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10 de Abril de 2016 às 20:30

Assegurar o crescimento africano

O potencial do continente africano não pode ser subestimado. O continente está bem posicionado para desenvolver economias diversificadas baseadas em baixas emissões de carbono e infra-estruturas sustentáveis.

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O crescimento em África está em risco de vacilar. Após vários anos a crescer, em média, 5% ao ano, a crescente incerteza mundial, a queda dos preços das matérias-primas, e as condições externas tremidas estão a ameaçar comprometer décadas de tão necessários progressos. Assegurar a saúde e o bem-estar dos residentes no continente não será tarefa fácil; mas há muita coisa que os responsáveis políticos podem fazer para pôr África de volta numa trajectória ascendente.

Em primeiro lugar e acima de tudo, os responsáveis políticos devem garantir o financiamento necessário para prosseguir o desenvolvimento sustentável num ambiente global incerto. O Banco Mundial estima que África vai precisar pelo menos de 93 mil milhões de dólares por ano só para financiar as suas necessidades de infra-estrutura. Infra-estruturas sustentáveis e amigas do ambiente aumentariam ainda mais os custos. E contudo, à medida que o crescimento global se mantém fraco, os africanos não podem contar que os países desenvolvidos honrem plenamente os seus compromissos a fim de ajudar a atingir as metas de desenvolvimento sustentável.

O continente africano tem de rapidamente desenvolver os seus próprios recursos, começando por duplicar a receita fiscal. Em toda a África Subsariana, as receitas fiscais representarem menos de um quinto do PIB, em comparação com mais de um terço nos países da OCDE. Isto significa que há imenso espaço para melhorar. De 1994 a 2004, por exemplo, o Gana reformou o seu sistema fiscal e aumentou a receita de 11% para 22% do PIB. Reconhecidamente, progressos neste domínio são difíceis; na Nigéria, identificámos uma oportunidade de aumentar as receitas fiscais não petrolíferas, mas debatemo-nos para a aproveitar.


Uma outra fonte de recursos domésticos são os cerca de 380 mil milhões de dólares em fundos de pensões detidos por apenas dez países africanos. Os responsáveis políticos deviam potenciar estes consideráveis montantes.

Ao mesmo tempo, os países africanos terão de encontrar uma maneira de diversificar as suas economias. Diversificação exige investimento no futuro, sob a forma de educação e infra-estruturas desenvolvidas, incluindo telecomunicações, energia, estradas, caminhos-de-ferro e água potável.

Há inúmeros modelos a seguir: Dubai, Singapura, Tailândia, Malásia, México, Indonésia, e Coreia do Sul são tudo exemplos apreciados como economias que conseguiram transformar-se. O Dubai por exemplo, estabeleceu há mais de três décadas preparar-se para um futuro sem petróleo. O governo implementou passo a passo uma transformação do país numa economia de serviços, criando infra-estruturas e os incentivos necessários para desenvolver serviços financeiros, turismo, serviços de saúde, imobiliário, media, cultura e arte. A Coreia do Sul e Singapura, são os casos que têm menos recursos naturais, e não são menos inspiradores.

O segredo por trás do sucesso destes países é ter líderes concentrados e incansáveis, sejam eles de 'ditaduras benignas' ou democraticamente eleitos, com uma visão comum de uma economia diversificada. A África subsariana tem caminhos para diversificar o crescimento que muitos dos pioneiros não tiveram: agricultura de valor acrescentado e agro-indústria, transformação de recursos minerais, complexos petroquímicos, produção e consumo de bens duradouros, turismo e entretenimento, e um emergente sector de tecnologias da informação.


À medida que são implementadas as medidas para a diversificação, os decisores políticos devem garantir que o crescimento económico que está a ser levado a cabo está a criar postos de trabalho. Infelizmente esse nem sempre foi o caso. Muito do crescimento económico só beneficiou alguns, deixando muitos para trás – sobretudo jovens e mulheres. De 2006 a 2013, a desigualdade aumentou nas mais importantes economias do continente africano, incluindo África do Sul, Nigéria, Gana, Tanzânia e Ruanda.

Estes são os desafios que começámos a abordar na Nigéria quando fui ministro das finanças. Sabíamos que era necessário não só garantir crescimento, mas também melhorar a qualidade desse crescimento.

Para isso, os decisores políticos têm de assegurar que o crescimento é canalizado para os sectores que criam postos de trabalho, como a agricultura, a indústria e os serviços. Também têm de redistribuir rendimento e fortalecer redes de segurança social para proteger melhor aqueles que se encontram no fundo da escala social.

Adequar a mão-de-obra às oportunidades de emprego será crucial. Cerca de 70% da população do continente africano tem menos de trinta anos, e o continente é o lar de metade das crianças em idade de ensino pré-escolar e do básico que foram privadas da oportunidade de estudar. Proporcionar às crianças africanas competências básicas de leitura, escrita e tecnologia, assim como competências profissionais ou técnicas e formação empresarial deverão constituir a prioridade máxima.

Sistemas de saúde débeis devem ser reforçados de maneira a fazer face às patologias endémicas que minam a produtividade, como a malária, assim como a melhoria da prontidão para enfrentar surtos de epidemias mortais. A meta é elevada. O Banco Mundial estima que o surto do Ébola contraiu as economias da Serra Leoa, da Guiné e da Libéria em cerca de 16%.

À medida que a economia mundial abranda, os países africanos terão de desenvolver relações comerciais entre si. Em 2013, bens e serviços africanos representavam apenas 16% do comércio no continente, e apenas pouco mais de 3% do comércio mundial. Um dos problemas é que a maioria dos países africanos produz o mesmo tipo de mercadorias e comercializam-nas com um fraco valor acrescentado. Os decisores políticos devem encorajar a uma maior especialização; diferenciação de bens e serviços acrescentará valor e volume de negócio.

A logística representa também um obstáculo ao comércio intra-africano. Os responsáveis políticos devem facilitar a circulação de mercadorias através das fronteiras, melhorando conectividade entre países e reduzindo as barreiras burocráticas e os custos administrativos. Por exemplo, as tarifas para o transporte rodoviário em África estão estimadas em cerca de 0,05 a 0,13 dólares por tonelada/quilómetro, comparando com uma média de 0,01 a 0,05 dólares por tonelada/quilómetro para os países em desenvolvimento.

 

O projecto ferroviário do Vale do Rift, que eventualmente fará a ligação entre Mombasa na costa do Quénia e Kampala no Uganda, é um bom exemplo dos benefícios que este tipo de investimentos em transportes pode providenciar. O Banco Africano de Desenvolvimento estima que duplique o volume de comércio entre os dois países, enquanto reduz custos marginais em 30%.

Aquando da realização destes investimentos os decisores políticos não devem esquecer que muito do recente crescimento do continente africano pode ser creditado ao bom desempenho macroeconómico e uma gestão económica sólida. O crescimento do continente exigirá reforço dos seus fundamentos económicos.

Isto significa assegurar que os preços de bens na economia são correctos, começando pela taxa de câmbio. Alguns países podem precisar de temporariamente pôr cobro às nocivas saídas líquidas de capital, mas os decisores devem visar a um preço de mercado com base na taxa de câmbio e num plano sólido para o executivo lidar com inflação, dívida, reservas de divisas, contas correntes e os saldos orçamentais.

O potencial do continente africano não pode ser subestimado. O continente está bem posicionado para desenvolver economias diversificadas baseadas em baixas emissões de carbono e infra-estruturas sustentáveis. Mas os responsáveis políticos não podem simplesmente assumir que o crescimento continuará a subir. Têm de dar os passos certos para assegurar que esse crescimento aconteça.

Ngozi Okonjo-Iweala é ex-ministro das finanças da Nigéria, e ilustre investigador convidado do Center for Global Development.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org

Tradução: Rosa Castelo

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