Opinião
O programa de Centeno
A esquerda critica porque discorda. A direita discorda porque critica. E pelo meio Centeno faz o que antes parecia impossível: acelera o ritmo de consolidação ao mesmo tempo que trava a austeridade. Parece mentira? Chama-se crescimento económico.
O programa de Estabilidade que entrou na Assembleia da República na sexta-feira é basicamente o mesmo que saiu das Finanças para as negociações com os partidos que apoiam o Governo no Parlamento. Os partidos tiveram a oportunidade de dizer o que pensavam mas não tiveram o poder de o mudar. Também não estavam à espera disso e, apesar dos protestos, guardaram o seu poder de fogo para o próximo Orçamento do Estado. Este programa de Estabilidade é feito à imagem e semelhança de Mário Centeno, convertido no todo-poderoso ministro das Finanças.
Se Centeno tivesse saído do Governo em Fevereiro de 2017, depois do valente puxão de orelhas de Marcelo Rebelo de Sousa a propósito da administração da Caixa Geral de Depósitos e quando a oposição e boa parte dos comentadores pediam a sua demissão, o balanço do ministro das Finanças de António Costa teria sido bem diferente.
Por essa altura, todos os planos lhe saíam mal. As suas propostas ora eram furadas pelo Bloco e PCP ora batiam contra a parede da Comissão Europeia. Assim aconteceu com a redução da TSU para os trabalhadores mais pobres ou com a descida da TSU em quatro pontos para as empresas; o despedimento conciliatório, por exemplo, morreu quase à nascença; quanto à taxa de rotatividade e ao famoso crédito fiscal, quando quase todos os davam como mortos, ressuscitaram num futuro longínquo já fora desta legislatura.
Aquele que viria a ser o presidente do Eurogrupo era então só mais um ministro das Finanças cujas previsões não batiam certo com as da Comissão que via desvios significativos no défice e deixava no ar a necessidade de medidas adicionais para atingir os objectivos.
Em pouco mais de um ano, tudo mudou. Centeno passou de remodelável a insubstituível. A esquerda critica-o agora de forma mais frontal, enquanto a direita não sabe bem o que fazer: impossibilitada de discordar dos objectivos e metas de Centeno, faz oscilar as críticas entre as motivações do ministro (corre em pista própria por ambição pessoal) e o caminho escolhido para lá chegar (apontando o dedo à carga fiscal e à falta de reformas estruturais). Mas sem grande convicção.
E fica então o país perante um irónico paradoxo: quem discorda do Programa de Estabilidade - Bloco e PCP - não o pode efectivamente rejeitar; e quem concorda com ele - PSD e CDS - não o pode assumidamente aceitar.
E Centeno segue, impávido, o seu caminho fazendo o pleno: leva a consolidação orçamental mais longe do que Bruxelas lhe exigiria ao mesmo tempo que trava a austeridade, fazendo recuar o excedente primário (sem juros) de 3% para 2,8%, em 2018. Claro que só há uma forma de ganhar velocidade enquanto se trava: aproveitando a descida ou o vento favorável. Aqui chama-se crescimento económico, algo a que os portugueses e os partidos já se tinham desabituado.
Se Centeno tivesse saído do Governo em Fevereiro de 2017, depois do valente puxão de orelhas de Marcelo Rebelo de Sousa a propósito da administração da Caixa Geral de Depósitos e quando a oposição e boa parte dos comentadores pediam a sua demissão, o balanço do ministro das Finanças de António Costa teria sido bem diferente.
Aquele que viria a ser o presidente do Eurogrupo era então só mais um ministro das Finanças cujas previsões não batiam certo com as da Comissão que via desvios significativos no défice e deixava no ar a necessidade de medidas adicionais para atingir os objectivos.
Em pouco mais de um ano, tudo mudou. Centeno passou de remodelável a insubstituível. A esquerda critica-o agora de forma mais frontal, enquanto a direita não sabe bem o que fazer: impossibilitada de discordar dos objectivos e metas de Centeno, faz oscilar as críticas entre as motivações do ministro (corre em pista própria por ambição pessoal) e o caminho escolhido para lá chegar (apontando o dedo à carga fiscal e à falta de reformas estruturais). Mas sem grande convicção.
E fica então o país perante um irónico paradoxo: quem discorda do Programa de Estabilidade - Bloco e PCP - não o pode efectivamente rejeitar; e quem concorda com ele - PSD e CDS - não o pode assumidamente aceitar.
E Centeno segue, impávido, o seu caminho fazendo o pleno: leva a consolidação orçamental mais longe do que Bruxelas lhe exigiria ao mesmo tempo que trava a austeridade, fazendo recuar o excedente primário (sem juros) de 3% para 2,8%, em 2018. Claro que só há uma forma de ganhar velocidade enquanto se trava: aproveitando a descida ou o vento favorável. Aqui chama-se crescimento económico, algo a que os portugueses e os partidos já se tinham desabituado.
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