Opinião
Entre a ordem e o caos
Depois da revolução dos Oficiais Livres de 1952, a grande voz da música egípcia, a dama do Cairo, Umm Kulthum, passou a ser proibida na rádio porque tinha cantado para o rei Farouk.
Quando Nasser, um devoto dela, soube disse: "O que é que eles são? Malucos? Querem que o Egipto se vire contra nós?" Nasser percebia a paixão das massas. É isso que falta aos políticos e diplomatas ocidentais quando olham para o que resta de três décadas de reinado de Hosni Mubarak, só possível com a sua complacência. Há dois Egiptos e os ocidentais, sob a retórica perversa da "democracia", têm sobretudo medo do caos e de que o grande país árabe se transforme num bastião anti-ocidental e anti-israelita. Pedir a democracia é uma ilusão, feita para que Obama ou Durão Barroso mostrem que têm um "sonho". Há seis décadas que o Egipto é um regime militar e antes de Nasser era uma monarquia garantida pelos exércitos ocidentais. Hosni Mubarak era odiado por todos. Caiu, mas no seu lugar pede-se a continuação da ordem. Sem terem interesse em saber o que querem os egípcios, cuja revolta força a um novo e essencial debate (que já começou no núcleo dirigente do Facebook, do Google e do Twitter): que lugar terá no futuro político o controle do espaço digital?
Caída a estátua de Mubarak sobram os seus fantasmas, a começar pelo favorito dos EUA, o vice-presidente Omar Suleiman , também ele queimado pelo patético discurso em que dizia que o Egipto não estava preparado para a democracia. Nas sombras, a hierarquia militar, a garante da ordem que agrada ao Ocidente, discute quem ficará no poder. Ou seja, Suleiman, o primeiro-ministro Ahmed Shafiq, o ministro da Defesa, Hussein Tantawi e o chefe do exército, Sami Annan (o favorito do poderoso Tantawi, que foi determinante para a resignação de Mubarak), discutem quem será o próximo chefe. O que falha nos jogos de bastidores é a revolta dos jovens egípcios sem futuro e a inflação dos preços dos alimentos que está a regular a política em grande parte do mundo e a contribuir para o fim da ordem estabelecida.
Enganam-se os observadores: não vai haver um golpe militar no Egipto: os militares mandam há muito e continuarão a mandar, com ou sem "democracia". A Irmandade Muçulmana ainda não é uma ameaça sólida mas a sua influência no norte de África mostra até que ponto os ramos sunita e xiita do Islão poderão alterar a sua relação conflituosa. A preocupação ocidental tem também a ver com a dívida egípcia: 17,6 mil milhões de euros à França, 10,7 mil milhões à Grã-Bretanha, 6,3 mil milhões à Itália, 5,3 mil milhões aos EUA, 2,4 mil milhões à Alemanha. Mohamed E-Erian, CEO da Pimco (ele próprio filho de um diplomata egípcio), dizia há dias que o calcanhar de Aquiles de Mubarak era o fosso entre os privilegiados e todos os outros. A revolta egípcia é um sinal de novos tempos no mundo global. E não têm a ver, apenas, com a "democracia".
Caída a estátua de Mubarak sobram os seus fantasmas, a começar pelo favorito dos EUA, o vice-presidente Omar Suleiman , também ele queimado pelo patético discurso em que dizia que o Egipto não estava preparado para a democracia. Nas sombras, a hierarquia militar, a garante da ordem que agrada ao Ocidente, discute quem ficará no poder. Ou seja, Suleiman, o primeiro-ministro Ahmed Shafiq, o ministro da Defesa, Hussein Tantawi e o chefe do exército, Sami Annan (o favorito do poderoso Tantawi, que foi determinante para a resignação de Mubarak), discutem quem será o próximo chefe. O que falha nos jogos de bastidores é a revolta dos jovens egípcios sem futuro e a inflação dos preços dos alimentos que está a regular a política em grande parte do mundo e a contribuir para o fim da ordem estabelecida.
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