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O escape errado do Japão

Os mercados financeiros foram surpreendidos pela decisão recente do Banco do Japão, que introduziu taxas de juro negativas em algumas das reservas dos bancos comerciais.

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Mas não deviam ter sido apanhados de surpresa. Claramente, o Banco do Japão tinha de assumir novas medidas para alcançar a meta da inflação, que é uma taxa de 2%. Mas nem taxas de juro negativas nem a introdução de mais medidas expansionistas no já grande programa de "quantitative easing" (QE) vão ser suficientes para ultrapassar as fortes forças deflacionárias que o Japão enfrenta actualmente.

 

Em 2013, o Banco do Japão previu que as operações de QE iriam levar a que a inflação atingisse 2% em dois anos. Mas, em 2015, a inflação base (excluindo itens voláteis como a alimentação) foi de apenas 0,5%. Com a queda dos gastos dos consumidores, bem como da média dos resultados, em Dezembro, a meta de 2% parece cada vez mais difícil de alcançar.

 

A inesperada gravidade da recessão da China é o último factor perturbador nas previsões do Banco do Japão. Mas este abrandamento é a consequência previsível (e prevista) das dinâmicas de dívida que têm raízes que remontam a 2008.

 

O crescimento do crédito privado em excesso nas economias avançadas antes de 2008 deixou muitas empresas e famílias com uma alavancagem excessiva e as suas tentativas para desalavancarem depois da crise financeira mundial irromperam e ameaçaram as exportações chinesas, o emprego e o crescimento. Para ofuscar este perigo, os líderes chineses desencadearam um enorme boom de investimento assente no crédito, elevando o rácio de dívida sobre o PIB de cerca de 130% para mais de 230%. E a taxa de investimento subiu de 41% para 47%. Isto, por sua vez, levou a um boom das matérias-primas mundiais e a uma forte procura pela importação de bens de capital de países como a Coreia do Sul, Japão e Alemanha.

 

Mas a consequência inevitável na China foi um desperdício de investimento na construção e um excesso enorme de capacidade nos sectores da indústria pesada tais como aço, cimento e vidro. Por isso, mesmo que a expansão do sector dos serviços suporte um forte crescimento do emprego (com 13,1 milhões de novos empregos urbanos criados em 2015), o sector industrial chinês está a meio de uma aterragem difícil.

 

De facto, os resultados de um inquérito oficial sugerem que a produção contraiu durante seis meses consecutivos. Isto, por sua vez, reduziu a procura por matérias-primas, levando países como a Rússia e o Brasil à recessão e constituindo-se como uma grande ameaça ao crescimento africano. Baixas importações industriais estão a ter um grande impacto também em muitas economias asiáticas. As exportações sul coreanas caíram 18% em Janeiro face ao mesmo mês do ano anterior e as exportações japonesas recuaram 8% em Dezembro de 2015.

 

Na Zona Euro, a inflação anual está nos 0,2% - ainda muito longe da meta do Banco Central Europeu (BCE) e as exportações germânicas para a China caíram 4%. Em resultado disto, no encontro de Março, o conselho de governadores do BCE pode considerar descer ainda mais as taxas de juro ou aumentar a dimensão do seu programa QE.

 

Mas é cada vez mais claro que taxas de juros ultra reduzidas, quer no curto quer no longo prazo, não estão a impulsionar a procura nominal. Nem isso devia surpreender-nos. A experiência japonesa desde 1990 ensina-nos que quando as empresas se sentem excessivamente alavancadas, levar as taxas de juro para terreno ainda mais negativo tem pouco impacto nas suas decisões de investimento. Cortar as "yields" nipónicas de 0,2% para 0,1% e as alemãs de 0,5% para 0,35% - movimentos registados há semanas – não fazem uma diferença significativa no que diz respeito às decisões de consumo e de investimento na economia real.

 

O anúncio do Banco do Japão de uma taxa de juro negativa certamente produziu uma desvalorização da moeda. Mas um iene mais baixo apenas ajuda as exportações japonesas se a China, a Zona Euro e a Coreia do Sul – todos a lutarem contra pressões deflacionárias – não coincidirem com o Japãp no corte das taxas de juro.

 

A nível mundial, a depreciação cambial é um jogo de soma nula – não podemos escapar ao excesso de dívida através de uma depreciação contra outros planetas. E se múltiplas moedas desvalorizarem contra o dólar norte-americano, o impacto que resulta disso na produção industrial norte-americana pode provocar um abrandamento da economia dos Estados Unidos o que prejudica a sua procura por importações e, por conseguinte, prejudicando as exportações mundiais. As previsões de crescimento da economia norte-americana têm vindo a ser revistas em baixa significativamente desde a subida das taxas de juro por parte da Reserva Federal dos Estados Unidos no passado mês de Dezembro.

 

Mercados bolsistas deprimidos e a queda da rentabilidade das obrigações ao nível mundial em Janeiro de 2016 ilustra a natureza mundial do problema que enfrentamos. A procura continua deprimida devido ao excesso de dívida acumulada antes de 2008. De facto, a dívida anterior a 2008 não desapareceu; simplesmente foi transferida entre sectores e países.

 

A dívida mundial total (pública e privada combinada) aumentou de cerca de 180% para mais de 210% do PIB mundial. Perante esta realidade, os mercados estão cada vez mais preocupados que os Governos e os bancos centrais fiquem sem munições para compensar a deflação mundial. Os mercados temem que os Executivos e que as autoridades monetárias fiquem apenas com ferramentas que simplesmente redistribuem a procura entre países.

 

Mas o facto é que os bancos centrais e os Governos em conjunto nunca ficaram sem munições para ultrapassar a deflação porque podem sempre financiar cortes nos impostos ou aumentar a despesa pública imprimindo dinheiro. E é precisamente isto que as autoridades japonesas deviam fazer agora: deixar de ter permanentemente tantos montantes de obrigações soberanas nipónicas e cancelar o planeado aumento dos impostos sobre as vendas o que, se for implementado em Abril de 2017, vai deprimir ainda mais o crescimento japonês e a inflação no país.

Tal política, e tal como defendi no artigo da 16ª Conferência Anual de Investigação do FMI, em Novembro, é tecnicamente possível sem dúvidas. E, ao contrário de algumas objecções, não envolve o compromisso de perpetuar as baixas taxas de juro. Em vez disso, é a única forma de o Japão escapar agora da armadilha da dívida tão profunda que apenas taxas de juro zero tornam sustentável.

 

Não há cenários credíveis nos quais a dívida soberana japonesa possa ser reembolsada no sentido normal da palavra. E também não há nenhum no qual a maioria da obrigações soberanas nipónicas, detidas pelo Banco do Japão, possa ser vendida ao sector privado. Quanto mais cedo essa realidade for admitida, mais rápido o Japão vai ter hipóteses de ir ao encontro das suas metas para a inflação e estimular a procura total em vez de procurar uma alternativa diferente à seguida por outros países. 

 

Adair Turner foi presidente da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido e membro do Comité de Política Financeira do Reino Unido. É chairman do Instituto para o Novo Pensamento Económico.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro

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