos, permite definir um conjunto de requisitos para a promoção de produtos sustentáveis, que vão desde a durabilidade, possibilidade de reparação e reutilização, presença de substâncias que inibem a circularidade, eficiência energética e aproveitamento dos recursos, pegada ambiental, etc. A criação de um passaporte digital dos produtos é vista como uma das principais medidas, pois clarificará todas estas informações e ajudará o consumidor a fazer escolhas mais sustentáveis.
A diretiva (...) serve de base de alerta a todas as empresas e organizações que não interiorizaram e redefiniram o seu modelo de ação. Luciana Barbosa
Designer e docente na ESAD
"A diretiva vem corroborar a importância de uma economia, modelo de negócios e design cada vez mais circulares e sustentáveis e serve de base de alerta a todas as empresas e organizações que ainda não interiorizaram e redefiniram o seu modelo de ação para a integração destes princípios", sublinha Luciana Barbosa designer e professora adjunta na Escola Superior de Artes e Design (ESAD).Designer e docente na ESAD
Para além deste regulamento, em novembro passado a Comissão Europeia propôs também novas regras sobre embalagens que incluem propostas específicas para melhorar o seu design, com rotulagem mais clara e características específicas para a sua reutilização e reciclagem. Bruxelas apela igualmente a uma transição para plásticos biobaseados, biodegradáveis e compostáveis. Ou seja, a pressão regulatória, para além da social e ambiental, sobre as empresas tem vindo a sedimentar-se.
Posto o enquadramento legal, é certo que o mercado tem de se adaptar a estes novos requisitos, o que implica começar a conceber produtos com uma matriz circular. E é aqui que tudo começa, ou seja, concebendo uma ideia num papel. Estima-se que 80% do impacto ambiental de um produto é definido precisamente nesta fase. Por isso, Luciana Barbosa destaca que "o design é a chave fundamental para a mudança de paradigma de uma economia degenerativa, na qual vivemos, para uma economia regenerativa, em simbiose com a natureza e o planeta".
Ao agir a montante, o ecodesign circular permite enormes ganhos de eficiência económica e ambiental em todo o processo de transição. Luísa Magalhães
Smart Waste Portugal
Com o aumento da população a nível mundial, bem como do seu nível de vida, prevê-se um crescimento do consumo, logo também da pressão sobre os recursos naturais e a produção de resíduos. Neste sentido, Luísa Magalhães, diretora executiva da Associação Smart Waste Portugal, destaca que "ao agir a montante, o ecodesign circular permite enormes ganhos de eficiência económica e ambiental em todo o processo de transição para a economia circular, uma vez que torna possível obter processos e produtos menos intensivos em recursos, dando prioridade a matérias renováveis e não perigosas, bem como à reutilização de matérias-primas recuperadas".Smart Waste Portugal
Porém, o design por si só é insuficiente, sendo necessário que a sociedade em geral, as indústrias e as políticas vejam valor na integração dos princípios da sustentabilidade, circularidade e regeneração, redesenhando hábitos, práticas e "mindset".
A adaptação das empresas
Apesar de a "palavra de ordem" ter muitos ‘R’ - reciclar, recuperar, reutilizar, reduzir, repensar, reparar, etc. -, em muitos casos será necessário desenhar e produzir novos produtos, obrigando as empresas a fazerem alterações também no seu modus operandi.
As empresas são, cada vez mais, chamadas a compreender os impactos das suas decisões, o que acarreta uma grande complexidade. Cristina Rocha
Investigadora do LNEG
"A ligação do design à sustentabilidade não se limita ao nível do produto. Cada vez mais assistimos à aplicação do design a outros níveis de atuação, como sejam os processos, os modelos de negócio e mesmo os sistemas. Isto é muito importante porque atuar ao nível de um produto, isoladamente, não garante a sustentabilidade do sistema", ressalta a investigadora do LNEG. Por isso, acrescenta, "as empresas são, cada vez mais, chamadas a compreender os impactes das suas decisões, produtos e modelos de negócio a nível global, o que acarreta uma grande complexidade".Investigadora do LNEG
De salientar, no entanto que o design sustentável não deve atender apenas aos fatores ambientais, mas também sociais, nomeadamente, concebendo produtos que sejam acessíveis, inclusivos e que contribuam para o desenvolvimento das comunidades.
São, portanto, muitas exigências que colocam dúvidas às empresas na hora de conceber um produto. Cristina Sousa Rocha recorda que existem ferramentas robustas para ajudar nessa análise que servem de apoio à decisão: as chamadas avaliações ambientais do ciclo de vida (ACV). No entanto, "a esmagadora maioria das empresas não recorre a essas ferramentas, porque são complexas, consumidoras de tempo e onerosas", refere.
Tanta pressão regulatória pode acarretar possíveis alterações nos produtos e processos e exigir investimento causa algum alarme junto das empresas. Porém, Luciana Barbosa vê isso com outros olhos e considera que "o design sustentável e circular é a força motriz do crescimento, não um inibidor", alertando que "todos aqueles que permanecerem na inércia da mudança, que já está a ser normativamente estabelecida do ponto de vista governamental e internacional, incorre no risco de desaparecer ou ser ultrapassado". A designer considera que Portugal está até em vantagem nesta transformação. "As indústrias portuguesas encontram-se num momento privilegiado para tomarem dianteira global, pois se por um lado estão em pé de igualdade com as indústrias internacionais, quanto à integração de modelos de negócio mais sustentáveis e circulares, por outro, não são demasiado grandes e rígidas, permitindo-lhes ser mais flexíveis na adoção destes princípios", defende Luciana Barbosa.
Desafios: inovar, estandardizar, partilhar
É consensual que é preciso mudar de uma economia linear para uma circular. Aqui, a criatividade, a inovação e a tecnologia são aliados fundamentais. Mas tendo em conta as particularidades de Portugal, que tipo de produção necessita de maior transformação? "Todo o tipo de produção nacional impacta o meio ambiente, mas, sem dúvida, a transformação e a utilização de materiais que necessitam de milhões de anos para a reintegração na natureza têm de ser abandonadas o mais rápido possível, tais como os materiais poliméricos e seus derivados, energia não renovável, entre outros. Por outro, as produções intensivas têm consequências nefastas para o meio ambiente, ora pelo esgotamento de recursos, como pela desflorestação; todas aquelas que requisitam muitos elementos naturais no processo produtivo, como por exemplo a água, exigem urgência na criação de novas dinâmicas para o abandono destas consequências", defende a professora da ESAD.
Por seu lado, sobre as transformações de produtos mais necessárias em Portugal com vista a esta circularidade, a investigadora do LNEG Cristina Sousa Rocha, usa como referência o atual Plano de Ação para a Economia Circular em Portugal 2017-2020 e a Iniciativa Produtos Sustentáveis. E, "combinando os setores referidos nestes documentos com a capacidade de promover alterações através do design por parte da indústria portuguesa", destaca "os têxteis e vestuário, o calçado, os produtos de construção, nomeadamente os cerâmicos, as embalagens, o mobiliário, a indústria metalomecânica e os equipamentos elétricos e eletrónicos".
Certo é que circularidade não se trata só de criar produtos novo. "É relevante dar um melhor uso aos já existentes e tentar valorizar ao máximo o seu fim de vida", destaca Luísa Magalhães. Porém, a diretora executiva da Smart Waste Portugal considera também que a transição para uma economia circular acarreta grandes desafios. Um dos maiores passa pela "dificuldade em desenvolver uma abordagem que seja transversal aos diferentes setores e organizações da economia". "Como tal, são necessárias medidas que, por um lado, sejam de aplicabilidade geral às organizações e, por outro, sejam suficientemente concretas para capacitar as empresas a implementar práticas circulares."
A responsável destaca também que existem falhas na robustez e harmonização dos dados, bem como na colaboração dos "stakeholders" de uma cadeia de valor. "Há uma necessidade de educação, formação e sensibilização para estas temáticas de todos os consumidores e das próprias empresas. Não podemos querer obter novas práticas, mantendo um velho ‘mindset’", frisa Luísa Magalhães.
Cristina Sousa Rocha corrobora na importância da formação e informação para o sucesso da implementação da circularidade desde o ponto de partida do design. "É muito importante a transmissão de conhecimentos, o debate e o trabalho em equipa, envolvendo diferentes departamentos das empresas, bem como os principais parceiros da rede de valor, para que os profissionais envolvidos no design e desenvolvimento possam tomar decisões fundamentadas no conhecimento robusto dos impactes dos produtos e nas oportunidades que se lhes oferecem. Mas isso ainda acontece pouco. Implica um investimento e, sobretudo, uma mudança de mentalidades por parte das empresas", finaliza.