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Escapar do abismo

Se os mercados acabarem por interpretar esta renegociação como um sinal de desespero, isso fará disparar as taxas de juro da dívida pública no mercado secundário. Como o Estado se financiaria durante mais tempo junto da troika isso não seria um problema para as contas públicas

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Para escapar do abismo, Portugal precisa, entre outras coisas, de se distanciar da Grécia. O primeiro difícil obstáculo é recuperar o consenso político e social perdido. No ponto a que chegámos este desígnio parece completamente utópico, mas fará sentido chamar atenção para as alternativas. Na Grécia, o sistema partidário vigente parece em vias de desaparecer e a radicalização em curso, quer para a extrema-direita, quer para a extrema-esquerda, não augura nada de bom. A Grécia está provavelmente a algumas semanas de distância de ser forçada a sair do euro e terá de enfrentar esse enorme desafio com um sistema partidário esfrangalhado.

Em Portugal, a maioria governamental faria bem em tentar reconstruir pontes que quebrou, quer com o PS, quer com os parceiros sociais. A expressão "refundação" do Estado não poderia ter sido mais inadequada, criando inúmeros obstáculos, quando o governo apenas pretende uma "reforma" do Estado, tanto mais que nem tem em mente qualquer tipo de ajustamento constitucional.

Faz todo o sentido um debate alargado e genuíno (para recuperar o consenso perdido) sobre a "reforma" do Estado, não só com o objectivo imediato de poupar dinheiro, mas também com o objectivo de o tornar mais amigo dos cidadãos e das empresas. Os jornais podiam participar de forma activa neste debate, expondo casos de despesas sem sentido (nas autarquias e não só), burocracias inúteis (na educação!) e atitude de caça à multa (à escolha ).

Há uma coisa que todos têm de perceber: o que não for cortado na despesa irá tornar-se em aumento de impostos em 2014 ou talvez ainda antes.

Tentar negociar prazos e juros com os credores faz todo o sentido e o governo já fez isso, na parte dos prazos, na quinta avaliação da troika. O PS poderia oferecer-se para ajudar já o país, propondo-se fazer pressão junto da sua família política, para conseguir alguns resultados nos juros.

No entanto, neste campo temos de ter muito cuidado em não nos aproximarmos da Grécia, cuja renegociação da dívida envolveu um perdão muito significativo dos credores privados. A Grécia fez uma das piores renegociações de dívida de que tenho notícia, já que teve todos os custos de uma renegociação (tornar o país um pária nos mercados de crédito internacional nas próximas décadas), sem os benefícios (colocar a dívida pública numa trajectória sustentável).

Um outro problema não trivial de uma renegociação de dívida prende-se com a forma como for lida. Se os mercados acabarem por interpretar esta renegociação como um sinal de desespero, isso fará disparar as taxas de juro da dívida pública no mercado secundário. Como o Estado se financiaria durante mais tempo junto da "troika" isso não seria um problema para as contas públicas, mas seria um grave problema para as empresas e para o emprego, já que as taxas de juro do Estado são o referencial para as empresas portuguesas. Ou seja, uma renegociação da dívida mal conduzida pode induzir um aprofundamento da recessão e um agravamento do desemprego.

Nota: as opiniões expressas no texto são da responsabilidade do autor e não vinculam o NECEP

Investigador do NECEP da Católica Lisbon School of Business and Economics


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