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Clemens Fuest 22 de Maio de 2016 às 20:30

Como é que a Alemanha vê o "Brexit"

Para a Alemanha, maior economia europeia, as consequências do Brexit poderiam ser graves. A opinião pública do país está dividida sobre o assunto. Alguns temem que a UE possa tornar-se menos liberal se o Reino Unido sair.

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Em 23 de Junho os eleitores do Reino Unido vão decidir se o seu país vai abandonar a União Europeia (UE). Eles vão apenas votar, mas o impacto político e económico do voto pela saída ("Brexit") será sentido em toda a UE, ou mesmo em todo o mundo.

 

Para a Alemanha, maior economia europeia, as consequências do "Brexit" poderiam ser graves. A opinião pública do país está dividida sobre o assunto. Alguns temem que a UE possa tornar-se menos liberal se o Reino Unido sair. Outros, ressentidos com a presunção britânica de que deve haver uma pertença à UE à la carte, estão desejosos de ver os britânicos partir. No que concerne ao impacto económico do "Brexit", contudo, a Alemanha tem muito a perder e quase nada a ganhar.

 

Para começar, o "Brexit" iria mudar a forma como as empresas multinacionais tomam decisões sobre investimento. O Reino Unido enfrentaria um êxodo de companhias estrangeiras, com as empresas a procurarem manter presença na UE. Mas não existe nenhuma razão para acreditar que essas empresas iriam necessariamente mudar-se para a Alemanha; muitas multinacionais, por exemplo, prefeririam relocalizar-se para a Irlanda.

 

Ao mesmo tempo, a UE enquanto um todo – e a Alemanha em particular – tornar-se-ia menos atractiva para os investidores. O Reino Unido ficaria livre para facilitar regulamentos e baixar impostos de forma a atrair investimentos que a presença na UE torna desnecessários. Também isto poderia reduzir o investimento na Alemanha.

 

Em segundo lugar, enquanto alguns acreditam que o "Brexit" implicaria um aumento da importância de Frankfurt enquanto centro financeiro, tal resultado é altamente incerto. Londres é hoje o centro financeiro dominante na Europa, isto apesar de o Reino Unido não pertencer à Zona Euro. O que sugere que a proximidade ao Banco Central Europeu (BCE) não é um factor importante no sucesso da indústria financeira.

 

Com certeza, a UE ficaria sob crescente pressão para recorrer a medidas regulatórias que afastassem empresas de Londres, mas se tal estratégia iria resultar é uma pergunta em aberto. Actualmente a Deutsche Börse e a London Stock Exchange já anunciaram que a planeada fusão vai seguir em frente, independentemente do resultado do referendo britânico.

 

Mesmo que a importância de Londres enquanto centro financeiro diminua, alguns dos negócios serão captados por centros externos à Europa, tais como Nova Iorque ou Hong Kong. E os negócios que migrem para a UE podem facilmente ser apanhados por rivais de Frankfurt, como Paris.

 

Em terceiro lugar, os exportadores alemães deverão sofrer. Em 2015, o excedente do comércio com o Reino Unido superou os 50 mil milhões de euros, com as exportações germânicas a totalizarem cerca de 89 mil milhões de euros, 3% do PIB alemão. Apenas França e os Estados Unidos compraram mais bens alemães. Qualquer perturbação do comércio bilateral seria sentida em todo o país.

 

A forma exacta como o comércio e os fluxos de capitais seriam afectados depende dos acordos de saída que seriam negociados entre a UE e o Reino Unido. Se o Reino Unido permanecesse, como a Noruega e a Islândia, parte do mercado interno europeu, os danos económicos seriam limitados. Desafortunadamente, porém, tal hipótese é improvável.

 

Os países externos à UE que têm acesso ao Mercado Único Europeu também têm de cumprir com a maior parte das regras europeias – precisamente a razão pela qual o Reino Unido quer abandonar a UE. Além do mais, alguns decisores europeus podem querer assegurar que um "Brexit" provoca o máximo de danos possível, para dissuadir outros de seguirem o exemplo britânico.

 

Ao declarar a sua intenção de abandono, o Reino Unido iria desencadear o que está previsto no Artigo 50.º do Tratado da UE, que estipula um prazo de dois anos para que seja alcançado um acordo de saída. Se nenhum acordo tiver sido firmado no final desse prazo, a filiação na UE simplesmente expira. Uma minoria de 35% no Conselho Europeu bastaria para bloquear um acordo que visasse minimizar os custos económicos do "Brexit".

 

Por último, o "Brexit" seria um severo revés para a integração europeia. Os países que continuassem como membros da UE poderiam chegar a acordo sobre políticas mais simples e comuns sobre segurança interna e externa e sobre política internacional; mas, para a Alemanha, isso tornaria ainda mais difícil defender o comércio livre e combater o proteccionismo.

 

Actualmente, a UE contém um bloco de países – o Reino Unido, a Irlanda, a Holanda, a República Checa, a Eslováquia, e os países escandinavos e bálticos – com visões favoráveis ao comércio livre e isso assegura cerca de 32% dos votos no Conselho Europeu. O que garante à Alemanha, com os seus 8% dos direitos de votos, um papel central nas negociações sobre políticas económicas. Juntamente com o bloco liberal, a Alemanha pode bloquear as decisões do Conselho, o que lhe permite explorar as diferenças entre o Reino Unido e a França e lhe atribui um papel-chave na construção de consensos.

 

Se o Reino Unido sair, a fatia dos votos liberais no Conselho cairia para pouco mais de 25%, alcançado em torno de 34% com a Alemanha – mesmo aquém da minoria de bloqueio. É claro que novas coligações podem sempre ser formadas, mas a influência política da Alemanha na UE iria seguramente diminuir.

 

De forma resumida, a Alemanha tem forte interesse na continuidade do Reino Unido como membro da UE. Os eleitores britânicos têm uma oportunidade de se pouparem a si próprios a uma turbulência económica, ao mesmo tempo que permitirão aos alemães – e a muitos outros por toda a Europa – suspirar de alívio.

 

Clemens Fuest é presidente do Instituto Ifo e professor de Economia da Universidade de Munique.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.

www.project-syndicate.org

Tradução: David Santiago

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