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13 de Outubro de 2016 às 20:00

Globalização para todos

As informações tecnológicas democratizaram muitos elementos das nossas vidas. Ao democratizar as leis talvez possamos salvar a globalização e a ordem internacional.

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Actualmente, os opositores da globalização parecem estar cada vez mais a abafar os seus defensores. Se conseguirem levar a sua avante, a ordem internacional do pós Segunda Guerra Mundial – que tem como objectivo promover a paz e a prosperidade através da troca e ligação – pode muito bem colapsar. Pode a globalização ser salva?

 

À primeira vista, a perspectiva parece sinistra. Cada aspecto da globalização – comércio livre, livre circulação de capitais e migração internacional – está sob ataque. A liderar este ataque estão forças antagónicas – desde os partidos políticos populistas aos grupos separatistas e organizações terroristas – cujas acções tendem a focar-se mais naquilo a que se opõem do que naquilo que apoiam.

 

Na Rússia e na Ásia, os grupos anti-ocidentais estão na vanguarda da campanha contra a globalização. Na Europa, os partidos populistas têm tendência para enfatizar a sua aversão à integração europeia, com aqueles que são da ala mais à direita frequentemente a condenarem a imigração, enquanto os da ala esquerda denunciam o crescimento das desigualdades económicas. Na América Latina, o inimigo parece ser a interferência estrangeira de qualquer género. Em África, os separatistas tribais estão contra qualquer pessoa que se oponha à independência. E no Médio Oriente, o Estado Islâmico (ISIS) rejeita virulentamente a modernidade – e tem como alvo as sociedades que a adoptam.

 

Apesar das suas diferenças, estes grupos têm uma coisa em comum: uma hostilidade profunda em relação às estruturas internacionais e à sua interligação (claro que um grupo de assassinos como o ISIS está numa categoria diferente dos, digamos, populistas europeus). Eles não se preocupam com o facto de a ordem internacional que querem destruir ter permitido o rápido crescimento económico no pós-1945, que tirou da pobreza milhares de milhões de cidadãos dos países em desenvolvimento. Tudo o que vêem são as grandes e inflexíveis instituições e desigualdades intoleráveis em termos de riqueza e rendimentos, e culpam a globalização.

 

Há alguma verdade nestes argumentos. O mundo é um lugar muito desigual e as desigualdades dentro das sociedades ampliaram-se consideravelmente nas últimas décadas. Mas isto não é por causa do comércio internacional ou da livre circulação de pessoas; afinal, o comércio transfronteiriço e a migração têm vindo a acontecer há milhares de anos.

 

Os movimentos anti-globalização propuseram uma solução – fechar as fronteiras nacionais ao comércio, pessoas e algo mais – mas faz pouco sentido. De facto, tal abordagem iria prejudicar virtualmente toda a gente, e não apenas as elites ricas que mais beneficiam dos mercados globalizados.

 

Então o que é que está a influenciar a desigualdade? Para a responder a essa questão, temos de considerar o que a globalização está gerar para os ricos.

 

Um aspecto central da globalização é o registo cuidadoso das ferramentas do conhecimento e das ferramentas legais necessárias para integrar os direitos de propriedade de bens e serviços que são, aparentemente, inúteis (partes electrónicas, direitos legais de produção e por aí em diante) em conjuntos complexos (um iPhone) e nas mais-valias apropriadas que geram. Os grandes registos, claros e acessíveis, descrevem não apenas quem controla o quê e quando, mas também determinam potenciais combinações de governação – de, digamos, componentes, produtores, empreendedores e direitos de propriedade e legais – que são vitais para que o sistema funcione.

 

O problema é que cinco mil milhões de pessoas por todo o mundo não estão documentadas nos principais registos nacionais. Em vez disso, os seus talentos empreendedores e direitos legais sobre activos estão registados em centenas de registos dispersos nos seus países, o que faz com que eles não estejam acessíveis a nível internacional.

 

Nestas circunstâncias é impossível para a maioria da humanidade participar efectivamente nas suas economias e muito menos na economia mundial. Sem qualquer meio para participar no processo de produção de combinações de elevado valor acrescentado, as pessoas não têm a possibilidade de aproveitar algum do excesso de valor criado.

 

Assim, é a falta de consolidação e de conhecimentos documentados – não o livre comércio – que está a impulsionar as desigualdades a nível mundial. Abordar este problema não vai ser fácil. Para determinar apenas quantas pessoas ficaram de fora, a minha organização, o Instituto para a Liberdade e Democracia, precisou de duas décadas de trabalho de campo, realizado por mais de mil investigadores em cerca de 20 países.

 

O problema principal são os atrasos legais. Os advogados e as elites corporativas que desenham e aprovam as leis, e as regulações que governam a globalização, não estão ligados àqueles que supostamente implementam as políticas ao nível local. Por outras palavras, na cadeia legal faltam algumas ligações fundamentais.

 

A experiência no Japão, nos Estados Unidos e na Europa mostra que uma abordagem legal directa para garantir direitos e oportunidades iguais pode demorar um século ou mais. Mas há uma maneira mais rápida: tratar das ligações em falta não como uma quebra na cadeia legal mas numa óptica de uma cadeia de conhecimento.

 

Nós no Instituto para a Liberdade e Democracia sabemos um pouco sobre cadeias de conhecimento. Tivemos durante 15 anos a acrescentar milhões de pessoas no sistema legal mundial, graças ao conhecimento e informação retirada de registos marginais e incorporada no direito comum – tudo sem a ajuda de computadores. Mas já não temos décadas para gastar neste processo. Precisamos de trazer milhares de milhões de pessoas e rapidamente. Isso vai exigir automação.

 

No ano passado, o Instituto para a Liberdade e Democracia começou, com o apoio de empresas de Sillicon Valley em regime pro bono, a determinar se a informação tecnológica, especificamente o blockchain (registos online descentralizados, transparentes e seguros que sustentam a Bitcoin), pode permitir que uma percentagem maior da população mundial entre na globalização. E a resposta é sim.

 

Ao traduzir a linguagem da cadeia legal em linguagem digital – um feito que exige que desenvolvamos um conjunto de 21 tipologias – temos de criar um sistema que possa localizar e capturar qualquer registo do mundo e torná-lo público. Além disso, temos de ser capazes de reduzir em 34 indicadores binários as questões que os computadores têm de colocar aos registos que foram capturados para determinar que provisões devem ser inseridas nos contractos inteligentes de blockchain entre as empresas mundiais e os colectivos que não são globais.

 

As informações tecnológicas democratizaram muitos elementos das nossas vidas. Ao democratizar as leis talvez possamos salvar a globalização e a ordem internacional.

 

Hernando de Soto é Presidente do Instituto para a Liberdade e Democracia e autor do livro The Mystery of Capital.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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