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Anatole Kaletsky 19 de Fevereiro de 2017 às 20:00

Três surpresas em 2017

Se François Fillon ou Emmanuel Macron vencerem, a França vai embarcar num processo de reformas económicas comparável ao que a Alemanha fez em 2003, realizado pelo então chanceler Gerhard Schroeder.

Os especialistas económicos tradicionalmente oferecem as suas (tradicionalmente imprecisas) previsões de Ano Novo no início de Janeiro. Mas as condições mundiais este ano são tudo menos tradicionais, por isso, parece apropriado esperar até que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, esteja bem acomodado na Casa Branca para avaliar algumas das principais surpresas que podem abanar o mundo económico e os mercados financeiros. A julgar pelos actuais movimentos e condições de mercado, o mundo pode ser apanhado desprevenido em três potenciais desenvolvimentos transformadores.

 

Para começar, as políticas económicas de Trump provavelmente vão levar a taxas de juro, e a uma inflação, muito mais altas nos Estados Unidos face ao que esperavam os mercados financeiros. A eleição de Trump quase de certeza que terminou com a tendência, que durava há 35 anos, de desinflação e declínio dos juros, que começou em 1981, e que tem tido uma influência dominante nas condições económicas e nos preços dos activos a nível mundial. Mas os investidores e os políticos ainda não acreditam nisso. A administração da Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) publicou estimativas que sugerem apenas três subidas nos juros este ano e os mercados incorporaram-nas em apenas dois movimentos.

 

Contudo, à medida que Trump lança as suas políticas, a Fed provavelmente vai apertar a sua política monetária mais do que tinha planeado antes da tomada de posse e não relaxá-la como os mercados ainda esperam. Mais importante, à medida que as políticas de Trump vão impulsionando tanto a actividade económica real como a inflação, as taxas de juro de longo prazo, que influenciam a economia mundial mais do que as taxas de depósito "overnight" estabelecidas pelos bancos centrais, provavelmente vão subir acentuadamente.

 

O racional para este cenário é simples. Os planos de Trump para os impostos e para a despesa vão reverter acentuadamente a consolidação orçamental aplicada pelo Congresso na administração de Barack Obama. E o endividamento das famílias vai expandir-se de forma dramática se Trump cumprir a sua promessa de reverter as regulações bancárias impostas depois da crise financeira de 2008. À medida que estes estímulos adicionais forem impulsionando a economia, que está já próxima de uma situação de pleno emprego, a inflação parece estar obrigada a acelerar, com as tarifas comerciais proteccionistas e o possível "imposto fronteiriço" a levarem a uma subida ainda maior dos preços dos bens importados.

 

A única incerteza é sobre como a política monetária vai responder a esta "trumpflation". Mas quer a Fed tente contra-atacar através de uma subida das taxas de juro de forma mais agressiva do que as suas actuais previsões indicam, ou decida mexer-se de forma cuidadosa, mantendo as taxas de juro no curto prazo bem abaixo da curva ascendente do crescimento dos preços, os obrigacionistas vão sofrer. Em resultado disso, as "yields" das obrigações norte-americanas a dez anos podem subir de 2,5% para 3,5% ou mais durante este ano – e em última análise para um valor bem mais elevado.

 

Por outro lado, na Europa e no Japão, as condições monetárias vão continuar flexíveis, na medida em que os bancos centrais vão continuar a apoiar o crescimento económico com taxas de juro zero e com o quantitative easing (QE). E esta divergência de políticas sugere um segundo choque potencial para o qual os mercados financeiros não parecem estar preparados.

 

O dólar norte-americano pode valorizar muito mais, em especial contra moedas dos países emergentes, apesar de Trump ter assinalado o seu desejo de impulsionar as exportações norte-americanas. O catalisador para esta valorização da taxa de câmbio não seria apenas taxas de juro mais elevadas nos EUA, mas também um aperto nos mercados emergentes, onde as dívidas externas aumentaram em três biliões de dólares desde 2010. A junção da valorização do dólar e endividamento externo excessivo causaram crises de dívida na América Latina e na Ásia na década de 1980 e de 1990. Desta vez, o proteccionismo de Trump pode tornar as coisas piores, em especial para países como o México e a Turquia, que baseiam as suas estratégias de desenvolvimento na rápida expansão das exportações e financiaram as actividades empresariais domésticas através de dívida em dólares.

 

Chega de más notícias. Felizmente, um terceiro grande desenvolvimento que não foi ainda incorporado pelos mercados financeiros pode ser mais favorável para as condições económicas mundiais: a União Europeia – um mercado ainda mais importante do que os Estados Unidos para quase todos os países com comércio, excepto o México e o Canadá – pode ter um desempenho muito melhor do que o esperado em 2017.

 

Os indicadores económicos começaram a melhorar rapidamente na maioria dos países da UE no início de 2015, quando o Banco Central Europeu (BCE) travou a fragmentação da Zona Euro ao lançar um programa de compra de obrigações ainda maior do que o QE da Fed. Mas esta recuperação económica foi esmagada no ano passado devido aos receios de desintegração política. Com a Holanda, França, Alemanha e Itália a enfrentarem insurreições populistas – e com os três primeiros a realizarem eleições este ano – com o Brexit e com Trump, estes choques provocaram naturalmente ansiedade que o próximo dominó a cair seria num destes países fundadores da União Europeia, seguido talvez por toda a UE.

 

Estas expectativas criaram a possibilidade de uma maior surpresa em 2017: em vez da desintegração, a UE estabiliza, facilitando uma recuperação económica e um período de forte desempenho económico semelhante ao norte-americano "período Goldilocks", de 2010 a 2014, quando a economia recuperou a um ritmo que não foi nem demasiado quente nem demasiado frio. O evento fundamental vão ser as eleições presidenciais francesas, que muito provavelmente vão ser decididas na segunda volta, a 7 de Maio. Se François Fillon ou Emmanuel Macron vencerem, a França vai embarcar num processo de reformas económicas comparável ao que a Alemanha fez em 2003, realizado pelo então chanceler Gerhard Schroeder.

 

Mesmo uma amostra suave de tais reformas iria encorajar uma flexibilização da austeridade exigida pelo novo governo alemão, que vai sair das eleições gerais que se vão realizar a 24 de Setembro. Uma relação franco-alemã mais cooperante e construtiva irá, por sua vez, desgastar o apoio ao populista Movimento Cinco Estrelas, em Itália.

 

O risco deste cenário benigno é, claro, que Marine Le Pen ganhe em França. Nesse caso, uma dissolução da UE vai tornar-se uma perspectiva mais realista, gerando pânico nos mercados financeiros e nas economias. Todas as sondagens e análises sérias da política francesa indicam que uma presidente Le Pen é uma fantasia impossível. Mas não era isso que todas as sondagens e análises sérias da política norte-americana indicavam no ano passado sobre um presidente Trump?

 

Anatole Kaletsky é economista-chefe e co-chairman da Gavekal Dragonomics e o autor de Capitalism 4.0, The Birth of a New Economy.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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