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25 de Dezembro de 2013 às 23:30

Simpatia pelos migrantes

O destino trágico das centenas de africanos que se afogaram perto da ilha italiana de Lampedusa, em Outubro, fez manchetes em todo o mundo, o que deu origem a um raro momento de compaixão e reflexão sobre os perigos que muitos migrantes enfrentam. Mas o único aspecto excepcional deste desastre foi a magnitude do número de mortos. Para os habitantes de Lampedusa, naufrágios com refugiados e migrantes são algo comum: uma semana mais tarde, um barco com refugiados sírios e palestinianos afundou-se junto à costa da ilha, matando mais de 30 pessoas.

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Em 2013 ficou evidente, como se isso ainda fosse necessário, que estas catástrofes não são exclusivas das costas europeias ou do Mar Mediterrâneo. Em Novembro, perto de 30 haitianos faleceram quando o seu barco ficou preso em águas pouco profundas a caminho dos Estados Unidos – o terceiro caso a norte das Caraíbas desde Outubro. Ao longo da fronteira Estados Unidos-México, o lançamento de medidas sofisticadas de controlo fronteiriço força as pessoas a passar fome enquanto tentam atravessar as partes mais remotas do deserto. Na região Ásia-Pacífico, centenas de migrantes e refugiados afogaram-se este ano na Baía de Bengala, ou na tentativa de chegar à Austrália.

Os estados e as regiões ricas enfrentam o problema de conceber controlos fronteiriços que contemplem não apenas as necessidades e exigências das suas próprias populações, mas também a sua responsabilidade perante aqueles que querem entrar nos seus territórios. Nada disto é novo: desde que as fronteiras nacionais foram inventadas, as pessoas têm-nas atravessado, quer oficialmente, quer sem serem detectadas. Independentemente de o terem feito em busca de melhores oportunidades económicas ou para escapar à violência ou a desastres naturais, os países de destino têm reagido com um misto de boas-vindas e cautela.

Os Estados que fecham as suas fronteiras encorajam pessoas desesperadas, exploradas por contrabandistas e traficantes cínicos, a correr enormes riscos para as cruzar. Tal como afirmou a Organização Internacional para a Migração, pouco depois da tragédia de Lampedusa, a implementação de controlos fronteiriços mais complexos "não teve um impacto suficiente nem diminuiu o número de chegadas ao Sul da Europa no longo prazo. Pelo contrário, os migrantes começaram a explorar rotas alternativas, quase sempre mais perigosas, com uma taxa frequente de mortes no mar".

Claro que nem todos os migrantes são refugiados ou precisam de protecção. Na verdade, os vários migrantes num mesmo barco têm motivos muito distintos – algo a que os decisores políticos chamam "migração mista". Porém, confrontados com um quadro complexo, os Estados têm lidado com o fluxo de migrantes que consideram indesejável dizendo "longe da vista, longe do coração". Isto é especialmente verdadeiro quando os sentimentos internos anti-imigração disparam, o que acontece habitualmente durante períodos de declínio económico como aquele que muitas regiões estão agora a atravessar.

Uma aposta inflexível no fecho das fronteiras – uma tendência particularmente preocupante na abordagem actual dos Estados ao controlo migratório – tende a olhar para os migrantes como transgressores antes mesmo de o seu estatuto poder ser determinado, os seus direitos garantidos ou as suas contribuições reconhecidas. Isso também pode desencorajar as pessoas a ajudar os mais vulneráveis: há relatos de barcos privados terem evitado barcos de migrantes em perigo, no mar Mediterrâneo, com medo de serem repreendidos pelas autoridades fronteiriças europeias.

Temos de reconhecer o desespero daqueles que tentam fazer estas viagens. Através de amigos ou da comunicação social, eles sabem o que os espera. Eles sabem os riscos que correm e ouviram as histórias de horror. Ao verem diminuir as suas hipóteses de entrar, os migrantes colocam-se à mercê de contrabandistas sem escrúpulos, muitas vezes a troco de somas enormes. São atirados para embarcações precárias que não aguentam a carga. Viajam de noite, quando nem a polícia nem as equipas de resgate os conseguem ver.

Igualmente importante, os governos devem ver a migração como uma dimensão profundamente agregadora da experiência humana. Através da migração, os seres humanos partilham uma compreensão da mágoa, da esperança e da compaixão. Esta compreensão inspirou alguns dos maiores feitos de solidariedade da comunidade internacional, como a Convenção de Refugiados de 1951, que define o direito de uma pessoa procurar um lugar seguro para lá da fronteira.

O aumento contínuo da morte de migrantes em trânsito coloca um enigma: enquanto estes migrantes são empurrados para redes de tráfico e contrabando, são cada vez mais arrastados para as "zonas cinzentas" da actuação da comunidade internacional. Por exemplo, as polícias de fronteira da União Europeia não têm regras claras para busca e salvamento a barcos de migrantes em perigo. Os Estados- -membros estão divididos sobre a forma de o abordar, e as discussões recentes em Bruxelas apenas começaram a fazer alguns progressos.

Enquanto começa 2014, o mundo precisa de ter linhas mais claras de responsabilidade para evitar mais tragédias. Como comunidade internacional, devemos aos migrantes e refugiados maior compaixão. De outra forma, vamos continuar a encontrar, cada vez mais, um cemitério nas nossas águas.

 

Kofi A. Annan foi secretário-geral das Nações Unidas e é, actualmente, presidente fundador da Fundação Kofi Annan e também preside à The Elders e à Africa Progress Panel

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org
Tradução: Bruno Simões

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