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COP26: chega de estratégia, é altura de agir

Estamos num ponto de viragem. A temperatura em vez de diminuir continua a aumentar. A pandemia, por seu lado, levou países, como a China, a retroceder na estratégia de descarbonização. O que faz com que as associações como a ZERO e a ANP|WWF afirmem ser urgente definir e operacionalizar medidas concretas de curto prazo.

27 de Outubro de 2021 às 10:33
A cidade de Glasgow, na Escócia, vai receber a COP26 entre os dias 1 e 12 de novembro. Os preparativos já arrancaram.
A cidade de Glasgow, na Escócia, vai receber a COP26 entre os dias 1 e 12 de novembro. Os preparativos já arrancaram. Robert Perry/LUSA_EPA
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A poucos dias da COP26, as expectativas são grandes. Por um lado, deu-se a reentrada dos Estados Unidos da América mas, por outro, a China, um importante player no combate às alterações climáticas, já anunciou que não estará presente.

Seis anos após o Acordo de Paris, é altura de os países mostrarem o que já conseguiram alcançar desde essa altura e definirem novos objetivos. Isto porque, ao contrário do que seria de esperar, a temperatura média não diminuiu. Como refere Pedro Nunes, ambientalista da ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável, as previsões são de que continue a subir. Os dados do IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, em português) indicam que, se as medidas anunciadas forem cumpridas, até 2030 as emissões vão aumentar 16% (quando deviam baixar 45%). O que significa que as medidas a adotar terão de ser mais severas e que os países terão de ser mais céleres.

A expectativa da ZERO é que os países apresentem um plano com medidas concretas e, especialmente, de curto prazo. Não basta dizer que "queremos ser neutros em carbono em 2050". Para Pedro Nunes, são objetivos de demasiado longo prazo. Neste momento, tendo em conta o cenário atual, o importante são as metas e as medidas concretas a atingir até 2030.

A par da ambição, há outra questão importante tanto para a ZERO como para a ANP|WWF: a questão do financiamento do combate às alterações climáticas - a par da compensação dos países já afetados por essas mesmas alterações.

Isto é importante porque as medidas de alteração e/ou adaptação são soluções caras, principalmente para os países mais vulneráveis que, curiosamente, tendem a ser os mais prejudicados pelas alterações climáticas. Veja-se a seca em África, por exemplo. Ainda por cima, constata Pedro Nunes, são países que, historicamente, não emitem emissões.

Para o ambientalista seria importante que nesta COP os países ricos mostrassem alguma solidariedade global no sentido de pagarem estes esforços a estes países (os mais vulneráveis) que, ainda por cima, historicamente, não têm sido pagos. "Em Copenhaga, em 2009, foi acordado que, até 2020, iria haver um esforço anual de 100 mil milhões de dólares de pagamento a estes países mais vulneráveis e mais pobres para o combate às alterações climáticas - quer em termos de mitigação como adaptação - e isso não foi cumprido." Segundo dados da OCDE, foram pagos cerca de 80 mil milhões. Ou seja, há um saldo negativo de cerca de 20% do valor inicial definido.

É essencial criar um mecanismo de financiamento para concretizar as indemnizações que as economias ricas têm de pagar às mais pobres.  Pedro Nunes, Ambientalista da ZERO
Hoje, mais do que simplesmente garantir que essa verba vai ser conseguida, e paga, é garantir que esse valor vai ser ultrapassado. Essa é a opinião do responsável da ZERO, que refere que o que "está em cima da mesa é que, até 2025, seja conseguido um esforço de 600 mil milhões de dólares".

E no decorrer do financiamento das ações de mitigação e adaptação vem um outro tema à discussão: a compensação por perdas e danos. Muitos desses países vulneráveis (embora não sejam os únicos) já estão a sofrer as consequências das alterações climáticas - sejam furacões, inundações, secas, elevação do nível do mar, etc. - que resultam em milhares de milhões de prejuízos. Sendo que muitos dos países não têm capacidade financeira para fazer face à situação. "É essencial criar um mecanismo de financiamento para concretizar estas indemnizações, que as economias mais ricas têm de pagar às mais pobres", afirma Pedro Nunes.

É preciso recuperar, evitar a degradação, proteger e restaurar a natureza dentro do contexto das alterações climáticas.  Catarina Grilo, Diretora de Conservação e Políticas na ANP|WWF
A par disto, a WWF defende que os países deveriam enveredar pelas Nature Base Solutions, ou seja, soluções baseadas na natureza. De uma forma simplista, são "todas as intervenções que permitem de alguma forma recuperar, evitar a degradação, proteger e restaurar a natureza dentro do contexto das alterações climáticas", explica Catarina Grilo, diretora de Conservação e Políticas na ANP|WWF. Por outras palavras, tentar fazer um melhor aproveitamento da recuperação da natureza e da sua proteção a quatro níveis: a captura de carbono pela vegetação, pelos solos, a atenuação dos efeitos das tempestades e a retenção de água de cheias, de acordo com a ANP|WWF.

O exemplo de Portugal

A Europa está a liderar o processo de combate às alterações climáticas. Isso é inegável. E Portugal? Como se está a portar no conjunto de países que constituem a Europa? Para Pedro Nunes, o nosso país tem sido progressista no que concerne a políticas climáticas. Os dados indicam mesmo que o objetivo para 2030 - reduzir as emissões entre 45 e 55% - muito provavelmente será cumprido. Nesse sentido, Portugal está no bom caminho. Tem uma política de incentivo às energias renováveis que tem "tido sucesso, nomeadamente na descarbonização da eletricidade". Essa é a medida em que "estamos melhor", mas também é a que é mais fácil de alcançar. Porque agora há que fazer a descarbonização de setores que são mais difíceis de descarbonizar, porque "são consumidores intensivos de energia". É o caso da indústria e dos transportes.

Mesmo com estes pontos positivos Catarina Grilo refere não estar muito otimista em relação ao futuro. Porquê? O Plano Nacional de Energia e Clima 2030, onde estão definidos compromissos de redução de 50 a 55% face a 2005. Acontece que para a diretora da ANP|WWF esses valores são insuficientes. Desde logo porque o ano de referência para se definir a redução dos gases de efeito de estufa não costuma ser 2005, mas sim 1990. "É o que acontece na Europa", afirma Catarina Grilo. Tendo essa data por referência os valores portugueses deveriam ser de 65 a 79%. O que significa que há um intervalo, grande, a suprimir.


Expetativa da ANP|WWF:

1 - Pôr todas as peças no tabuleiro, mobilizando intervenientes não estatais, tais como cidades/autarquias, empresas, academia, sociedade civil, investidores, etc.
2 - Alavancar planos climáticos nacionais robustos e acelerar a sua implementação para alcançar uma transição justa para um mundo "carbono zero", 100% alimentado por energias renováveis.
3 - Cumprir os mandatos existentes da UNFCCC, em especial os relacionados com os princípios/acordos de Paris, para melhorar a implementação, incluindo prazos comuns para os CND - Contributos Nacional Definidos, regras do mercado de carbono, transparência, finanças, e apoio à adaptação e perdas e danos. O que significa:
n Prazos comuns de cinco anos para os CND.
n Regras do mercado de carbono que garantam maiores reduções de emissões, financiamento para adaptação, e integridade ambiental.
n Clareza na entrega do objetivo de 100 mil milhões de dólares e novo objetivo financeiro pós-2020.
n Assegurar que 50% do financiamento para clima é para a adaptação.
n Operacionalizar o Objetivo Global de Adaptação.
n Estabelecer um mecanismo de financiamento de perdas e danos.
n Chegar a acordo sobre os planos para o Global Stocktake, incluindo a recolha de contributos e questões orientadoras.
4 - Reconhecer o papel crítico da natureza tanto para a mitigação como para a adaptação/resiliência.
5 - Assegurar que o que foi acordado em Paris é capaz de cumprir os seus objetivos, estabelecendo uma agenda clara, calendarizada e que seja implementado para os cinco anos após a COP26, a fim de assegurar que Paris dispõe dos instrumentos necessários para permitir às partes pôr-se a caminho para cumprir os seus objetivos climáticos a longo prazo.
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