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Os números recolhidos pela Marine Stewardship Council são assustadores. Em 2019, os níveis de sobre-exploração rondavam os 35,4% - isto quando na década de 70 os valores eram de apenas 10%. Mais ainda: 35% dos "stocks" avaliados são explorados a níveis biologicamente insustentáveis e o consumo total de alimentos de pescado aumentou 122% de 1990 a 2018. Apesar de ser imprescindível o controlo do que se pesca por forma a evitar a aniquilação de espécie, é preciso ter em conta que cerca de 800 milhões de pessoas dependem da pesca para a sua subsistência.
A solução passa pelo monitorização e consequente certificação da sustentabilidade das pescarias. O que só acontece quando o "stock" em causa está saudável - diga-se, não se encontra em perigo de desaparecer ou com valores extremamente baixos. Quais as consequências? A MSC defende que quando um "stock" é sobrepescado é insustentável. Isto pode fazer com que os ecossistemas entrem em colapso, com consequências negativas para aqueles que dependem de um oceano saudável. Sendo que o impacto não ocorre apenas nas espécies alvo da pesca, mas também prejudica aquela vida marinha que é apanhada pelas embarcações e atividade de pesca.
É aqui que entra o selo azul da MSC. Atribuído apenas a peixe selvagem e a produtos do mar que foram certificados de acordo com as normas do MSC, é uma garantia, para uma pescaria particular, avaliada de forma exaustiva por especialistas independentes.
Hoje, 19% das capturas mundiais de pescado estão envolvidas com a MSC - significa certificadas, suspensas ou em processo de avaliação completa -, o que se traduz em 628 pescarias envolvidas no programa, tendo sido realizadas - em 25 anos de atividade - mais de 2 mil melhorias pesqueiras. Feitas as contas, isso significa 12,9 mil milhões de dólares de valor de vendas a retalho. Em Portugal, os valores são mais tímidos. Para já, não há uma única pescaria certificada - embora tanto a sardinha como o bonito dos Açores estejam em vias de o serem. No entanto, há todo um conjunto de empresas e entidades que já estão a trabalhar ativamente com a MSC: 65 empresas com a cadeia de custódia (206 estabelecimentos), que exportam para 34 países e que têm 400 produtos com o selo azul. Isso traduz-se em 18 mil toneladas de pescado comercializadas em Portugal - cerca de 3% do pescado consumido no país.
De realçar que não apenas empresas como a Riberalves, Sr Bacalhau, A Poveira, ou mesmo a Gelpeixe que estão já a trabalhar ativamente no sentido de obterem o selo azul da MSC e a trabalhar para a sustentabilidade dos oceanos. A Iglo, por exemplo, é a única empresa a nível ibérico que tem a totalidade dos seus produtos certificados. Algo que não foi fácil e levou anos de trabalho, como afirma Inês Teixeira, diretora de marketing da empresa, que aponta o caso das lulas e dos chocos como talvez das espécies mais difíceis de certificar.
Tão ou mais importante é o papel desempenhado pelo retalho. Porque como refere Elke Muranyi, corporate responsability director na Aldi Portugal, "o retalho, estanto perto do consumidor, tem o papel de sensibilizar e informar", acrescentando que "temos de mudar os novos padrões de consumo". Que passa muito, também, por uma maior diversificação do pescado adquirido e consumido. Embora, reconheça, Isa Cardoso, corporate social responsability no Lidl Portugal, o preço seja sempre preponderante.
Morfologia dificulta certificações
O que faz com que Portugal tenha dificuldade em certificar as suas pescarias? A explicação, descreve Rita Sá, bióloga marinha e coordenadora de Oceanos e Pescas da ANP|WWF, está no facto de termos uma plataforma continental muito estreita. Ao contrário dos países do Norte da Europa, que têm poucas espécies e muita quantidade, o nosso mar é caraterizado por ter muita biodiversidade, mas pouca quantidade. Isso não só dificulta que o pescador consiga, minimamente, prever a sua pescaria, como inclusive a monitorização e manutenção dos "stocks". Na prática, os pescadores vão ao mar e normalmente nunca sabem o que trazem para terra no fim da jorna. O que também dificulta, explica Rita Sá, a resposta ao mercado, porque podem apanhar vários quilos de uma espécie quando a procura assentava noutra.
Mas há mais medidas. Como os cabazes do peixe, que são cadeias de comércio curtas. Neste momento, esclarece Rita Sá, existem dois em Portugal - em Sesimbra e na Fuzeta - em que são as próprias associações de pescadores que compram o peixe aos seus associados, arranjam o pescado e levam-no diretamente ao consumidor. Esta medida tem a vantagem de, por vezes, conseguir escoar espécies que não têm tanto valor comercial - misturadas com outras mais valiosas - assim como o de proporcionar uma maior diversificação na alimentação do consumidor, apresentando-lhe, inclusive, espécies anteriormente desconhecidas para ele.
No entanto, a ambientalista reconhece que estas soluções não dão para tudo, nem para todos. "Se calhar não há uma solução que vá resolver toda esta questão. A solução é mesmo este mosaico de pequenas soluções, muito trabalho com as comunidades e tentar perceber como é que conseguimos pensar em conjunto para resolver aquele problema, assegurando a subsistência das comunidades, a existência de boas práticas e a preservação do recurso, a par da ligação com o mercado."
Quem é o consumidor português?
O peixe é um dos principais ingredientes da dieta nacional. Não é por acaso Portugal é terceiro maior consumidor per capita do mundo, consumindo 59,91 quilos per capita, 2,5 vezes mais do que a média de consumo registada na União Europeia (que é de 34 quilos per capita). Em que é que isso se traduz?
O estudo realizado pela consultora independente GlobeScan em 23 países e que envolveu mais de 25.000 consumidores - Portugal incluído -, indica que 83% dos consumidores gosta de comer pescado. As principais motivações de compra são a saúde, a segurança para consumo e a frescura. Razões que se têm mantido inalteradas ao longo do tempo. Por outro lado, os problemas que os oceanos enfrentam são bem conhecidos pelos portugueses. E se a poluição é considerada a maior ameaça a sobrepesca segue logo atrás.
Mas a grande questão é o que é que estamos dispostos a fazer para assegurar a sustentabilidade dos oceanos e das suas espécies. Os dados recolhidos pela MSC indicam que os portugueses estão dispostos a alterar os seus hábitos alimentares, optando por comprar pescado de uma fonte sustentável (50%) ou de marcas que protegem os oceanos (36%). E aqui o selo que certifica que um determinado pescado é sustentável faz toda a diferença.
Mas só isso não chega. 84% dos consumidores querem que as empresas descrevam mais sobre a sustentabilidade dos seus produtos. Este é o ponto fulcral. Há ainda muita falta de informação ou dados imprecisos que colocam dúvidas sobre os produtos - neste caso o pescado - que está à venda. E esses dados são essenciais para que os consumidores tomem decisões informadas.
A solução passa pelo monitorização e consequente certificação da sustentabilidade das pescarias. O que só acontece quando o "stock" em causa está saudável - diga-se, não se encontra em perigo de desaparecer ou com valores extremamente baixos. Quais as consequências? A MSC defende que quando um "stock" é sobrepescado é insustentável. Isto pode fazer com que os ecossistemas entrem em colapso, com consequências negativas para aqueles que dependem de um oceano saudável. Sendo que o impacto não ocorre apenas nas espécies alvo da pesca, mas também prejudica aquela vida marinha que é apanhada pelas embarcações e atividade de pesca.
É aqui que entra o selo azul da MSC. Atribuído apenas a peixe selvagem e a produtos do mar que foram certificados de acordo com as normas do MSC, é uma garantia, para uma pescaria particular, avaliada de forma exaustiva por especialistas independentes.
Sabemos que 98% dos "stocks "podem recuperar até 2050 se houver boa governança. Laura Rodríguez
Diretora do programa MSC para Portugal e Espanha
A análise e acompanhamento dos "stocks" e a diminuição da sobrepesca é importante. Só desta forma se garante que, daqui a umas décadas, os oceanos continuam cheios de vida e que os ecossistemas não foram mais alterados. Ainda temos tempo para alterar a situação? A resposta, segundo Laura Rodríguez, diretora do programa MSC para Portugal e Espanha, é positiva. "Sabemos que 98% dos "stocks "podem recuperar até 2050 se houver boa governança", afirmou durante a apresentação do programa "O panorama do pescado sustentável em Portugal". Diretora do programa MSC para Portugal e Espanha
Hoje, 19% das capturas mundiais de pescado estão envolvidas com a MSC - significa certificadas, suspensas ou em processo de avaliação completa -, o que se traduz em 628 pescarias envolvidas no programa, tendo sido realizadas - em 25 anos de atividade - mais de 2 mil melhorias pesqueiras. Feitas as contas, isso significa 12,9 mil milhões de dólares de valor de vendas a retalho. Em Portugal, os valores são mais tímidos. Para já, não há uma única pescaria certificada - embora tanto a sardinha como o bonito dos Açores estejam em vias de o serem. No entanto, há todo um conjunto de empresas e entidades que já estão a trabalhar ativamente com a MSC: 65 empresas com a cadeia de custódia (206 estabelecimentos), que exportam para 34 países e que têm 400 produtos com o selo azul. Isso traduz-se em 18 mil toneladas de pescado comercializadas em Portugal - cerca de 3% do pescado consumido no país.
De realçar que não apenas empresas como a Riberalves, Sr Bacalhau, A Poveira, ou mesmo a Gelpeixe que estão já a trabalhar ativamente no sentido de obterem o selo azul da MSC e a trabalhar para a sustentabilidade dos oceanos. A Iglo, por exemplo, é a única empresa a nível ibérico que tem a totalidade dos seus produtos certificados. Algo que não foi fácil e levou anos de trabalho, como afirma Inês Teixeira, diretora de marketing da empresa, que aponta o caso das lulas e dos chocos como talvez das espécies mais difíceis de certificar.
Tão ou mais importante é o papel desempenhado pelo retalho. Porque como refere Elke Muranyi, corporate responsability director na Aldi Portugal, "o retalho, estanto perto do consumidor, tem o papel de sensibilizar e informar", acrescentando que "temos de mudar os novos padrões de consumo". Que passa muito, também, por uma maior diversificação do pescado adquirido e consumido. Embora, reconheça, Isa Cardoso, corporate social responsability no Lidl Portugal, o preço seja sempre preponderante.
Morfologia dificulta certificações
O que faz com que Portugal tenha dificuldade em certificar as suas pescarias? A explicação, descreve Rita Sá, bióloga marinha e coordenadora de Oceanos e Pescas da ANP|WWF, está no facto de termos uma plataforma continental muito estreita. Ao contrário dos países do Norte da Europa, que têm poucas espécies e muita quantidade, o nosso mar é caraterizado por ter muita biodiversidade, mas pouca quantidade. Isso não só dificulta que o pescador consiga, minimamente, prever a sua pescaria, como inclusive a monitorização e manutenção dos "stocks". Na prática, os pescadores vão ao mar e normalmente nunca sabem o que trazem para terra no fim da jorna. O que também dificulta, explica Rita Sá, a resposta ao mercado, porque podem apanhar vários quilos de uma espécie quando a procura assentava noutra.
O primeiro comité de cogestão foi criado no ano passado, na reserva natural das Berlengas Rita Sá Ambientalista
Apesar das dificuldades ,a ambientalista assegura que há formas de contornar a questão, nomeadamente através do trabalho que tem sido feito em conjunto com a comunidade. A associação, por exemplo, tem projetos ao nível da cogestão, onde há partilha da decisão sobre a melhor forma de gerir determinado recurso. "O primeiro comité de cogestão foi criado no ano passado, na reserva natural das Berlengas", sendo que o segundo está em vias de ser criado, que será da pesca do polvo do Algarve. "Isto faz com que a gestão seja muito mais adaptativa e próxima", ou seja, "mais facilmente conseguimos perceber o que se está a passar no sistema e reagir rapidamente". Mas há mais medidas. Como os cabazes do peixe, que são cadeias de comércio curtas. Neste momento, esclarece Rita Sá, existem dois em Portugal - em Sesimbra e na Fuzeta - em que são as próprias associações de pescadores que compram o peixe aos seus associados, arranjam o pescado e levam-no diretamente ao consumidor. Esta medida tem a vantagem de, por vezes, conseguir escoar espécies que não têm tanto valor comercial - misturadas com outras mais valiosas - assim como o de proporcionar uma maior diversificação na alimentação do consumidor, apresentando-lhe, inclusive, espécies anteriormente desconhecidas para ele.
3Pódio
Portugal é terceiro maior consumidor per capita de pescado o mundo, consumindo um total de 59,91 quilos por pessoa.
Quem é o consumidor português?
O peixe é um dos principais ingredientes da dieta nacional. Não é por acaso Portugal é terceiro maior consumidor per capita do mundo, consumindo 59,91 quilos per capita, 2,5 vezes mais do que a média de consumo registada na União Europeia (que é de 34 quilos per capita). Em que é que isso se traduz?
83%Consumo
Um estudo da consultora GlobeScan realizado em 23 países a 25 mil pessoas concluiu que 83% dos consumidores gosta de comer pescado.
Mas a grande questão é o que é que estamos dispostos a fazer para assegurar a sustentabilidade dos oceanos e das suas espécies. Os dados recolhidos pela MSC indicam que os portugueses estão dispostos a alterar os seus hábitos alimentares, optando por comprar pescado de uma fonte sustentável (50%) ou de marcas que protegem os oceanos (36%). E aqui o selo que certifica que um determinado pescado é sustentável faz toda a diferença.
Mas só isso não chega. 84% dos consumidores querem que as empresas descrevam mais sobre a sustentabilidade dos seus produtos. Este é o ponto fulcral. Há ainda muita falta de informação ou dados imprecisos que colocam dúvidas sobre os produtos - neste caso o pescado - que está à venda. E esses dados são essenciais para que os consumidores tomem decisões informadas.