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10 de Fevereiro de 2016 às 20:30

Não deixar nenhum refugiado para trás

A comunidade internacional não pode dar-se ao luxo de continuar a ignorar tamanho potencial ou ficar sentada enquanto os mais vulneráveis são empurrados para as margens da sociedade.

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O mundo entrou numa era em que as pessoas estão a ser deslocalizadas a uma taxa sem precedentes. Em 2014, conflitos e perseguições forçaram 42.500 pessoas por dia a abandonarem as suas casas, perto de quatro vezes o número de 2010. Quase 60 milhões de pessoas foram deslocadas forçadamente – uma crise sem igual desde a Segunda Guerra Mundial.

 

Isto é inaceitável, mas não é inevitável. Em 1945, o mundo respondeu ao mais mortal conflito da história humana criando as Nações Unidas. Hoje, enquanto líderes das agências das Nações Unidas para os refugiados e desenvolvimento, pedimos ao mundo uma resposta a esta monumental agitação, dando às pessoas as ferramentas que elas necessitam para reconstruir as suas vidas. Nós acreditamos que o caminho em frente começa com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável 2030, que as Nações Unidas, afirmando o compromisso de "não deixar ninguém para trás" na luta contra a pobreza e a desigualdade, adoptaram unanimemente em Setembro último.

 

A actual abordagem da comunidade internacional ao problema do deslocamento assenta, essencialmente, na ajuda humanitária, que garante uma rápida ajuda para salvar vidas enquanto prossegue a busca por uma solução permanente. Mas as soluções mostram-se cada vez mais elusivas. Apenas 1% dos refugiados conseguiram regressar a casa em 2014. A grande maioria dos deslocalizados não passa dias ou meses no exílio, mas sim anos ou décadas, ou mesmo vidas inteiras. Correndo o risco de serem deixados ficar para trás.

 

Consideremos a Somaya, uma refugiada de terceira geração no Quénia. Há décadas, a sua avó fugiu para o campo de refugiados de Hagadera para escapar ao brutal conflito na Somália. A sua mãe nasceu lá, tal como ela. Nenhuma delas colocou os pés fora do campo de 13 km quadrados. Elas continuam a viver das malas da avó, à espera de uma oportunidade para seguir em frente.

 

Como a Somaya, muitos refugiados vivem no mundo em desenvolvimento. E mesmo assim, demasiadas vezes, organizações desenvolvimentistas, que poderiam dar uma ajuda aos refugiados, debatem-se com financiamento insuficiente e regulamentos rígidos que as impedem de responder às necessidades dos refugiados.

 

A deslocalização de longo prazo inflige pesados fardos a pessoas como a Somaya. Demasiadas vezes, os refugiados enfrentam limitações às suas capacidades para trabalhar e moverem-se livremente, tornando impossível suprir as necessidades das suas famílias ou contribuir para as suas comunidades de acolhimento. Vivem num limbo, sem alternativa que não a de dependerem de ajuda humanitária. Ou são forçados a procurarem viver da economia informal, arriscando ser alvo de prisão, exploração sexual, trabalho infantil ou outros abusos.

 

Consideremos outro exemplo: Anas, uma criança síria de 13 anos num campo de refugiados no Líbano. A sua família não consegue sobreviver sem os 5 dólares que ele ganha todos os dias. Portanto, em vez de ir para a escola, ele junta pedaços de carvão para vender como combustível. Refugiados como o Anas debatem-se para exercerem direitos – à educação, cuidados médicos, liberdade de movimentos e acesso ao trabalho, terra e habitação – que são essenciais para escapar à pobreza.

 

Resolver estas situações exige mudanças políticas e económicas que permitam às comunidades em desenvolvimento fornecer mais apoios. A relação entre desenvolvimento e deslocados é clara, e precisamos começar a considerar estes desafios como áreas de responsabilidade conjunta.

 

Deslocalizados em larga escala pressionam os recursos públicos, mesmo nos países com salários médios; sem suficiente ajuda externa, pode desfazer anos de progresso. Até que o mundo dê mais e melhor apoio às comunidades de acolhimento dos refugiados que lá vivem, podemos esperar vir a pagar somas ainda maiores em programas de ajuda humanitária sem fim.

 

Mas há ainda outro lado desta moeda. Quando é permitido às pessoas deslocalizadas desenvolverem as suas capacidades e perseguir as suas aspirações, elas criam novas oportunidades de crescimento. É por isso que as agências de desenvolvimento têm de ter maior flexibilidade para responder aos novos ciclos de pobreza e fragilidade – onde quer que apareçam – antes que fiquem fora de controlo.

 

Chegou a hora de descartar a imagem cliché dos refugiados enquanto beneficiários passivos de ajuda, ociosamente sentados com a mão estendida. De qualquer forma, essa imagem reflecte circunstâncias que foram impostas aos refugiados e depois amplificadas por uma resposta mundial insuficiente. Os refugiados são empreendedores. São professores, engenheiros e trabalhadores de todas as áreas. São uma rica fonte de capital humano que nós estamos a ser incapazes de cultivar.

 

A comunidade internacional não pode dar-se ao luxo de continuar a ignorar tamanho potencial ou ficar sentada enquanto os mais vulneráveis são empurrados para as margens da sociedade. Assim como as manchetes noticiosas chamam a atenção para o custo humano destas tragédias, nós temos de recordar-nos que temos a possibilidade de escolher responder com mais do que apenas comoção.

 

Podemos rejeitar a exclusão económica daqueles que vivem entre nós mas que nasceram noutro qualquer lugar. Podemos redobrar os nossos esforços para encontrar soluções políticas para os conflitos e perseguições. Podemos empoderar os parceiros humanitários e de desenvolvimento de forma a trabalhar em conjunto a partir do momento em que a crise irrompe. Resumidamente, nós podemos honrar o nosso compromisso de "não deixar ninguém para trás".

 

Helen Clark, administradora do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, é ex-primeira-ministra da Nova Zelândia. Filippo Grandi é Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org

Tradução: David Santiago

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