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22 de Setembro de 2015 às 20:00

Francisco da floresta

Quando o Papa Francisco visitou a América Latina em Julho, fez um apelo emotivo à protecção da floresta da Amazónia e aos povos que lá vivem. "A nossa casa está a ser saqueada, devastada e ferida com impunidade," disse num encontro Mundial dos Movimentos Populares, na Bolívia. "Laxismo na sua defesa é um grande pecado."

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Atender ao apelo de tomada de medidas do Papa Francisco não é apenas um imperativo moral, é de natureza prática. Quando os líderes mundiais se encontrarem no final deste ano em Paris na Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, para elaborar uma resposta ao desafio do aquecimento global, deverão implementar políticas para proteger a floresta tropical e as pessoas que fazem dela a sua casa.

Francisco não é seguramente o primeiro missionário a visitar a Amazónia. Missionários Franciscanos, Jesuítas e Dominicanos difundem a palavra do evangelho na região desde há séculos. O que torna diferente o apelo de Francisco é que as suas palavras não foram tanto dirigidas à população local mas aos habitantes da América do Norte e da Europa, onde a procura por madeira exótica, biocombustíveis e produtos agrícolas é responsável pela destruição da floresta tropical e põe em perigo a vida das populações indígenas.

As comunidades na Amazónia sofreram terrivelmente com os incentivos económicos para reafectação dos solos à custa das florestas tropicais. No mundo inteiro, povos indígenas são ameaçados, assassinados e expulsos das suas terras. Dos 116 activistas ambientais mortos em 2014, 40% eram líderes indígenas. Por exemplo, em Setembro de 2014, Edwin Chota e outros três líderes da comunidade Asháninka no Perú, foram brutalmente assassinados, muito provavelmente por madeireiros ilegais. Dois meses depois, José Isidro Tendetza Antún líder do povo Shuar no Equador, foi torturado e morto quando se dirigia para uma manifestação de protesto contra um projecto mineiro que ameaça a pátria do seu povo.

Para além de ser uma afronta aos direitos humanos, a desflorestação e o progressivo assalto às culturas indígenas é uma séria ameaça à luta contra alterações climáticas. A correlação entre a perda de cobertura florestal e o aquecimento global está bem documentada. As emissões de carbono provenientes da desflorestação e dos incêndios representam cerca de 10% das emissões globais.

Entretanto, os povos da floresta tropical já demonstraram, que por dela depender a sua subsistência, muitas vezes são os seus melhores guardiões. A floresta onde povos indígenas habitam, mantém, com frequência, melhores níveis de carbono do que muitas áreas mantidas por outros proprietários, públicos ou privados. Com efeito, reservas indígenas brasileiras na Amazónia tiveram um papel fundamental na diminuição dos níveis de desflorestação – a um preço altíssimo. Nos últimos 12 anos, morreram mais activistas e líderes indígenas brasileiros do que em qualquer outro país.

Durante os trabalhos em Paris ainda este ano, espera-se que os países apresentem planos a nível nacional – conhecidos como Contributos Determinados Pretendidos a nível Nacional, ou sigla em inglês INDCs (Intended Nationally Determined Contributions), – em que se definem os passos que poderão levar à redução das emissões de carbono. Se o apelo de Francisco for respeitado, esses passos devem incluir compromissos para ajudar os povos indígenas a garantir o seu direito à terra e conferir-lhes poderes que lhes permitam protegerem a sua floresta contra a destruição.

Até agora, apenas um pouco mais de um quarto dos países do mundo inteiro, submeteram propostas preliminares INDC para análise. Infelizmente, poucos países que têm floresta tropical, submeteram as suas propostas, e nem um único dos que partilham as fronteiras com a Amazónia o fez.

O México, em contrapartida, está a dar um bom exemplo. O governo utilizou o pretexto dos relatórios INDC, para definir metas ambiciosas, incluindo compromissos de desflorestação zero até 2030 e recuperação de ecossistemas florestais nas bacias hidrográficas do país. E no entanto, apesar de o México ter direitos de propriedade relativamente avançados para os povos indígenas e comunidades locais, esses direitos têm ainda de ser integrados com outros regulamentos, colocando assim entraves ao desenvolvimento económico.

Os países industrializados, como os Estados Unidos e os membros da União Europeia, detêm uma responsabilidade especial para fornecer soluções para o problema da desflorestação. As comunidades indígenas que vivem na floresta têm de receber assistência para a manutenção dos seus recursos e assegurarem o seu modo de vida. O Fundo Verde para o Clima - Green Climate Fund - estabelecido pelas Nações Unidas para ajudar países em desenvolvimento a reduzirem as emissões de carbono e adaptarem-se às alterações climáticas, deve incluir disposições específicas para os povos indígenas, à semelhança do Mecanismo de Subvenções Dedicadas - Dedicated Grant Mechanism, DGM - do Fundo de Investimento Climático. (http://www.climateinvestmentfunds.org/cif/DGM/).

 

As próximas visitas do Papa Francisco incluem Washington DC e Paris, onde se espera que continue a defesa em favor do ambiente. Cabe agora aos nossos líderes atender ao seu apelo e converter as suas preces em medidas políticas.

Bruce Babbitt, antigo secretário norte-americano do Interior e antigo Governador do Arizona, é membro do conselho de administração da Associação de Conservação da Amazónia. 

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org

Tradução: Rosa Castelo

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