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25 de Fevereiro de 2018 às 14:00

Como a economia sobreviveu à crise económica

Enquanto a Grande Depressão da década de 1930 produziu a economia keynesiana e a estagnação da década de 1970 produziu o monetarismo de Milton Friedman, a Grande Recessão não produziu nenhuma mudança intelectual semelhante.

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O décimo aniversário do início da Grande Recessão serviu de mote para um ensaio elegante do economista vencedor do Prémio Nobel Paul Krugman, que destacou as poucas mudanças ocorridas no debate sobre as causas e consequências da crise na última década. Enquanto a Grande Depressão da década de 1930 produziu a economia keynesiana e a estagnação da década de 1970 produziu o monetarismo de Milton Friedman, a Grande Recessão não produziu nenhuma mudança intelectual semelhante.

 

Isto é profundamente deprimente para os jovens estudantes de economia, que esperavam uma resposta desafiadora da profissão. Porque é que não houve nenhuma?

 

A resposta de Krugman é tipicamente engenhosa: a antiga macroeconomia, como diz o ditado, "deu para o gasto". Impediu outra Grande Depressão. Então, os alunos devem esquecer os seus sonhos e aprender as suas lições.

 

Há dez anos, duas escolas de macroeconomistas disputavam a primazia: a Nova Escola Clássica – ou de "água doce" – descendente de Milton Friedman e Robert Lucas e sediada na Universidade de Chicago, e a Nova Escola Keynesiana, ou de "água salgada", descendente de John Maynard Keynes e com sede no MIT e Harvard.

 

Os tipos de água doce acreditavam que os défices orçamentais eram sempre maus, enquanto o campo de água salgada acreditava que os défices eram benéficos numa queda. Krugman é um novo keynesiano, e o seu ensaio teve como objectivo mostrar que a Grande Recessão confirmou os modelos padrão da Nova Escola Keynesiana.

 

Mas há sérios problemas com a narrativa de Krugman. Para começar, há a sua resposta à famosa pergunta da rainha Elizabeth II: "Porque é que ninguém a viu chegar?" A resposta de Krugman é que os novos keynesianos estavam a olhar para o outro lado. Foi um fracasso não da teoria, mas da "recolha de dados". Eles "negligenciaram" mudanças institucionais cruciais no sistema financeiro. Embora isso tenha sido lamentável, não criou um "problema conceptual profundo" - isto é, não exigiu que reconsiderassem a sua teoria.

 

Diante da crise, os novos keynesianos enfrentaram o desafio. Recuperararm os seus antigos modelos de preços fixos das décadas de 1950 e 1960, que lhes diziam três coisas. Em primeiro lugar, os défices orçamentais muito grandes não fariam subir taxas de juro próximas de zero. Em segundo lugar, mesmo grandes aumentos na base monetária não levariam a uma inflação elevada, ou mesmo a aumentos equivalentes nos agregados monetários mais amplos. E, em terceiro lugar, haveria um multiplicador de rendimento nacional positivo, quase certamente maior que um, a partir das mudanças nas despesas públicas e na tributação.

 

Essas proposições serviram de argumento para défices orçamentais após o colapso de 2008. Foram implementadas políticas baseadas nessas proposições que funcionaram "notavelmente bem". O sucesso da nova política keynesiana teve o efeito irónico de permitir que "os membros mais inflexíveis da nossa profissão [os Novos Clássicos de Chicago] ignorassem os acontecimentos de uma forma que não possível em episódios passados". Assim, nenhuma escola - seita pode ser a melhor palavra - foi desafiada a repensar os princípios fundamentais.

 

Esta história inteligente da economia pré e pós-colapso deixa questões-chave sem resposta. Primeiro, se a nova economia keynesiana fosse "boa o suficiente", porque é que os economistas não pediram precauções contra o colapso de 2007-2008? Afinal, eles não descartaram a possibilidade de tal colapso a priori.

 

Krugman admite uma lacuna na "recolha de evidências". Mas a escolha das evidência é orientada pela teoria. Na minha opinião, os economistas da Nova Escola Keynesiana fecharam os olhos às instabilidades acumuladas no sistema bancário, porque os seus modelos diziam que as instituições financeiras poderiam avaliar com precisão os riscos. Assim, houve uma "questão conceptual profunda" envolvida na análise da Nova Keynesiana: a sua falha em explicar como é que os bancos podem "subestimar o risco a nível global", como afirmou Alan Greenspan.

 

Em segundo lugar, Krugman não explica porque é que as políticas keynesianas reivindicadas em 2008-2009 foram tão rapidamente revertidas e substituídas pela austeridade orçamental. Porque é que os decisores não seguiram os seus modelos de preços fixos até terem feito o seu trabalho? Porquê abandoná-los em 2009, quando as economias ocidentais ainda estavam 4-5% abaixo dos níveis pré-colapso?

 

A resposta que eu daria é que quando Keynes foi brevemente exumado por seis meses em 2008-2009, foi por razões políticas, não intelectuais. Como os modelos da Nova Escola Keynesiana não ofereciam uma base suficiente para manter as políticas keynesianas depois de a emergência económica ter sido superada, foram rapidamente abandonados.

 

Krugman está próximo de reconhecer isso mesmo: os novos keynesianos, escreve ele, "começam com o comportamento racional e o equilíbrio do mercado como linha de base, e tentam obter disfunção económica ajustando essa linha de base nas margens". Esses ajustes permitem que os modelos dos novos keynesianos gerem efeitos reais temporários de choques nominais e, portanto, justificam uma intervenção bastante radical em tempos de emergência. Mas nenhum ajuste pode criar argumentos suficientemente fortes para justificar uma política intervencionista sustentada.

 

O problema para os macroeconomistas da Nova Escola Keynesiana é que não conseguem reconhecer a incerteza radical nos seus modelos, deixando-os sem qualquer teoria sobre o que fazer nos bons tempos para evitar os maus. O seu foco nos salários nominais e na rigidez dos preços implica que se esses factores estivessem ausentes, um equilíbrio seria facilmente alcançado. Eles consideram o sector financeiro como neutro, e não como fundamental.

 

Sem um reconhecimento da incerteza, a economia da água salgada está destinada a colapsar na sua contraparte de água doce. Os "retoques" dos novos keynesianos criarão um espaço político limitado para a intervenção, mas não o suficiente para fazer um trabalho adequado. O argumento de Krugman, embora provocativo, não é certamente conclusivo. A macroeconomia ainda precisa de apresentar uma nova grande ideia.

 

Robert Skidelsky, membro da Câmara dos Lordes britânica, é professor emérito de Economia Política na Universidade de Warwick.

 

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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