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Salários: Baixos, Desiguais... e Pesados no PIB

Um dos temas económicos que marcou o início de 2008 foi a diferença entre salários de administradores e restantes colaboradores das empresas. Primeiro foi o Presidente da República, questionando na sua mensagem de ano novo os salários dos “altos dirigente

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Dias depois, um estudo da empresa Mercer Consulting divulgava que, em média, os administradores portugueses ganham 32 vezes mais do que os trabalhadores das empresas que gerem. Já em Espanha essa discrepância é de 15 vezes, no Reino Unido de 14 vezes, e na Alemanha de 10 vezes, por exemplo.

Estes resultados são confirmados pelas estatísticas da Comissão Europeia, que mostram que Portugal é o país mais desigual da UE-27, com os 20% de portugueses mais ricos a terem um rendimento 8.2 vezes maior do que os 20% mais pobres. Nos países atrás tomados como exemplos, a Espanha e o Reino Unido andam a par (5.4 e 5.5 vezes, respectivamente) e só a Alemanha (4.1 vezes) está abaixo da média da União (em que os 20% mais ricos têm um rendimento 4.9 vezes superior aos 20% mais pobres).

Em termos de montante auferido, as posições já se invertem: os administradores britânicos levam para casa, em média, EUR 700 mil por ano – contra EUR 257 mil de portugueses e espanhóis, e EUR 170 mil dos alemães. Já o trabalhador médio alemão ganha anualmente EUR 31 mil contra cerca de EUR 23500 do espanhol e do britânico e EUR 16500 do português. Estes números são confirmados pelo Eurostat, que revela que os nossos salários se situam entre 63% (no caso do salário médio na indústria e nos serviços) e 73% (no caso do salário mínimo) da média da UE-27. Uma situação em linha com o nível de vida português que, de acordo com o PIB per capita corrigido pelas paridades do poder de compra, é de cerca de 72% da média da UE-27.

Mas esta é apenas uma parte da história. Sobre a outra parte, já em Agosto 2005 escrevi, tendo agora considerado oportuno revisitála. E qual é essa "outra parte" da história? Esta: o peso dos salários pagos no PIB é, em Portugal, de 71.5% – o terceiro valor mais elevado da UE-27 (atrás da Roménia e do Reino Unido) e que é: 10 e 11 pontos acima de Alemanha e Espanha, respectivamente; 6.5 pontos acima da média dos 27; e 12 pontos acima da média dos 12 países que em 2004 e 2006 aderiram à UE. Face a 2005, tudo se mantém em termos estruturais, tendo apenas sido alterada a posição relativa do nosso país – que era, então, primeiro, seguido de muito perto pelo Reino Unido e a Eslováquia (a Roménia ainda não pertencia à UE).

Nesta matéria, a situação de Portugal é, assim, paradoxal: ao mesmo tempo que os salários dos portugueses são baixos face aos europeus, o seu peso na riqueza nacional é maior do que na Europa! Qual a explicação para este fenómeno? Em meu entender, tal sucede porque o nosso país é trabalho-intensivo – e, em média, bem mais que na UE-27. Ora, se o factor trabalho é mais intensivamente utilizado no processo produtivo em Portugal, outros factores, como o capital, são-no menos. E, sendo baixa a qualificação dos nossos recursos humanos (o que, está cientificamente provado, leva a uma menor produtividade – como, aliás, é sabido que sucede em Portugal), podemos concluir que utilizamos mais intensivamente do que os outros países o factor produtivo em que somos menos eficazes! O resultado, sem poder recorrer a políticas monetária e cambial como no passado, só podia ser o empobrecimento relativo do país (face aos outros) que estamos a atravessar – e que, infelizmente, parece estar para durar.

Ora, em geral, é nos países que têm registado uma mais intensiva utilização do factor capital (e um consequente menor peso dos salários no PIB) que o crescimento económico tem sido mais elevado (exemplos: Espanha, Grécia, Irlanda e Luxemburgo na Europa Ocidental; Eslováquia, Estónia, Letónia, Lituânia e República Checa no Leste Europeu – todos eles registam um peso dos salários no PIB inferior à média da UE). O que, creio, prova que tornar Portugal mais atractivo para o capital, quer nacional, quer estrangeiro, é a "receita" pela qual temos que optar1. Para tanto, e como já em textos anteriores apontei, uma contribuição decisiva pode ser dada pela aposta, entre outros factores, (i) na formação e qualificação dos recursos humanos – mas com rigor, exigência e disciplina, algo que, infelizmente, parece ainda não ter sido compreendido por aqueles que têm responsabilidades nesta área; (ii) na desburocratização do ambiente empresarial (administração pública – central e local – e justiça); (iii) numa maior flexibilização das leis laborais; e (iv) numa reformulação do sistema fiscal português, no sentido da simplificação e da diminuição da carga fiscal – sobretudo ao nível do IVA (por causa de Espanha) e do IRC (para atrair empresas) –, minimizando quaisquer eventuais perdas de receita (pois muito continua por fazer na redução do peso da despesa pública corrente primária) e a exemplo do que já fizeram muitos países (sobretudo da Europa Central e de Leste) com os quais temos que competir.

Creio que só assim poderemos aumentar a nossa produtividade e voltar a criar riqueza que nos permita retomar a convergência para o nível de vida médio europeu. E, então sim, não só poderá ser progressivamente abandonada a moderação salarial (que, até lá, deverá, em minha opinião, continuar a ser uma realidade), como o país estará, certamente, melhor preparado para combater a desigualdade salarial em que hoje somos, infelizmente, campeões europeus.

1* Claro que isso implicará a continuação da descida do peso dos salários no PIB que já nos últimos anos se tem vindo a registar, como mostra o gráfico, em consonância com a tendência europeia (e depois de um período em que estivemos em contra-ciclo com a Europa nesta matéria).

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