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26 de Dezembro de 2013 às 14:00

O que quer o Irão

Quando estava na campanha para a presidência do Irão, prometi equilibrar o realismo com a busca pelos ideais da República Islâmica – e ganhei o apoio dos eleitores iranianos por uma larga maioria.

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Em virtude do mandato popular que recebi, estou comprometido com a moderação e com o senso comum, que agora guiam todas as minhas políticas governamentais. Esse compromisso conduziu directamente ao acordo internacional provisório, alcançado em Novembro, em Genebra, sobre o programa nuclear iraniano. Este compromisso vai continuar a guiar as nossas tomadas de decisão em 2014.

De facto, em termos de política externa, o meu governo descarta abordagens extremas. Procuramos relações diplomáticas efectivas e construtivas e focamo-nos na construção da confiança mútua com os nossos vizinhos, e ou actores regionais e internacionais, permitindo assim que orientemos a nossa política externa na direcção do desenvolvimento económico doméstico. Com esta finalidade, vamos trabalhar para eliminar as tensões nas nossas relações externas e fortalecer as nossas ligações com os parceiros tradicionais e com novos parceiros. Isto, obviamente, exige a construção de consensos internos e a definição de metas transparentes – processos que estão agora em curso.

Enquanto evitamos a confrontação e o antagonismo, vamos também prosseguir activamente os nossos interesses mais alargados. Mas, devido a um mundo cada vez mais interligado e interdependente, os desafios só podem ser resolvidos através da interacção e da cooperação activa entre Estados. Nenhum país – incluindo as grandes potências – pode enfrentar sozinho os seus desafios.

De facto, "a recuperação do crescimento" das economias em desenvolvimento e emergentes sugere que o peso da sua economia agregada está próximo de superar a do mundo desenvolvido. Os países em desenvolvimento e emergentes deverão representar, em 2030, cerca de 60% do produto interno bruto (PIB) mundial, um valor mais elevado do que os cerca de 40% registados em 2000, permitindo-lhes assim desempenhar um papel mais relevante no palco mundial.

Nesse período de transição, o Irão poderá aumentar o seu papel mundial. A eleição deste ano, na qual quase 75% dos eleitores elegíveis votaram, mostra como a nossa democracia religiosa está a amadurecer. A cultura e civilização ancestral do Irão, a longa continuidade do Estado, a posição geopolítica, a estabilidade social (apesara dos tumultos regionais) e uma juventude instruída, permite-nos olhar para o futuro com confiança e aspirar a assumir o papel relevante, ao nível mundial, que a nossa população merece – um papel que nenhum actor na política mundial pode ignorar.

Estamos também a ponderar a forma de construir e melhorar as nossas relações bilaterais e multilaterais com os países da Europa e da América do Norte com base no respeito mútuo. Isto exige um alívio das tensões e a implementação de uma abordagem ampla que inclua ligações económicas.

Podemos começar por evitar qualquer tensão nas relações entre o Irão e os Estados Unidos e, ao mesmo tempo, empenharmo-nos em eliminar as tensões herdadas que continuam a estragar as relações entre os nossos países. Embora possamos não ser capazes de esquecer as desconfianças e as suspeitas que perseguiram o pensamento dos iranianos sobre os Estados Unidos nos últimos 60 anos, agora temos de focar-nos no presente e olhar para o futuro. Isto significa ultrapassar politiquices e estar na dianteira, em vez de seguir, grupos de pressão nos nossos respectivos países.

Na nossa visão, cooperar em assuntos que nos interessam e que nos preocupam contribuiria para aliviar as tensões na nossa região. Isto significa contrariar aqueles que, nos Estados Unidos e na nossa região, procuram desviar as atenções internacionais de assuntos nos quais estamos directamente envolvidos e evitar que o Irão melhore o seu estatuto regional. Diminuindo as perspectivas de um acordo permanente sobre o nosso programa nuclear, esse comportamento aumentaria a probabilidade de manter o impasse entre os Estados Unidos e o Irão.

A nossa região está a debater mais do que nunca o sectarismo, as inimizades e os potenciais terrenos férteis para o extremismo e para o terrorismo. Ao mesmo tempo, a utilização recente de armas químicas pela Síria pode perseguir a população desta região durante anos. Acreditamos que, nestas circunstâncias, uma voz de moderação na região pode influenciar o curso dos acontecimentos de uma forma construtiva e positiva.

Não há dúvida que, tumultos em países próximos, afectam os interesses de muitos actores regionais e mundiais, que têm de agir em conjunto para assegurar uma estabilidade a longo prazo. O Irão, como grande potência regional, está totalmente preparado para mover-se nessa direcção, não poupando esforços para encontrar soluções. Por isso, aqueles que retratam o Irão como uma ameaça, procurando assim enfraquecer a sua credibilidade regional e mundial, devem parar – no interesse da paz e da tranquilidade na região e para além dela.

Estou profundamente abalado com a tragédia humanitária na Síria e com o enorme sofrimento que a população síria tem sofrido durante quase três anos. Representando uma população que já vivenciou o horror das armas químicas, o meu governo condena firmemente a sua utilização no conflito sírio. Estou também preocupado com o facto de que partes do território sírio se tenham tornado terrenos férteis para ideologias extremistas e pontos de encontro para terroristas, o que lembra a situação na nossa fronteira oriental na década de 90. Esta é uma questão que levanta também preocupações em muitos outros países e encontrar uma solução política duradoura para a Síria exige cooperação e esforços conjuntos.

Estamos satisfeitos que, em 2013, a diplomacia tenha prevalecido sobre as ameaças militares de intervenção na Síria. Devemos aproveitar estes progressos e entender que a Síria precisa desesperadamente de esforços coordenados, quer ao nível regional quer ao nível internacional. Estamos prontos para contribuir para a paz e estabilidade na Síria no decurso de negociações sérias ao nível regional e extra regional. Também, neste caso, temos de evitar que as negociações se tornem num jogo vazio.

Isto não é menos verdade para o programa de energia nuclear pacífico do Irão, que tem vindo a ser sujeito a mentiras enormes nas últimas décadas. Desde o início da década de 90, todas as previsões sobre o quão perto estava o país de conseguir uma bomba nuclear, provaram não ter fundamento. Durante todo este período, os alarmistas tentaram pintar o Irão como uma ameaça para o Médio Oriente e para o resto do mundo.

Todos nós sabemos quem é o principal agitador e que objectivos tinha ao exagerar esta questão. Sabemos também que estas alegações variam consoante a proporção da pressão internacional para pararem com a construção de colonatos e para terminarem com a ocupação do território palestiniano. Estes falsos alarmes continuam, apesar dos serviços de inteligência dos Estados Unidos estimarem, de acordo com as mesmas, que o Irão não decidiu construir uma arma nuclear.

De facto, estamos comprometidos em não trabalhar no sentido de desenvolver ou produzir uma bomba nuclear. Como foi enunciado numa "fatwa" emitida pelo Líder Supremo, o Ayatollah Ali Khamenei, acreditamos profundamente que desenvolver, produzir, armazenar e utilizar armas nucleares vai contra as normas do Islão. Nós nunca contemplámos a opção de adquirir armas nucleares, porque acreditamos que tais armas podem enfraquecer os nossos interesses de segurança nacional. E como resultado disso, este armamento não tem lugar na doutrina de segurança do Irão. Mesmo a percepção de que o Irão pode desenvolver armas nucleares é prejudicial para a nossa segurança e para os nossos interesses nacionais.

Durante a minha campanha presidencial, comprometi-me a fazer tudo o que estivesse ao meu alcance para resolver rapidamente o impasse sobre o nosso programa de energia nuclear. Para cumprir este compromisso e beneficiar de uma janela de oportunidade que as últimas eleições abriram, o meu governo está preparado para não deixar pedra sobre pedra na busca por uma solução permanente que seja aceite por todos. Na sequência do acordo provisório alcançado em Novembro, estamos preparados para continuar a trabalhar como os P5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas mais a Alemanha), e com outros países, com vista a assegurar a total transparência do nosso programa nuclear.

A capacidade nuclear pacífica que alcançámos vai ser utilizada dentro de uma estrutura reconhecida internacionalmente de salvaguarda e vai estar acessível para uma monitorização multilateral por parte da Agência Internacional de Energia Atómica, tal como já aconteceu nos últimos anos. Desta forma, a comunidade internacional pode ficar segura de que a natureza do nosso programa nuclear é exclusivamente pacífica. Nunca nos vamos abster do nosso direito de beneficiar da energia nuclear, mas estamos prontos a trabalhar para acabar com qualquer ambiguidade e responder a qualquer questão razoável sobre o nosso programa.

A continuação da pressão, a tentativa de forçar e intimidar e a adopção de medidas cujo o objectivo é cortarem o acesso dos iranianos a um vasto conjunto de necessidades – desde a tecnologia a medicamentos e alimentos – pode apenas envenenar o ambiente e enfraquecer as condições necessárias para o progresso.

Como demonstramos em 2013, o Irão está totalmente preparado para se empenhar seriamente com a comunidade internacional e negociar de boa-fé com os nossos interlocutores. Esperamos que os nossos parceiros estejam também preparados para tirar proveito desta janela de oportunidade.

 

Hassan Rouhani é Presidente da República Islâmica do Irão


Direitos de Autor: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro

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