Opinião
Jogo viciado
Um estudo da consultora americana CareerCast elege os matemáticos como a melhor profissão dos tempos modernos.
Um estudo da consultora americana CareerCast elege os matemáticos como a melhor profissão dos tempos modernos. Não é surpreendente se pensarmos na crescente necessidade das empresas em contratar quem saiba construir modelos capazes de dar sentido aos "terabites" de informação que recolhem dos clientes, a chamada Big Data. O "métier" é há vários anos apreciado em Wall Street e na City londrina, como peça-chave da negociação algorítmica e de alta frequência. Uma prática que, acusam alguns, vicia as regras do jogo. Quem perde é o pequeno investidor.
A corrida pela velocidade no processamento de ordens de bolsa é tão velha como a negociação electrónica. O primeiro software surgiu pela mão de um financeiro, um professor de estatística e um matemático, que em 1989 criaram a Automated Trading Desk. A partir do início deste século, a tecnologia sofisticou-se, reduzindo o tempo de um "trade" à escala do microssegundo. O fenómeno começou pelas acções, mas estendeu-se rapidamente às obrigações, contratos futuros e ao mercado cambial.
De forma simples, a negociação de alta frequência (HFT, na sigla inglesa) usa elaborados algoritmos para analisar os preços das ordens de compra e venda que estão inseridos nos sistemas de negociação e antecipar a sua evolução, usando os dados para desencadear as transacções.
Será isto batota? Michael Lewis, autor do livro "Flash Boys", não tem dúvidas: "O mercado accionista americano, o mais icónico do capitalismo global, está viciado". E porquê? As plataformas de HFT conseguem antecipar-se aos restantes investidores, "comendo" os preços mais favoráveis no mercado, forçando-os a comprar mais caro e a vender mais barato.
Há outras evidências de que aqui há manha, com elevada probabilidade de se estarem a surripiar os investidores. A Virtu, uma plataforma de HFT que está em processo de admissão à bolsa, escreve no prospecto o seguinte: "Como resultado da nossa estratégia de gestão de risco em tempo real, desde 1 de Janeiro de 2008 só registámos perdas na negociação num único dia". Um dia. Em mais de seis anos. Não sendo mentira, não será trapaça?
Há outra razão de peso para questionar a utilização da HFT: o potencial risco sistémico para o mercado. O perigo foi evidenciado pelo "flash crash" de 2010. No dia 6 de Maio, o índice Dow Jones chegou a perder 9%, recuperando segundos depois. Foi a maior queda intradiária de sempre, num movimento que se acredita ter sido ampliado pela negociação de alta frequência. Com uma agravante: as ordens são muitas vezes canalizadas através de plataformas obscuras, as chamadas "dark pools", onde ninguém verifica a transparência das transacções.
A CMVM tem evidências da existência de HFT com acções portuguesas há um par de anos. Ela é detectável quando existe uma grande quantidade de ordens submetidas e não executadas em determinados títulos, num espaço muito curto de tempo
Este é mais um caso clássico em que a supervisão não tem conseguido acompanhar a inovação. O tema é discutido nos fóruns internacionais, mas continua sem regras capazes de travar abusos. O passo mais sério foi dado a semana passada na União Europeia, com a aprovação pelo Parlamento Europeu de uma nova directiva sobre abuso de mercado, que inclui limites à HFT. Os mais ambiciosos até à data. Será suficiente para que o terreno de jogo deixe de estar inclinado?
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